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Programa: Brasil acima de tudo | Deus acima de todos

Uma dupla de nada

O esboço de programa de Governo de Bolsonaro apresenta o seguinte

Criação do Ministério da Economia.
Orçamento Base Zero e Eliminação do déficit público no primeiro ano (Projetado para R$ 139 Bi) e obtenção de superávit primário em 2020.

Diminuição de 20% do volume da dívida mobiliária por meio de privatizações, concessões e venda de propriedades imobiliárias da União.

Reforma da Previdência: Modelo de repartição e capitalização.
Reforma Tributária.
Independência Formal do Banco Central.
Programa Renda Mínima.
Carteira de Trabalho Verde e Amarela.
Criação do Ministério da Economia

O que o programa diz?

A área econômica terá dois organismos principais: o Ministério da Economia e o Banco Central, este formal e politicamente independente, mas alinhado com o primeiro. Para atender ao objetivo de enxugamento do Estado, mas, também, para garantir um comando uno e coeso para a área, o Ministério da Economia abarcará as funções hoje desempenhadas pelos Ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio bem como a Secretaria Executiva do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos).

Além disso, as instituições financeiras federais estarão subordinadas ao Ministro da Economia.

E o que significa?

A primeira proposta é a consolidação da equipe econômica de um eventual governo Bolsonaro num só ministério. Seria a fusão do Ministério da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio em um único Ministério da Economia.

No que diz respeito ao “enxugamento do Estado”, o efeito é pequeno. A diminuição do número de ministérios tem um efeito mais retórico do que prático na diminuição da despesa pública.

O efeito maior que pode ser visto é na facilidade de articulação econômica.

A praxe do Brasil tem sido ter um quadro político no Ministério do Planejamento e um quadro técnico no Ministério da Fazenda (técnico mas com articulação política). A unificação de diretrizes econômicas parece-nos ser uma política bem-vinda, desde que bem arranjada.

Fica um alerta para que importantes secretarias do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão não sejam diminuídas nesse processo. Um exemplo é a SOF – Secretaria de Orçamento Federal, que é responsável pela elaboração, monitoramento e acompanhamento do orçamento da União.

Deve-se ter cuidado para não diminuí-la ante a secretaria que faz a execução financeira desse orçamento, a Secretaria do Tesouro Nacional.

O mais importante não é fazer a fusão, e sim como fazer. Infelizmente o programa é tímido nesse tipo de explicação.

Orçamento Base Zero e Eliminação do déficit público

O que o programa diz?

ORÇAMENTO BASE ZERO:

Com o fim do aparelhamento dos ministérios, inverteremos a lógica tradicional do processo de gastos públicos. Cada gestor, diante de suas metas, terá que justificar suas demandas por recursos públicos.

Os recursos financeiros, materiais e de pessoal, serão disponibilizados e haverá o acompanhamento do desempenho de sua gestão.

O montante gasto no passado não justificará os recursos demandados no presente ou no futuro. Não haverá mais dinheiro carimbado para pessoa, grupo político ou entidade com interesses especiais.

Prioridades e metas passam a ser a base do Orçamento Geral da União, para gastar o dinheiro do POVO obtido pelos impostos.

Daremos especial atenção ao controle dos custos associados à folha de pagamento do Governo Federal.

Os cortes de despesas e a redução das renúncias fiscais constituem peças fundamentais ao ajuste das contas públicas. O déficit público primário precisa ser eliminado já no primeiro ano e convertido em superávit no segundo ano.

E o que significa?

Truco!

O déficit projetado na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2019 foi de R$ 139 bilhões. Partindo de um pressuposto afastado do mundo dos sonhos, lembramos primeiramente que as diretrizes da despesa pública são estabelecidas pelo Plano Plurianual.

O primeiro exercício de um eventual governo Bolsonaro ainda estaria sob a tutela do PPA 2016 – 2019, votado ainda durante o governo Dilma Rousseff.

Orçamento base zero é ou delírio ou má fé, dado o nosso orçamento em que menos de 9% das despesas primárias apresentam algum grau de discricionariedade.

Em uma pesquisa rápida, vemos esta apresentação de Dezembro de 2016 feita pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão que explica a despesa pública.

Pra começar, 49,88% da despesa é destinada a pagamento de benefícios de aposentadoria (trabalhadores rurais, urbanos e servidores inativos). Ou seja, o orçamento base zero já vira de cara orçamento base 49,88%.

