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Base Nacional Curricular não apaga as desigualdades na educação

Os conselheiros Joaquim José Soares Neto e Francisco Soares, relatores da BNCC no CNE, e o presidente do CNE, Eduardo Deschamps (Foto: Divulgação/MEC/Mariana Leal)

Com a aprovação no Conselho Nacional de Educação (CNE), na manhã de sexta-feira (15), a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) chega agora à última etapa antes de passar a valer: a homologação pelo Ministério da Educação. O presidente do CNE, Eduardo Deschamps, afirmou que o documento aprovado passará por uma revisão final e deve ser encaminhado ao MEC na próxima semana.

Destaques

  • Ensino religioso ganha diretrizes sobre o que deve ser ensinado do 1º ao 9º ano
  • Alfabetização foi antecipada e deve ser concluída até o segundo ano
  • Orientações sobre identidade de gênero devem ser discutidas por comissão especial do CNE
  • Aprovação por 20 votos a 3 teve polêmicas por regime de urgência e críticas por falta de transparência
  • Homologação será na quarta (20) e escolas devem adotar até início da 2020
  • Base não apaga as desigualdades, dizem especialistas

Para especialistas, a Base representa um avanço para a melhoria da qualidade do ensino no Brasil, mas tirá-la do papel vai exigir grandes esforços, principalmente para as escolas e redes que já enfrentam mais dificuldades.

“A escola brasileira é um reflexo da sociedade brasileira. Ela é marcada por profundas desigualdades”, afirmou Alessio Costa Lima, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

“A gente tem que ter clareza de que a Base por si só não vem resolver todos os problemas da educação, ela é apenas um elemento que regulamenta o que tem que ser aprendido.” – Alessio Costa

Para Denis Mizne, diretor executivo da Fundação Lemann, que integra o Movimento pela Base, afirma que o Brasil está inaugurando uma nova fase para a educação brasileira, onde o sistema educacional, pela primeira vez, vai estar pautado por aquilo que é esperado que o aluno aprenda.

“Agora você tem um sistema que vai ser coerente, onde a gente não começa pela avaliação, onde o livro apoia o professor para ensinar o que o aluno tem que aprender”, disse ele. Mizne afirma, porém, que a Base não é mágica. “Essa leitura de que a Base tenha uma aplicação automática nas escolas, sem uma discussão do que vai acontecer nas redes, está errada”, diz ele.”Não é mágica. Não é porque foi criada a Base que as desigualdades vão acabar. Mas alguns indícios vão ajudar. Hoje já tem um percentual muito grande de estados que já montaram os seus comitês para a implementação da Base.” – Denis Mizne (Fundação Lemann).

Alguns estados já avançaram maisMizne afirmou que, na sexta, pelo menos em São Paulo, Goiás e Mato Grosso haviam reuniões agendadas entre os gestores de educação para discutir a implementação do documento nas escolas públicas estaduais e municipais. O prazo para a implementação é até 2020.

De acordo com dados do Movimento pela Base, cerca de 15 estados já criaram ou estão em processo de criação das comissões, que trabalharam no regime de colaboração, ou seja, com as redes estaduais atuando em conjunto com as municipais para a revisão ou criação dos currículos em adequação com a nova norma.

“O município poderá fazer em regime de colaboração com outros municípios vizinhos com realidades sociais e econômicas semelhantes”, explicou Alessio, da Undime.

“Temos 5.568 municípios brasileiros, 27 estados. Não precisamos ter esse mesmo número de currículos. Podemos ter currículos sendo elaborados de forma colaborativa entre um, dois, três municípios, ou mesmo um conjunto de municípios, e uma colaboração de municípios e redes estaduais.” – Alessio Costa Lima (Undime).

Ele explica que enquanto algumas redes têm quadro altamente graduado de professores, há escolas que sequer conseguiram ter todos os seus professores habilitados nas áreas que lecionam.

Em entrevista, Rossieli Soares da Silva, secretário de Educação Básica do MEC, afirmou que um dos princípios da Base é o regime de colaboração. “O currículo não é nosso, é das escolas. O MEC apoiará as redes para fazer essa construção, o apoio técnico especialmente é fundamental para os municípios brasileiros.”

Críticas ao processo de elaboração

Apesar de aprovada por 20 votos a favor e apenas três contrários, a versão da BNCC discutida na fase final do processo de aprovação no CNE foi criticada por diversos segmentos da sociedade. As conselheiras Aurina Oliveira Santa, Márcia Ângela Aguiar e Malvina Tuttman, que na semana passada pediram vista na votação por considerarem que não houve tempo de analisar o documento, votaram contra a sua aprovação.

Entre os pontos que levantaram mais questionamentos estão a antecipação do processo de alfabetização, que apareceu apenas em abril, quase dois anos após o início de elaboração do documento, e o retorno do ensino religioso ao texto, que já havia sido retirado, mas foi reincluído pelo MEC de última hora e acabou ganhando status de “área do conhecimento”, ao lado de linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza.

Por causa das mudanças depois do processo de escuta pública e seminários com professores e especialistas nos 26 estados e no Distrito Federal, Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), afirmou que um dos desafios que pode fazer com a Base não saia do papel é a resistência dos professores em aplicá-la na sala de aula.

“A Base de Temer tende a não ser implementada”, disse. Cara considera o documento final “ilegítimo”, e diz que a Base é “falsamente participativa, obscurantista e submissa à lógica das avaliações de larga escala”. Por isso, ela pode não ter adesão dos professores.

“É uma base que nasce de um processo de participação inflado e fantasioso, que se submeteu ao obscurantismo religioso e que terá a resistência dos professores e dos formadores de professores. No começo vai parecer que será implementada. Depois, ficará reduzida ao PNLD [Plano Nacional do Livro Didático] e às avaliações de larga escala.” – Daniel Cara (CNDE).

Em nota divulgada nesta sexta-feira, o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) avalia que “o texto aprovado traz muitos avanços em relação às versões anteriores, contudo há pontos preocupantes, como a indicação da oferta do ensino religioso e a supressão das questões de gênero e de orientação sexual”.

Mônica Gardelli Franco, superintendente do Cenpec, afirmou, na nota, que a Base precisa garantir que todos os estudantes, independente de renda, raça ou orientação sexual, tenham acesso ao mesmo “conjunto de conhecimentos e de práticas culturais” necessárias para o pleno desenvolvimento e o exercício da cidadania, garantidos pela Constituição.

“O reconhecimento das diferentes formas de gênero e sexualidade existentes é fundamental para uma educação cidadã, pois essa realidade está presente no cotidiano dos professores, que necessitam de orientações precisas que os apoiem para conduzir de maneira não discriminatória o seu trabalho sobre essas questões.” – Mônica Gardelli Franco (Cenpec).

 Ana Carolina Moreno

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