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Próximo de um ano de tragédia ambiental, governo Bolsonaro não multou ninguém e deve R$ 43 milhões à Petrobras

Quase um ano depois do início do vazamento de óleo que atingiu a costa brasileira, o governo federal não apenas não conseguiu encontrar e punir os responsáveis como ainda está como uma dívida milionária com a Petrobras por conta do episódio.

Dados obtidos pelo GLOBO com base na Lei de Acesso a Informação mostram que a União deve R$ 43 milhões à empresa, pelos diversos serviços prestados no combate a um dos maiores desastres ambientais do país.

Segundo levantamento do Ibama até março passado, foram detectadas manchas de óleo em mais de 1.013 locais em todos os estados da região Nordeste e também na costa do Espírito Santo e Rio de Janeiro.

As autoridades chegaram a atribuir a responsabilidade pelo vazamento ao navio de bandeira grega Bouboulina, da empresa Delta Tankers. Os responsáveis pela embarcação, no entanto, negaram qualquer envolvimento. À época, estimava-se que a multa aos responsáveis poderia chegar a R$ 50 milhões.

Ao longo da crise, que começou em agosto e se estendeu até o fim do ano, o governo federal recorreu à Petrobras para tentar conter o avanço das manchas de óleo na costa, monitorar a chegada delas às praias e recolher o material que chegou à areia. Essa ajuda, no entanto, não foi de graça. Segundo levantamento obtido pelo GLOBO junto à Marinha, o governo federal deve R$ 43.285.315,43 à Petrobras.

O valor é referente ao empréstimo de embarcações, cessão de mão de obra, utilização de drones e aeronaves. Só em pagamento de horas-extras a funcionários da estatal, o governo deve R$ 20,4 milhões. Outros R$ 3,1 milhões são para o pagamento de 128 horas de voo custeadas pela Petrobras em aeronaves dela ou alugadas pela companhia.

Procurada, a Petrobras disse que o pagamento da dívida será feito “após o cumprimento de trâmites administrativos”. Em nota, a estatal disse ter recolhido 500 toneladas de resíduos em mais de 1,1 mil quilômetros de praias em sete estados.

PF não fez denúncia
Onze meses depois do vazamento ter sido detectado e de milhões de pessoas terem sido afetadas no Nordeste e no Sudeste, ninguém foi responsabilizado pelo desastre. Em novembro, um relatório da Polícia Federal apontou o Bouboulina como responsável pelo vazamento, mas, até agora, nenhuma denúncia foi feita.

A PF disse ter chegado ao navio grego após análise de dados e imagens via satélite. Entretanto, em dezembro, um documento da área técnica do Ibama disse que o relatório usado pela PF que serviu para apontar a embarcação como responsável estava errado.

Procurada, a Polícia Federal disse que o caso ainda está sendo investigado pela superintendência do órgão no Rio Grande do Norte e que “não há prazo para conclusão” da investigação.

O Ministério da Defesa, que centralizou as ações do Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA) montado durante a crise, enviou uma nota dizendo que o vazamento, suas origens e seus responsáveis ainda estão sendo investigados.

À época, a gestão da crise pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi duramente criticada. Ambientalistas e órgãos como o Ministério Público Federal alegaram que o governo demorou para colocar em funcionamento o plano de contingência necessário para lidar com a tragédia. O governo, por sua vez, negou que tenha havido demora no caso.

Substância ainda aparece

O vazamento afetou a indústria do turismo na região Nordeste e atividades como a pesca em diversas comunidades litorâneas.

O pescador Janielson de Souza, de 39 anos, morador da praia de Poças, em Conde, no litoral norte da Bahia, sente as consequências do derramamento de óleo até hoje.

“Minha família inteira trabalha com a pesca. À época do desastre, não conseguimos vender o pescado, pois estava contaminado com a substância. Hoje, busco mariscos ainda cobertos de óleo, mas preciso deles para sobreviver”, conta Souza.

“Me sinto desrespeitado pela impunidade, principalmente porque as consequências financeiras são sentidas até hoje. O dano ambiental terá consequências duradouras para a natureza”.