A não ser que a ideia seja deixar de pagar os aposentados. Não concordamos com essa ideia.

Além das aposentadorias, temos as seguintes despesas primárias:

11,76% – Pessoal Ativo (Boa parte com estabilidade e irredutibilidade salarial)
8,03% – Gastos com saúde (despesa com proteção constitucional)
3,94% – Benefícios de Prestação Continuada (LOAS/RMV)
3,38% – PAC (Pode ser revisto, mas não zera o déficit, além de parar as obras)
3,03% – Seguro Desemprego
2,78% – Despesas com educação, exceto pessoal
2,58% – Gasto da assistência social
1,88% – Subsídios, Subvenções e Proagro
1,48% – Abono
1,42% – Compensação ao RGPS pelas Desonerações da Folha (Despesa assumida no governo Dilma, o governo Temer tentou acabar com essa despesa, mas sem sucesso)
1,10% – Complementação da União ao FUNDEB
1,05% – Poder Legislativo, Judiciário e Ministério Público
0,82% – Sentenças Judiciais e Precatórios (mexer aqui significaria levar a despesa para o futuro apenas)
1,85% – Demais Despesas Obrigatórias
5,01% – Demais Despesas Discricionárias do Executivo (aqui entram os aluguéis de imóveis de órgãos públicos, terceirização de serviços de manutenção dos órgãos, investimentos em máquinas e equipamentos, manutenção da rede de TI e sistemas e todo o funcionamento do executivo como um todo. É uma despesa que já vem sendo diminuída ano após ano).

Cada 1% das despesas estabelecidas acima equivalem a aproximadamente R$ 12,9 bilhões. Para zerar o déficit, o eventual governo Bolsonaro precisaria cortar 10,8% das despesas primárias.

Resta saber quem ele vai prejudicar. Lembrando que os dados são de Dez/2016, mas não houve mudança drástica desde então.

A equipe econômica pode considerar que a desmobilização de ativos ou privatizações entrem como receita corrente para fim de cálculo do resultado primário de alguma forma.

Isso, no entanto, seria um artifício de contabilidade criativa, independentemente da máscara que se escolha para esconder esse artifício.

O ponto positivo é que a equipe econômica do candidato Jair Bolsonaro apresenta preocupação com a situação fiscal do país. O negativo é que a equipe delira ao propor metas inexequíveis.

Privatizações

O programa estima reduzir em 20% o volume da dívida mobiliária por meio de privatizações, concessões, venda de propriedades imobiliárias da União e devolução de recursos em instituições financeiras oficiais que hoje são utilizados sem um benefício claro à população brasileira.

Segundo o relatório anual da dívida pública de 2017 (Tesouro Nacional), em dezembro de 2017 a nossa dívida pública montava aproximadamente R$ 3,6 trilhões.

A estimativa do programa é receber aproximadamente R$ 720 bilhões com as privatizações, concessões e venda de propriedades imobiliárias da União.

Para fim de comparação, na ocasião da concessão do aeroporto de Guarulhos, estimava-se uma receita de R$ 17,7 bilhões a ser obtida ao longo dos 25 anos de prazo da concessão. Uma média de R$ 0,7 bilhão por ano.

Para alcançar o valor exposto pelo programa de governo de Jair Bolsonaro, teríamos de obter receitas de privatização e concessões de cerca de 1.017 aeroportos de Guarulhos, o mais movimentado do Brasil.

Numa outra comparação, a participação da União Federal na Petrobrás é de 28,7%. Numa análise simples de valor de mercado (ações * valor da ação) em Outubro/18, temos que a empresa vale R$ 346 Bilhões.

Nessas condições, a privatização total da empresa renderia R$ 99,3 bilhões para a União. Assim, precisaríamos de mais de 7 Petrobrás para alcançar o valor estimado pela equipe de Bolsonaro.

Não obstante nos posicionarmos em linha com a privatização, concessão e desmobilização de bens da União. Essa política não é, por si só, a salvação da lavoura.

Os efeitos mais benéficos advêm do fomento à concorrência, diminuição de despesas governamentais, diminuição do uso da máquina estatal para uso político (cabides de empregos), aumento da eficiência na prestação de serviços à população, dentre outros.

Assim, por mais que sejamos favoráveis à proposta, nos opomos ao discurso de que a situação fiscal brasileira é de fácil solução por meio dessas privatizações.

