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Trinta dias de medidas econômicas: Breve balanço de um desastre anunciado

DUAS CABEÇAS VAZIAS

Após contextualizar a situação da economia brasileira no início do mês de março de 2020, quando surgiram os primeiros casos da COVID-19 no Brasil, discutem-se as principais ideias econômicas que permeiam as propostas e medidas econômicas que vêm sendo anunciadas a conta-gotas desde o dia 12.03.2020.

Por um lado, é importante registrar que durante todo o mês de março a equipe econômica se mostrou fiel ao presidente em sua desiderata pelo fim do isolamento social decretado pelos governos estaduais, inclusive com algumas manifestações públicas.

Em vídeo gravado em sua residência no dia 27.03.20 o Ministro da Economia afirmou que a COVID-19 não deveria desorganizar a economia, mesmo que o governo precisasse cuidar da saúde. Voltou a repetir a mesma argumentação de que se todo mundo ficar em casa a economia vai entrar em colapso, levantando, inclusive, a hipótese do desabastecimento para reafirmar a necessidade de se implementar medidas de isolamento social menos duras.

Por outro, em todas as intervenções públicas do ministro ficou claro que a preocupação central ainda era com a agenda de reformas estruturais, chegando-se ao ponto de afirmar que “a melhor resposta para conter a crise atual é aprovar as reformas no Congresso Nacional porque essas reformas são a base para gerar crescimento, emprego e renda”.

Contrapondo-se às medidas de isolamento social defendidas pelo Ministro da Saúde, declarou “se ficar todo mundo em casa, a economia vai entrar em colapso”, alusão contrária ao encaminhamento da área da saúde e em total sintonia com o ignóbil presidente do país. Na sequência passou a defender redução da jornada de trabalho com corte correspondente dos salários com estratégia de defesa da produção e do emprego, chegando ao ponto de assinar um Medida Provisória (MP) sem ler.

O ápice desse comportamento ocorreu no dia 28.03.20 (sábado à noite) quando o ministro da economia fez uma conferência eletrônica com especuladores do mercado financeiro liderados pela XP Investimentos. Em sua exposição o ministro defendeu que se deveria implementar medidas menos duras de isolamento social porque era necessário impedir uma crise de desabastecimento e minimizar os impactos da pandemia na produção econômica.

Assim finalizou sua intervenção: “depois da crise e da pandemia, com juros baixos e câmbio elevado, vamos levar em frente as privatizações, além do que as reformas são nosso foco e as PECs no Congresso Nacional vão ser aprovadas. Fiquem tranquilos que vai dar tudo certo, por isso conto com a XP”.

Além da tese constante das reformas, agregou em seu cardápio um conjunto de travas sequenciais diante da possibilidade de expansão do gasto público, opções estas que vão exatamente na contramão de tudo o que vem sendo feito pela maioria dos países afetados pelo novo coronavírus e também pelas recomendações de instituições financeiras internacionais, como o World Bank e o International Monetary Found.

Diante da diversidade de ações até essa data e dada a forma bastante desorganizada com que as medidas foram sendo anunciadas, procuramos organizar as informações de maneira minimamente condizente com as grandes linhas de intervenção de políticas macroeconômicas destinadas ao enfrentamento de efeitos de uma crise que deriva de outro setor da sociedade e não diretamente do próprio funcionamento da estrutura econômica do país.

Para tanto, os anúncios foram sintetizados nos seguintes pontos: ações de apoio ao setor empresarial; ações relativas ao emprego e salário; ações destinadas aos segmentos sociais vulneráveis; ações nas esferas fiscal e tributária; ações do BACEN na esfera monetária; ações dos bancos públicos; ações junto aos governos estaduais; e ações aleatórias. A partir daí dessa classificação das medidas anunciadas, chegamos as seguintes conclusões:

1)Ausência de um Plano Articulado de Ação

De um modo geral, nota-se que o governo não tem um Plano de Ações organizado e articulado para amenizar os efeitos negativos da pandemia sobre as atividades econômicas.

O que se viu até o momento foram anúncios bastantes espalhafatosos e a conta-gotas sobre volume de recursos, porém com poucos efeitos práticos, uma vez que os encaminhamentos para que de fato esses montantes anunciados cheguem aos agentes econômicos que mais necessitam (empresários e trabalhadores) normalmente são lentos ou até mesmo sequer ocorrem.