Quem compartilha da sensação de abandono é Ana Oliveira Santos, pescadora de 48 anos que trabalha da região da Ilha da Coroa, em Alagoas:

“O que vem acontecendo desde o derramamento do óleo até os dias atuais é que nossas vendas e produção caíram muito. A população não queria comprar o pescado por achar que estava contaminado e a produção caiu pela contaminação ambiental. Agora, com a pandemia, a situação piorou, pois não podemos sair para as feiras livres e vender nosso produto”, lamenta.

“Com o período das chuvas, a substância voltou a aparecer em pequenas quantidades. Vejo que os culpados não têm compromisso ou interesse por nossa categoria”.

O pescador artesanal de lagosta Tobias Soares da Silva, de 39 anos, relata a consequência financeira causada pelo derramamento do óleo nas praias. Morador do Ceará, Silva trabalha há 25 anos com pesca em Icapuí, na Praia de Redonda:

“Em julho de 2019, a pesca e venda foram paralisadas pelo medo dos consumidores se contaminarem por meio do óleo.

Nesse ano, vi a diminuição drástica na produção da lagosta, os animais desapareceram do mar”, complementa: “O suporte oferecido pelo governo é insignificante, pois o desastre será prolongado. Além disso, me sinto receoso, pois vejo constantemente pequenas manchas de óleo na praia”.

Especialista cobra ação

O professor Julio César da Silva, diretor do Departamento de Engenharia Sanitária e Meio Ambiente da Uerj, avalia como grave a falta de transparência do plano de contingência aplicado pelo governo federal. Para o pesquisador, a gestão ineficiente indica falta de aprendizado ao desastre de julho.

Segundo Silva, em termos socioambientais, o impacto do derramamento é preocupante:

“Falta transparência para as ações de amparo desenvolvidas pelo governo federal. Temos poucos planos de gestão de crise em termos sociais e ambientais relacionados a desastres ambientais como o derramamento de óleo nas praias do Nordeste.

Nesse sentido, precisamos de atitudes fiscalizadoras para prevenir que outro desastre ocorra. O meio ambiente levará décadas para se recuperar, mas deveríamos contar com investimentos financeiros que reduzissem esse tempo”, diz.

Questionado sobre os vestígios de óleo ainda presentes nas praias do Nordeste, o especialista explica:

“As substâncias remanescentes podem ser decorrentes do material daquela época que não chegou à praia, e agora por condições marítimas chegaram à areia”, explica.

Novas pesquisas
Na semana passada, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI) abriu uma chamada pública para dar apoio financeiro a projetos que contribuam para a “geração de conhecimentos” sobre o derramamento de óleo.

A origem do desastre ambiental é estudada por órgãos como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

“Sabemos que o óleo veio pela corrente equatorial, e por isso conseguiu se dispersar por todos os estados nordestinos, mas a distância do local do vazamento ainda é desconhecida. Acredito que seus resíduos, que ficaram colados no fundo do mar, aparecerão esporadicamente nas praias”, avalia Paulo Nobre, pesquisador do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTec/Inpe).

“Temos a metodologia científica, estudamos as correntes oceânicas. É uma questão de tempo até descobrirmos onde ocorreu o derrame”.

O professor da UFRJ Luiz Paulo Hassad integrou no ano passado um estudo que indicou que o despejo de óleo teria ocorrido a 700 quilômetros de distância da costa brasileira, na altura da fronteira entre Sergipe e Alagoas.

“Observamos diferentes camadas oceânicas, já que a trajetória do óleo até as praias não ocorreu pela superfície”, destaca Hassad, coautor da pesquisa realizada pelo Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia da Coppe/UFRJ.

“Entramos nas investigações porque temíamos que a substância chegasse em grande quantidade no Rio de Janeiro, mas isso não ocorreu”.

Assad revela que, no ano passado, foi discutida a formação de um grupo que reunisse diversas instituições em programas ligados ao combate ao óleo. A iniciativa não avançou, mas a Marinha continua investigando o derrame:

“O vazamento provocou um prejuízo social, econômico absurdo e, no entanto, não foi criado um sistema de monitoramento de costa”.

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