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PIB cresce 1% após dois anos de queda, mas futuro é de incerteza

Economistas afirmam que delações da JBS representam ruptura das expectativas otimistas para economia

Anunciado em meio a uma crise política, quando as incertezas sobre o país se multiplicam, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) soa como uma rara boa notícia.

Segundo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quinta-feira, o indicador subiu 1% no primeiro trimestre deste ano ante o último trimestre de 2016, após dois anos consecutivos de queda. No entanto, é difícil saber se os próximos resultados seguirão nessa linha.

Para economistas entrevistados, as delações dos donos da JBS, Joesley e Wesley Batista, que colocaram a governabilidade do presidente Michel Temer em dúvida, representam uma ruptura das expectativas mais otimistas sobre a economia. Isso porque a agenda de reformas foi paralisada e empresários e consumidores devem ficar ainda menos confiantes.

Divididos entre aqueles que acreditavam numa retomada e os que não viam sinais de recuperação, os especialistas ouvidos concordam em uma questão: a indefinição política torna as previsões econômicas ainda mais nebulosas.

Por que o PIB cresceu?

O PIB, um dos principais indicadores de uma economia, pode ser calculado pela ótica da oferta ou pela ótica de demanda. Ou seja, pelo cálculo do que se produz ou do que se consome no país.

Na primeira alternativa, o IBGE soma a produção gerada por agropecuária, indústria e serviços. No dado divulgado nesta quinta-feira, a agropecuária teve o melhor desempenho, com alta de 13,4%, puxando o número para cima. A indústria cresceu 0,9% e os serviços ficaram no mesmo patamar do último trimestre.

“Há a discussão de que o resultado reflita uma alteração na metodologia. É difícil dizer que esse crescimento esteja associado a uma recuperação. O desemprego continua aumentando, não há melhora no consumo, as pessoas seguem endividadas, nada está diferente”, diz a professora de Economia da PUC-SP Cristina Helena de Mello.

Lopreato também não vê sinal de retomada em outros setores. Mudanças positivas como a queda da inflação e dos juros, ressalta o professor, não são suficientes para tirar a economia da crise.

“Óbvio que são importantes. Mas, sozinhos, juros e inflação menores não são suficientes para alavancar o crescimento. Eles facilitam o investimento, mas vou investir para quê? Tem alguém que compre?”

No entanto, outros entrevistados viram os dados citados acima e a rápida aprovação das reformas como uma luz no fim do túnel.

Segundo o professor da Escola de Economia da FGV Rogerio Mori, a inflação menor mostra a “volta à normalidade” do sistema econômico e estimula o consumo. Ele também cita a alta dos indicadores de confiança com a tramitação das reformas trabalhista e da Previdência. Em maio, o Índice de Confiança Empresarial, feito pelo Instituto Brasileiro de Economia da FGV, atingiu o maior nível desde dezembro de 2014: 86,4 pontos.

“A economia está andando meio de lado. Mas diria que até umas semanas atrás estava se desenhando um cenário de retomada, caminhando para um crescimento robusto em 2018.”

Como ficará daqui para frente?

Há duas semanas, vieram à tona as revelações da delação do dono da JBS Joesley Batista. À Procuradoria Geral da República, Batista disse que Temer deu aval para a compra do silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. A informação foi o estopim de uma crise política, que paralisou o andamento das reformas no Congresso e colocou a governabilidade do presidente em risco.

De acordo com os economistas ouvidos, o fato causou também uma quebra de expectativas, dificultando previsões sobre os rumos da crise. Eles diferem em suas visões sobre o futuro: enquanto uns consideram que a delação piorou um cenário que já era ruim, outros veem uma interrupção na retomada que logo deve ser superada.

O professor Francisco Lopreato afirma que, com as acusações contra Temer, “o que já era turvo, escureceu de vez”.

“A insegurança é muito grande. Temer cai? Ou se salva? Estão tentando achar uma alternativa, que ainda não está clara. Diante da sensação de impasse, fica difícil ter um horizonte. Esperaria uma nova queda do PIB (no segundo trimestre), mas não dá para estimar o tamanho.”

Mas como as incertezas políticas afetam a decisão de consumidores e empresários?

Cristina Helena de Mello, da PUC-SP, diz que, ao decidir como vão gastar seu dinheiro, consumidores e empresários precisam estar confiantes de que haverá um retorno. No caso do trabalhador, de que ele continuará empregado, seu salário aumentará com o tempo e ele poderá pagar por aquele bem. Já para o executivo, de que haverá gente para comprar seus produtos, numa economia estável e propícia para novos negócios.

“Sem saber se as reformas vão continuar ou não, você não tem certeza de que terá retorno no seu investimento. Se não investe, você não emprega, não contrata. Os investidores estrangeiros também ficam receosos de colocar recursos em um país que não sabe como vai conduzir seu futuro.”

Mello não aposta em queda nem em crescimento do PIB neste ano. Ela diz que a instabilidade é grande para apontar uma direção.

De acordo com o professor do Instituto de Economia da Unicamp Francisco Lopreato, a safra recorde de grãos registrada no começo do ano é o “único grande fator” que explica a melhora do cenário.

“O que é inquestionável é o número da agricultura. Deu uma supersafra, o preço internacional estava bom, o clima colaborou, mas é uma pena que seja só isso.”

Outro ponto que poderia ter influenciado o resultado, dizem os professores consultados, é uma revisão dos dados de comércio e serviços em janeiro. A mudança metodológica fez as vendas no varejo passarem de queda de 0,7% a crescimento de 5,5%, o que teria colaborado para o bom número nos primeiros meses do ano.

“É um momento delicado, que depende de como serão conduzidas as próximas ações. É importante sinalizar que estamos semeando esses problemas, mas respeitando o que nos é caro: a Constituição, as instituições. E falta essa sinalização.”

Quem considerava que o país estava em trajetória de recuperação, tem uma opinião mais otimista deste momento. Consultor econômico e ex-secretário do Ministério da Fazenda, Raul Velloso define a crise política como “um salto para baixo” que deve ser superado em breve.

“Aquela linha vinha subindo devagarzinho deu um salto para baixo. Logo começam a desencadear as soluções. Foi uma descontinuidade pontual, pelo temor da reforma não acontecer, do país se desorganizar.”

Para Velloso, há uma agenda que deve ajudar a reduzir as incertezas. O julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral na semana que vem seria um desses marcos, porque a decisão dos juízes pode fortalecer Temer ou enfraquecê-lo de vez.

“Tem alguns eventos que podem trazer uma solução. Além disso, já estão procurando um substituto. Quando encontrarem um caminho que o presidente aceite, ele renuncia. Todos estão articulando nos bastidores.”

Apesar do otimismo, Velloso diz que é prematuro indicar o destino do PIB. A mesma cautela tem Rogerio Mori, da FGV.

É impossível saber os efeitos da delação, diz o professor, mas sua impressão é de que “o impacto negativo inicial está se diluindo”.

Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, o governo já retomou a contagem de votos no Congresso para tentar aprovar a reforma da Previdência.

A ideia da base aliada seria colocar a proposta em votação no plenário da Câmara já no início de junho.

“Independentemente do desfecho político, não estamos caminhando para a ruptura da política econômica. Até este momento, parece que o governo está mais fragilizado, mas minimamente funcional.”

Ingrid Fagundez

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