Analistas de várias correntes teóricas foram unânimes em afirmar que, além dos primeiros pacotes de medidas serem tímidos e insuficientes para reverter o quadro recessivo que se avizinha, poderão ser pouco eficazes se não existir uma coordenação mais efetiva entre as esferas da saúde e da economia.

De um modo geral, pode-se afirmar que não há um planejamento da política econômica, uma vez que está ocorrendo a adoção de medidas pontuais ad hoc e ao sabor de pressões setoriais. Neste caso específico, é importante registrar que toda a construção da política de emprego e salário presente na MP que regula a matéria obedeceu a lógica das propostas da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentada ao governo recentemente.

Tal confederação, na verdade, viu a oportunidade para tentar fazer uma nova minirreforma trabalhista, com algumas propostas que transcendem o bom senso, porém sempre sustentadas no surrado argumento de que se estará “evitando demissões”, mas que na vida real representa “menos direitos para se manter os empregos”.

Com isso, é nítida nas ações anunciadas a ausência de uma visão estratégica de enfrentamento da crise sustentada em medidas de longo alcance que sejam capazes de superar o processo recessivo que se avizinha e recuperar o crescimento econômico em patamares mais condizentes com a realidade da sociedade brasileira.

Portanto, existe um grau elevado de certeza que o conjunto da obra até aqui anunciada será pouco efetiva para enfrentar os grandes desafios que a realidade global atual está apresentando.

2)Timing para as ações anunciadas

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Como vimos anteriormente, o cenário atual que prevê uma grande recessão mundial, já vinha se desenhando desde os primórdios do surgimento da COVID-19 na China ao final de 2019.

A partir da transformação dessa doença em uma pandemia mundial, a grande maioria dos analistas internacionais – e também brasileiros – alertava para as consequências negativas da pandemia sobre os sistemas econômicos. Mais recentemente, ficou claro que haveria uma parada longa na economia mundial que, para alguns, será semelhante ou até maior que a grande depressão da década de 1930.

Mesmo assim, o ministro da economia brasileira acreditava ser apenas uma turbulência passageira. Segundo ele, a economia do país era resiliente e estava com os fundamentos fiscais e com as reformas estruturantes em andamento, fatos que lhe daria condições de “furar essa onda”.

Textualmente afirmou em 16.03.20 que “o Brasil está começando uma reaceleração econômica, aí vem uma turbulência e ele tem condições de ultrapassar isso. São três ou quatro meses”.

A partir dessa fala foram sendo desenhadas ações de política econômica para combater a crise com periodicidade para dois ou três meses, conforme pode ser observado na seção II deste texto, indicando que para o ministro da economia a grande recessão já anunciada era apenas uma “onda” que facilmente seria furada. Por outro lado, essa fala também minimiza o grave processo recessivo que já está em curso, ao tratá-lo apenas como uma “turbulência”.

Esse comportamento levou diversos analistas a afirmar que o ministro da economia do Brasil tinha uma leitura equivocada sobre o contexto econômico global decorrente da crise provocada pelo novo coronavírus e, consequentemente, pouca noção sobre a gravidade do momento atual.

Por exemplo, ainda no início de março de 2020 o jornal Financial Times – espaço cativo de divulgação das ideias econômicas neoliberais – já alertava que um processo recessivo estava em curso, podendo causar uma grande quebra de empresas e gerar mais desemprego. Pelo jeito, nem a isso os neoliberais tupiniquins, sob a batuta do atual ministro, se atentaram.

Por fim, queremos crer que a pandemia não fez nenhum acordo com o ministro brasileiro para durar três ou quatro meses, isto porque quanto mais ela durar, maior serão os custos econômicos e sociais, especialmente em termos de vidas ceifadas. Daí a razão para se compreender que a duração e a dimensão da recessão são imprevisíveis, mesmo que os planos da equipe econômica continuam sendo de três meses.

  3) Anúncios espalhafatosos de valores aplicados

Uma das formas comuns de iludir a população, sobretudo quando se tem meio de comunicações domesticados e se pratica um jornalismo econômico sem qualquer capacidade crítica, é divulgar informações que causam impactos.

