A agenda de votações no Congresso Nacional está travada pela denúncia contra o presidente Michel Temer. A vítima desse novo capítulo da crise política foi, novamente, a reforma da Previdência, em mais um capítulo de adiamentos e quase abandono do encaminhamento do projeto. Enquanto não tirarem a denúncia da frente, o Congresso não fará mais nada. E isso só deve acontecer no final de outubro.

“Ainda assim vai ser muito difícil encaminhar a reforma da Previdência, pelo menos não do jeito que o projeto está. Se o governo quiser ter alguma chance, terá que reduzir muito a proposta original, mantendo apenas a mudança na idade mínima e a regra de transição. Assim, as chances de aprovação ficam entre 40% e 45%”, disse ao blog o analista político Cristiano Noronha, da Arko Advice.

Além da impopularidade recorde do presidente, as eleições do ano que vem afastam deputados e senadores de pautas tóxicas, como mexer na aposentadoria. Há outro forte elemento que compromete o afinco dos parlamentares para avançar com a reforma da Previdência: a melhora da economia. Ao assistirem à recuperação do emprego e a redução dos juros com mais força pelo Banco Central, os parlamentares assumem que nada é tão urgente assim que não possa esperar.

“A melhora da economia reduz o senso de urgência do Congresso, especialmente para a reforma da Previdência. Eles sabem que este vai ser o tema do novo presidente. Então por que se desgastar agora no meio dessa crise se em 2019 terão que aprovar uma reforma muito mais dura, complexa? Ninguém quer correr risco agora”, avalia o analista político.

O que pesa mais: a falta de convicção pela necessidade da reforma ou o calendário político?

“O calendário”, respondeu Cristiano Noronha. “Pesa muito porque a chance de renovação do Congresso é alta, ou seja, muitos podem não se reeleger. No caso do Senado, dois terços serão candidatos. É muito arriscado”, completou.

A pauta econômica que depende do Congresso Nacional tem outros projetos relevantes, especialmente para a condução do ajuste fiscal, que podem manter a gestão de Michel Temer ativa, mesmo sem grandes vitórias. Cristiano Noronha citou quatro mudanças que têm maiores chances de serem aprovadas depois da votação da denúncia contra o presidente. Para não correr muitos riscos e depender de menos votos, as mudanças serão propostas na forma de projetos de lei, que precisam de maioria simples nas duas Casas, com apenas uma votação nos Plenários do Senado e da Câmara.

1) Reoneração da folha de pagamento do setor privado – o governo já havia tentado com uma Medida Provisória, que caducou. Agora, vai tentar com o PL. O governo perde cerca de R$ 17 bi por ano com a desoneração da folha.

2) Adiamento do reajuste dos servidores públicos de 2018 para 2019 – também será feito por PL, mas o governo ainda não encaminhou proposta. Esta medida pode reduzir os gastos em R$ 9 bilhões.

3) Limitação do salário inicial para quem ingressa no serviço público a R$ 5 mil. Existem carreiras que já começam pagando R$ 20 mil, o que está muito perto do teto permitido e, além disso, muito distante do que paga o setor privado para profissões semelhantes.

4) Unificação da alíquota de contribuição, em alta progressiva dos atuais 11% para 14%, para servidores que ganharem acima de R$ 5,3 mil, ou seja, quase 70% do funcionalismo do Poder Executivo. A arrecadação esperada é de quase R$ 2 bi em 2018.

“Das quatro, a mais difícil é a reoneração da folha de pagamento. As outras devem passar, se o governo tiver agilidade para encaminhar tudo assim que a denúncia for votada. Essas medidas paralelas vão sinalizar ao investidor que o governo está buscando tapar os ralos dos gastos estruturais”, disse Noronha, da Arko Advice.

Se essas medidas realmente forem aprovadas, a sinalização para os investidores será bem positiva. Mesmo com adiamento da reforma da Previdência, o governo terá mostrado atividade e, de pouco em pouco, a recomposição das contas públicas vai sendo feita. E com mudanças que não serão paliativas, mas estruturais no longo prazo. Como a contribuição previdenciária mais alta e até mesmo a limitação do salário inicial do serviço público, que corrigirá uma enorme distorção sobre o valor do trabalho no Brasil.