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Existirá um amanhã para nós?

A morte ronda a vida

Com seus quase 40 mil habitantes, Jacarezinho pode ser considerado um quilombo urbano. Assim como outras com etnografia similar, vive um abandono do Estado para proteção social.

À população de Jacarezinho há uma privação ao exercício dos direitos humanos à saúde, educação, trabalho, saneamento básico, segurança dentre outros direitos tão fundamentais para existência humana.

Diante dessa ausência, surgem na favela ações comunitárias geradas pelos próprios habitantes com a finalidade de suprir a inação do Estado e tentar garantir a sobrevivência daqueles que residem na comunidade.

Dentre tantas inciativas criadas para uma disputa de futuro, destaco o NICA (Núcleo Independente e Comunitário de Aprendizagem), que há três anos atua para possibilitar o sonho de um novo futuro à juventude de Jacarezinho.

Neste tempo de atuação, o NICA conseguiu garantir que 15 jovens ingressassem em universidades.

Parece pouco, mas eram 15 pessoas que já tinham seus destinos traçados e limitados, e que através de uma ação comunitária tiveram a oportunidade de transformar suas realidades e contrariar as estatísticas.

Enquanto foram necessários três anos para construir 15 novos futuros pela ação comunitária do Jacarezinho, levou pouco mais de três horas para o Estado através de suas mãos sanguinárias eliminar o futuro de mais de 25 vidas que viviam na comunidade.

Um desiquilíbrio de forças tão latente que é capaz de minar qualquer vestígio de esperança.

O dia 06 de maio de 2021 foi marcado pela chacina realizada na favela do Jacarezinho, a ação policial mais sangrenta da história do Rio de Janeiro.

Até agora. O mais doloroso é saber que infelizmente essa não será a última e que amanhã se valerão de mais uma justificativa sem fundamento para executar uma pena de morte paralela e ilegal contra corpos negros e favelados.

Em um exercício constante de retirar a humanidade e cidadania de pessoas negras, polícia e grande parte da mídia trataram os mortos apenas como “suspeitos”, sem quaisquer informações adicionais sobre as vítimas.

Essas vidas que foram tiradas de forma tão violenta não são individualizadas. Quando uma pessoa morre, todo seu entorno morre com ela.

Não estão matando apenas um indivíduo, estão matando famílias inteiras. De todas as cenas atrozes divulgadas em relação à chacina de Jacarezinho, duas chamam mais atenção: um berço tomado de sangue e um quarto rosa de uma menina tão pequena, mas que assistiu à polícia assassinando ali seu ente querido. Esses futuros nunca mais serão os mesmos.

Operações policiais deveriam ser realizadas com o único propósito de proteção comunitária. Se essa ação policial é mais letal para comunidade do que aquilo a que se pretende proteger, se não segue nenhum parâmetro nacional ou internacional de uso da força, se é capaz de matar crianças e matar pais e familiares na frente dessas crianças, podemos entender essa operação policial como uma ação deliberadamente cruel com a única e exclusiva finalidade de exterminar parte de um povo.

Até quando chacinas serão tratadas como meras operações policiais?

Ao que parece o propósito principal das instituições de segurança pública brasileira é eliminar vidas que a elite considera indignas de serem vividas, com a conivência do Judiciário e Ministério Público que legitimam uma violência sem fim.

Há de ressaltar que o Estado brasileiro nunca cumpriu a condenação internacional pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Favela Nova Brasília – também no Rio de Janeiro – e que a chacina realizada pela polícia em Jacarezinho foi feita mesmo com uma decisão do Supremo Tribunal Federal que proibiu esse tipo de ação policial no caso da ADPF das Favelas.

O genocídio negro se opera e se desenvolve no Brasil em muitas frentes. Não há como não considerar que essa ação policial aconteceu no auge da pandemia do coronavírus no país – pandemia que mata hoje uma pessoa por minuto no país e tem sido mais letal para a população negra.

Não há também como esquecer que o Brasil voltou para o mapa da fome, hoje mais 1/3 do país está em situação de segurança alimentar, a maioria dessas pessoas são negras.

Não bastasse tudo isso, ainda vivemos uma situação de constante insegurança física, sendo negros a maioria das vítimas de homicídio – seja praticado pelos civis, seja praticado pelo Estado.

Hoje vivemos em país no qual o amanhã não existe para negras e negros.  No qual se sobrepõe a dúvida se vamos ter comida, se vamos ter um leito de hospital no possível contágio com a COVID-19, e, acima de tudo, se nossos pais, irmãos, filhos sobreviverão às ações policiais e chegarão com segurança em casa.

Assim como nos crimes de maio de São Paulo, o presente de dia das mães desse Estado praticante de um genocídio às mães negras foram privá-las do afeto de seus filhos, transformando em realidade o pesadelo que todas elas tem diariamente.

Mais do que meramente sobreviver, haverá um amanhã com um futuro digno e sem medo?

Haverá um dia que seremos realmente sujeitos de direitos?

Dia 13 de maio a Coalizão Negra por Direitos estará em marchas por todo o país, para fazer uma atividade essencial: denunciar o genocídio do nosso povo e gritar que vidas negras importam, para além do papel, vidas negras importam e merecem ser um dia plenamente vividas.

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