No caso específico das medidas econômicas anunciadas pelo governo atual, o que mais importava – e também mais se discutia – era o volume global de recursos que estava sendo disponibilizado para combater os efeitos negativos sobre a economia causados pelo novo coronavírus e não o conteúdo e as possibilidades das medidas adotadas.

O ministro da economia, mesmo que atrasadamente, passou a se utilizar muito desse pretexto ultimamente. Suas últimas falas públicas foram pautadas pela ideia dos bilhões, chegando ao cúmulo de afirmar nas últimas entrevistas que o governo já disponibilizou mais de R$ 800 bilhões para combater a pandemia.

 Na maior parte deste texto optamos por não ficar divulgando cifras bilionárias de anúncios como faz a maior parte dos meios de comunicação. Somente em alguns casos específicos, particularmente no caso dos bancos públicos, mostramos os valores porque eles serão úteis para os comentários específicos que serão feitos.

Como exemplo que justifica essa escolha, indicamos o primeiro pacote de medidas anunciado em 16.03.20. Nele está indicado um montante de gasto de R$ 148,7 bilhões que, no decorrer do processo, foi sendo somado a outros gastos anunciados para se chegar ao tal de R$ 800 bilhões do ministro.

Todavia, quando se analisa o primeiro pacote percebe-se claramente que praticamente não há nenhum recurso novo, uma vez que a maioria das medidas diz respeito à antecipação de gastos orçamentários previstos no Orçamento Geral da União aprovado para o exercício de 2020. E assim também ocorreu com diversos outros anúncios espalhafatosos de volumes de recursos, o que permite afirmar que até o momento o governo federal não mobilizou sequer 50% do volume total anunciado.

4)Letargia na implementação das medidas anunciadas

Ao longo do último mês ficou patente o gap entre o anúncio espalhafatoso de medidas econômicas e a implementação efetiva das mesmas.

Esse procedimento, na prática, contribuiu para agravar ainda mais uma situação social que já era precária, considerando-se que entre 2015 e 2017 o país enfrentou uma grave crise econômica, cujos rastros mais visíveis foram a expansão elevada do desemprego e de desestruturação do mercado de trabalho, aliada à expansão da pobreza em percentuais elevados.

 Diante de um arsenal de casos que mostram com clareza essa letargia, escolhemos como exemplo o Programa de Auxílio Emergencial destinado aos trabalhadores informais e aos microempreendedores individuais aprovado recentemente pelo Congresso Nacional, após uma forte mobilização de suas bancadas de deputados diante do valor irrisório de R$ 200,00 proposto inicialmente pelo governo.

Em função dessa movimentação dos parlamentares, se chegou a um valor consensual de R$ 600,00 a ser pago durante três meses. Todavia, após essa aprovação, o ministro da economia, alegando um problema técnico que não existia, afirmou que o pagamento só poderia ser feito após a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que especificasse a fonte de recursos porque, em suas palavras, “o dinheiro não cai do céu e depende de uma mudança na legislação do país”.

Por isso, inicialmente informou-se que os primeiros pagamentos deveriam ocorrer somente a partir do dia 16.04.20, quando normalmente são pagos os benefícios do Programa Bolsa Família.

Logo se verificou que essa afirmação do ministro não tinha nenhuma sustentação de ordem técnica e legal, uma vez que o governo já tinha sido atendido pelo STF em seu pedido de flexibilização das regras fiscais, ou seja, o STF já tinha autorizado o executivo a criar despesas específicas para conter a epidemia do novo coronavírus sem indicar a origem das receitas, conforme preconizado pela LRF e LDO.

Portanto, bastava apenas o governo editar uma simples MP de crédito para realizar os pagamentos dos benefícios aprovados pelo Congresso Nacional.

Diante de duras críticas destinadas à equipe econômica e ao próprio governo por parte de integrantes do poder legislativo, do poder judiciário e também de representações da sociedade civil, o governo se mobilizou e, com mais de 10 dias de atraso, fez os primeiros pagamentos do referido auxílio. Esse fato nos fez lembrar de uma frase lapidar proferida pelo sociólogo Betinho (fundador do Ibase) em 1993: “Quem tem Fome tem Pressa”.

Tal frase foi proferida naquele período em que se desenvolvia a Campanha Nacional contra a Fome e a Miséria, tendo em vista a forte exclusão social decorrente dos impactos negativos advindos do processo de implantação das políticas econômicas neoliberais pelo Governo Collor no período entre 1990 e 1992.