Reformas estruturais como a da Previdência, reforma da estrutura do Estado brasileiro, reforma trabalhista, reforma política e reforma tributária devem ser bandeiras mais importantes do que as privatizações por si só.

A privatização é um meio para tornar o Estado mais eficiente e não um fim ensimesmado.

Reforma da Previdência

O que o programa diz?

Há de se considerar aqui a necessidade de distinguir o modelo de previdência tradicional, por repartição, do modelo de capitalização, que se pretende introduzir paulatinamente no país.

E reformas serão necessárias tanto para aperfeiçoar o modelo atual como para introduzir um novo modelo. A grande novidade será a introdução de um sistema com contas individuais de capitalização.

Novos participantes terão a possibilidade de optar entre os sistemas novo e velho. E aqueles que optarem pela capitalização merecerão o benefício da redução dos encargos trabalhistas.

Obviamente, a transição de um regime para o outro gera um problema de insuficiência de recursos na medida em que os aposentados deixam de contar com a contribuição dos optantes pela capitalização.

Para isto será criado um fundo para reforçar o financiamento da previdência e compensar a redução de contribuições previdenciárias no sistema antigo.

E o que significa?

O programa propõe uma reforma estrutural. Com modelo de previdência por capitalização e introdução de contas individuais de capitalização. Mesmo exemplo do já aplicado à previdência dos servidores públicos federais desde 2013.

A equipe econômica reconhece a geração da insuficiência de recursos para custear as aposentadorias já existentes. Para isso, o programa propõe instituir um fundo para financiar a previdência atual. Seria bonito, mas há um pequeno problema.

De onde sai o dinheiro pra financiar esse fundo?

Em 2017, a arrecadação para o Regime Geral de Previdência Social foi de R$ 374,8 bilhões. Se as regras estabelecidas para a capitalização implicarem em 10% de transferência para o novo regime (capitalização com contas individuais para cada beneficiário) nos primeiros anos, o tal fundo teria de ter um aporte de cerca de R$ 37,5 bilhões. Isso fora o sonho dourado de zerar o déficit.

Trata-se de uma reforma estrutural importante e que deve ser efetivada em algum momento para o bem da saúde fiscal do país. No entanto falta um direcionamento mais claro de como essa transição seria efetivada.

Novamente, concordamos com a diretriz apontada, mas parece que estamos nos guiando num céu sem estrelas, sem mapa, sem conhecimento do terreno e apenas com uma bússola.

Reforma Tributária

As propostas do programa para a reforma tributária são:

Redução da carga tributária paralelamente ao espaço criado por controle de gastos e programas de privatização.

No mundo real, temos um déficit grande projetado para 2019 e mesmo se as propostas de governo passarem sem qualquer corte no congresso, a meta de zerar o déficit em 2019 e gerar superávit em 2020 não encontra lastro com a realidade.

Assim, no curto prazo não haverá “espaço criado” para a redução da carga tributária.

Simplificação e unificação de tributos federais eliminando distorções e aumentando a eficiência da arrecadação;
O economista Paulo Guedes já deu entrevista falando sobre a instituição do IVA – Imposto sobre o Valor Agregado.

No entanto o plano de governo em si não traz nem um esboço de como seria essa simplificação e unificação de tributos federais.

Descentralização e municipalização para aumentar recursos na base da sociedade;

E, por consequência, diminuir recursos da União. Num cenário onde 92% da despesa pública é obrigatória ou, de alguma forma, vinculada, não vemos qualquer credibilidade na implantação dessa proposta de forma sólida nos próximos quatro anos.

Discriminação de receitas tributárias específicas para a previdência na direção de migração para um sistema de capitalização com redução de tributação sobre salários.

Cerca de 50% da despesa primária do governo é com gasto se previdência e seguridade social. A migração para um sistema de capitalização é uma proposta antiga e extremamente cara num primeiro momento.

As aposentadorias dos servidores públicos federais já estão migrando para um regime de capitalização e repartição. O que tende a diminuir o custo das aposentadorias dos servidores no longo prazo.

O papel aceita tudo, mas a migração para um sistema de capitalização e individualização das contas de previdência é, no momento, difícil e caro.

Por isso as propostas de reforma da previdência tentam ser menos estruturais do que isso. Trata-se de uma reforma estrutural que o Presidente eleito teria de atacar logo no início de seu mandato para ter chance de aprovação.

Entendemos que os outros pontos citados para a proposta de reforma da previdência são menos relevantes do que os que já abordamos. Tratando-se de pura retórica.

