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A educação não é uma mercadoria para ser vendida

Eblin Farage - Secretária Geral do ANDES

Uma das primeiras medidas adotadas pelo Governo Bolsonaro foi o corte de 30% nas verbas de Universidades e Institutos Federais.

O que isso representou para o funcionamento destas instituições?

O primeiro ponto a salientar é que o corte de 30% foi feito em cima de um orçamento que já vem sendo cortado desde 2015. Então, nós tivemos sucessivos cortes nas Universidades e Institutos Federais em 2015, 2016, 2017 e 2018.

Ou seja, os 30% de cortes em cima de um orçamento que já estava sendo cortado há alguns anos inviabiliza o funcionamento destas instituições.

Nos parece que esse é o grande objetivo do Ministério da Educação: inviabilizar o funcionamento das instituições de ensino para pressioná-las a aderir ao projeto de privatização, que é o que representa o “Future-se”.

Uma privatização ampla e irrestrita da universidade pública, desresponsabilizando, assim, o Estado do ensino superior. É um ataque frontal à existência das universidades públicas.

Qual o impacto da suspensão da abertura de novas bolsas, da redução da quantidade e do valor das já existentes na pesquisa promovida nas universidades.

Como isso afeta os pesquisadores, estudantes e o povo brasileiro?

Os cortes na pesquisa representam outro aspecto do projeto do governo, que é um projeto de subalternização do país.

Em que sentido?

Um país só é autônomo e democrático na medida em que produz conhecimento, ciência e tecnologia com autonomia, respaldo, apoio e financiamento do Estado.

Então a gente só consegue construir um Estado-Nação, no sentido mais amplo da expressão, quando consegue ter um país com educação de qualidade, com pesquisa e desenvolvimento de qualidade, que interesse à maior parte da população.

Quando o governo corta as bolsas de pesquisa e reduz as que já existem, está sinalizando que as pesquisas vão ter que ser subordinadas aos interesses do mercado.

Isso rompe com a perspectiva de autonomia da produção do conhecimento, que é o que defendemos. Nós defendemos uma universidade baseada no tripé ensino-pesquisa-extensão, sendo que o financiamento seja 100% público, para garantir a autonomia da universidade, para garantir autonomia política, financeira, pedagógica e de produção do conhecimento.

E o governo quer inverter isso, passando a responsabilidade da universidade pública para o mercado e, portanto, abrindo mão da autonomia e abrindo mão da produção do conhecimento.

Esse corte de verbas ele vai afetar diretamente o quê?

Ele vai afetar aquelas pesquisas que são realizadas e que tem como objetivo melhorar as condições de vida da população mais pobre. Então isso nos preocupa muito, porque por exemplo, o mercado farmacêutico, uma indústria farmacêutica, ela não vai estar interessada em fazer uma pesquisa pra tentar sanar uma doença de grande capilaridade popular.

Ela vai estar interessada em produzir remédios e não produzir a cura. Por isso que a gente defende que tenhamos autonomia na produção do conhecimento e na produção científica, porque assim a gente pode atender as demandas mais específicas da população como um todo, mantendo os hospitais universitários abertos, as farmácias populares das universidades abertas, o serviço de psicologia aplicada, os projetos de extensão, os projetos de pesquisas que atendem a população.

Então isso tudo é feito na medida que gente consegue investir em pesquisa e extensão dentro da universidade pública.

A resposta dos setores de trabalhadores através de seus sindicatos e dos estudantes com suas entidades estudantis foi muito combativa e massiva, com os atos promovidos em 15 e 30 de maio, em especial. Como foi a participação dos professores e como o Andes analisou este movimento?

Nossa avaliação é de que o setor da educação tem sido o setor que mais tem conseguido mobilizar e dialogar com a população como um todo, no sentido de pautar a educação como um patrimônio da sociedade, como uma conquista da classe trabalhadora e não como um privilégio de uma pequena elite.