Naquela oportunidade, Betinho cunhou tal frase exatamente para cobrar agilidade do governo federal em relação às medidas anunciadas para combater tal flagelo social, porém não implementadas.

 5)A crença excessiva no credo econômico neoliberal continua

O fato que mais chama atenção nesse mês marcado por ações da equipe econômica é que as mesmas ainda continuam sendo pautadas pelas ideias dogmáticas neoliberais que rejeitam uma ação mais robusta do Estado, via expansão dos gastos públicos, conduta esta que condiz com a cartilha do “estado mínimo”.

Na verdade, esse comportamento vai exatamente na contramão de tudo o que vem sendo feito na maioria dos países também afetados pelo novo coronavírus. Nesses casos, verifica-se que é exatamente a máquina do Estado que tem se transformado no ente que define e lidera as ações e estratégias, tanto de combate à doença como de proteção aos sistemas econômicos.

De fato, a realidade brasileira atual está chamando esses dogmáticos neoliberais a um banho de realidade, uma vez que a maioria deles ainda continua defendendo essa cartilha neoliberal mesmo durante a eclosão da crise. Muitos ainda procuram se justificar por meio do surrado argumento de que o Estado está quebrado e que não há recursos para qualquer ação mais robusta.

Na verdade, essa retórica neoliberal já vem desde o impeachment de 2016 quando se passou a apostar que a austeridade fiscal e as reformas estruturais iriam estabilizar e expandir as atividades econômicas. Para tanto, lançou-se mão de um conjunto de reformas, sendo que a cada uma que era aprovada, apostava-se que a próxima iria salvar a economia.

Neste diapasão foram aprovadas a Emenda Constitucional 95/2016 (PEC do Teto dos gastos), a reforma trabalhista, a reforma da previdência, todavia o resultado foi um crescimento pífio da economia no ano de 2019. Nessa agenda, ganhou espaço para o ano de 2020 mais duas propostas de reformas: a administrativa e a tributária.

Por mais que nesses últimos quatro anos não se reativou a atividade econômica, ao mesmo tempo em que as desigualdades sociais se expandiram, a narrativa das reformas continua como assunto central na estratégia do ministro da economia para fazer frente aos impactos do novo coronavírus.

Decorrem desse discurso medíocre os limites das ações econômicas atuais e a própria letargia na forma de implementação.

Mas a preocupação do ministro neoliberal não parece ser com esses aspectos, dada a sua preocupação constante em acalmar o mercado financeiro, conforme atestam suas diversas conferências eletrônicas com especuladores desse mercado representados pela XP Investimentos.

No dia 29.03.20, por exemplo, em conferência eletrônica com o pessoal dessa banda declarou textualmente: “vamos desviar transitoriamente um ano, vamos gastar bastante, mas no ano que vem voltamos à nossa mesma estratégia de sempre, com as reformas estruturantes”.

Mais dois exemplos dessa crença irracional para se enfrentar a crise atual. Dias antes dessa conferência do ministro da economia, o secretário de Política Econômica Adolfo Sachsida, em conferência com a empresa de consultoria Necton, afirmou que nenhuma medida da equipe econômica iria além de 2020 e que todas as decisões seriam tomadas com calma, avaliando-se a temperatura de cada semana.

Já o secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida declarou que a pandemia não mudou o “pensamento da casa”, uma vez que a política fiscal expansionista neste ano não é a típica política Keynesiana de expansão do gasto e investimento público. É apenas transferência de renda num período mais crítico da crise e só.

Todos esses aspectos nos indicam que o país não está preparado para enfrentar os grandes desafios que a pandemia do novo coronavírus impôs aos sistemas econômicos, além de carecer de uma liderança na área econômica do governo que seja capaz de enxergar a gravidade do problema e tenha capacidade de adotar as políticas macroeconômicas necessárias para superar o forte processo recessivo que se avizinha.

Temo que a aposta do atual ministro na cartilha neoliberal levará o país a um desastre de proporções bem maiores que aquele experimentado nas décadas de 1980 e 1990.

Professor Lauro Mattei – Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSC. Programa de Pós-Graduação em Administração da UFSC. Coordenador do NECAT-UFSC
Pesquisador do OPPA-CPDA-UFRRJ

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