Independência Formal do Banco Central

O que o programa diz?

Nosso Programa mantém o tripé macroeconômico vigente: câmbio flexível, meta de inflação e meta fiscal. No entanto, avançamos institucionalmente, com uma proposta de independência formal do Banco Central, cuja diretoria teria mandatos fixos, com metas de inflação e métricas claras de atuação.

Além disso, avançamos em maior flexibilidade cambial e mais ortodoxia fiscal. Inflação baixa e previsível será uma das prioridades inegociáveis em nosso governo.

E o que significa?

Trata-se de uma proposta que vem ganhando relevância em alguns programas de governo mais moderados, tanto no Brasil como no exterior.

A experiência do Chile e do México com um Banco Central independente é positiva. Nesses países, os membros do conselho (que no Brasil seria o CMN – Conselho Monetário Nacional) são indicados para mandato longo e fixo.

Trata-se de uma forma de dar estabilidade à política monetária do país, diminuindo a intervenção do chefe do executivo sobre esse aspecto. O plano de governo de Jair Bolsonaro traz em si além dessa proposta, a busca da previsibilidade da inflação.

Vemos essa proposta como muito bem-vinda à economia brasileira. Especialmente por fazer com que a atuação do Governo eleito ter de se pautar pela política fiscal, sem poder recorrer a atalhos pela política monetária.

Programa Renda Mínima

O que o programa diz?

Acima do valor da Bolsa Família, pretendemos instituir uma renda mínima para todas as famílias brasileiras.

Todas essas ideias, inclusive o Bolsa Família, são inspiradas em pensadores liberais, como Milton Friedman, que defendia o Imposto de Renda Negativo.

Propomos a modernização e aprimoramento do Programa Bolsa Família e do Abono Salarial, com vantagens para os beneficiários.

Vamos deixar claro: nossa meta é garantir, a cada brasileiro, uma renda igual ou superior ao que é atualmente pago pelo Bolsa Família.

E o que significa?

Trata-se de uma “modernização e aprimoramento” do Programa Bolsa Família e do Abono Salarial. No entanto, o programa de governo não fala muito mais do que isso.

Pela citação a Milton Friedman, acreditamos ser algum tipo de transferência unilateral em valor único aos menos favorecidos (transferências lump sum, ou seja em valor fixo e sem contrapartida).

Mas não conseguimos fazer qualquer estimativa além disso, não há nem um esboço do mecanismo desse programa.

Além disso, retórica agressiva à parte, mesmo que se “cace os marajás do bolsa família”, um aumento da renda mínima às famílias menos favorecidas implica necessariamente em aumento da despesa, o que vai de encontro com a diretriz de política fiscal contracionista que é amplamente defendida ao longo da campanha.

Faltou falar sobre a contrapartida fiscal para esse programa.

Carteira de Trabalho Verde e Amarela

O que o programa diz?

Criaremos uma nova carteira de trabalho verde e amarela, voluntária, para novos trabalhadores.

Assim, todo jovem que ingresse no mercado de trabalho poderá escolher entre um vínculo empregatício baseado na carteira de trabalho tradicional (azul) – mantendo o ordenamento jurídico atual –, ou uma carteira de trabalho verde e amarela (onde o contrato individual prevalece sobre a CLT, mantendo todos os direitos constitucionais).

E o que significa?

O programa propõe a criação de duas regras trabalhistas distintas, coexistindo simbolizadas em duas carteiras de trabalho distintas.

A carteira de trabalho tradicional (azul) manteria o ordenamento jurídico atual e seria facultada a adoção voluntária de uma carteira de trabalho verde e amarela, onde o contrato individual prevalece sobre a CLT.

Na nossa opinião, trata-se de um regime de transição do ordenamento jurídico atual para um onde prevalece o contrato individual.

No entanto, até que os trabalhadores se percebam preteridos por portarem a carteira de trabalho antiga, isso pode gerar um desemprego entre os menos atentos.

Além de um período de ajustes com grande volume de demissões para readmissões de trabalhadores que estejam no novo regime.

Vemos como uma saída covarde por gerar assimetria de informação ao vender a proposta como uma escolha dos trabalhadores pelo regime de trabalho, sendo que a bem da verdade, quanto menos especializada a mão de obra, maior o volume e velocidade de transição para o sistema novo.

Nossa crítica não se coloca sobre o novo regime de trabalho e sim sobre a falta de clareza na regra de transição.

Vinícius Lima

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