Nesse sentido, entendemos que as mobilizações ocorreram porque a população e a própria comunidade acadêmica, estudantes e o ensino básico compreendem a educação nessa perspectiva, como um bem público, um bem social, um patrimônio coletivo conquistado.

A participação e adesão dos professores foi muito grande. Praticamente todas as nossas universidades pararam nos grandes dias de mobilização.

O ministro da Educação e o presidente atacam diretamente a categoria docente, chamando professores de vagabundos e desocupados em diversos momentos. Como a categoria tem encarado essa situação e que medidas o Andes prepara para responder a esses ataques? O que há por traz de tudo isso?

Entendemos que o que o ministro fala representa bem o projeto do conjunto desse governo, que é um projeto de retrocesso, obscurantista, conservador, que, além de retirar direitos da classe, quer destruir o patrimônio público e a estrutura das instituições públicas.

Atacar a educação é atacar o setor que mais pode contribuir para a elevação da consciência crítica da população. O que menos esse governo quer é uma consciência crítica da população.

Então para ele atacar a educação tem dois objetivos centrais: um é colocar a educação como mercadoria para ser vendida no mercado e a serviço do capital e o outro é controlar um setor que tem um potencial político estratégico na mobilização da classe trabalhadora, na mobilização da população e de diálogo da população como um todo.

Então, a gente entende que o que está por trás é a operacionalização da maneira mais tosca do projeto do capital. Uma operacionalização desse projeto com um viés extremamente conservador, que é um viés que a própria extrema-direita acaba introduzindo no projeto do capital.

Para nós, a única alternativa é combater o governo no seu conjunto. Todas as medidas são medidas que retiram direitos dos trabalhadores. Defender a educação como um bem público, um patrimônio da sociedade e, portanto, sem permitir nenhum tipo de regressão na educação pública.

Isso na nossa avaliação tem que ser numa articulação profunda com estudantes, técnico-administrativos e com a população como um todo, porque a defesa da universidade não poder ser apenas dos professores. Precisa ser uma defesa do conjunto da sociedade.

Já aprovada na Câmara dos Deputados, a proposta de Reforma da Previdência ataca direitos históricos dos trabalhadores e fortalece a Previdência privada.

Como o Andes observa essa aprovação e quais os caminhos para impedir a aprovação no senado?

Infelizmente, compreendemos que a Reforma da Previdência foi uma das grandes derrotas para a classe trabalhadora.

Porque é justamente abrir mão de um patrimônio público que havia sido conquistado pela Constituição de 1988, que, ao longo dos diferentes governos, desde Fernando Henrique, passando por Lula, pelo governo da Dilma, sofreu ataques.

A Previdência pública vem sendo desestruturada ao longo dos últimos anos, mas certamente esta reforma do Governo Bolsonaro é a pior de todas. Ela acaba, de fato, com a perspectiva de uma Previdência pública baseada na solidariedade entre gerações e na solidariedade entre os diferentes segmentos da classe trabalhadora.

Então, para nós, ela é considerada uma derrota, uma derrota no sentido de que nós vamos perder um direito e de que nós temos que reagir a essa retirada de direitos para reconquistar a Previdência pública que nós aprovamos na Constituição de 1988, sem, inclusive, as contrarreformas que se sucederam nos diferentes governos.

Nós entendemos que é necessária uma mobilização massiva, inclusive, articulando a defesa da educação pública com a defesa da Previdência pública e também uma pressão sobre o Senado para que não aprove a Reforma.

Eblin Farage é secretária-geral do Andes, o sindicato nacional dos professores das universidades públicas. Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com pós-graduação na mesma área, Eblin é professora da UFF, onde ministra aulas da área de Fundamentos do Trabalho Profissional, além de pesquisadora na área de questão urbana, com ênfase na temática de favelas e espaços populares. Eblin Farage critica os cortes de verbas do MEC para as universidades federais e afirma que um país só é democrático na medida em que produz conhecimento, ciência e tecnologia com autonomia.

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