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Ministro da Educação é demitido após gestão marcada por polêmicas

Presidente Jair Bolsonaro cumprimenta Ricardo Vélez Rodríguez — Foto: Marcos Corrêa/PR

 A demissão do ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez na semana em que o governo Jair Bolsonaro completa seus 100 dias marca uma gestão que, entre crises, controvérsias e recuos, gerou insegurança nos servidores, nos gestores estaduais e municipais e nos especialistas sobre os riscos para a execução de metas e ações prioritárias.

Nascido em Bogotá (Colômbia) e naturalizado brasileiro em 1997, o agora ex-ministro é autor de mais de 30 obras e professor emérito da Escola de Comando do Estado Maior do Exército.

Vélez Rodríguez é mestre em pensamento brasileiro pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ); doutor em pensamento luso-brasileiro pela Universidade Gama Filho; e pós-doutor pelo Centro de Pesquisas Políticas Raymond Aron.

Disputa interna

Dono de um dos maiores orçamentos do governo federal, o Ministério da Educação (MEC) se arrasta desde a metade de janeiro em uma disputa interna que opõe dois grupos com visões distintas de como a pasta deve operar. Houve ao menos 14 demissões no alto escalão, inclusive para o cargo de secretário-executivo (o “número 2” da gestão), além da publicação de documentos oficiais com incongruências, que depois foram anulados, além de frases polêmicas de Vélez, que levaram a críticas.

Para o lugar do Vélez, Bolsonaro indicou o economista Abraham Weintraub

Na sexta (5), o presidente Jair Bolsonaro disse que estava “bastante claro que não está dando certo” o trabalho de Vélez no Ministério da Educação. Segundo Bolsonaro, “está faltando gestão” na pasta.

A declaração do presidente ocorreu dois dias após o então ministro dizer que pretendia revisar livros didáticos sobre o golpe de 1964 e a ditadura militar. Depois, Vélez disse que as mudanças não seriam uma doutrinação. “Mudanças poderiam ser realizadas progressivamente, trazendo uma versão mais ampla da História, e só após passar por uma banca de cientistas da área. Doutrinação como foi feito pela esquerda, jamais”.

Confira abaixo os principais pontos polêmicos da gestão Vélez:

Livros didáticos: Em janeiro, o edital para compra de livros escolares foi publicado sem que houvesse trechos importantes que norteariam a aquisição das obras. Entre eles, foram excluídos itens que evitariam a compra de obras com erros e propagandas. O edital também não trazia mais a exigência de que as obras retratassem a diversidade étnica e o compromisso com ações de combate à violência contra a mulher. No dia seguinte, o edital foi anulado.

Presidência do Inep vaga: Ainda em janeiro, a presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) Maria Inês Fini, no cargo há 3 anos, foi exonerada. O ex-professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcus Vinicius Rodrigues foi nomeado para o cargo. Dois meses depois, também foi demitido. Ele saiu da pasta dizendo que não há comunicação dentro do MEC. Até a noite de sexta-feira (5), ninguém havia sido nomeado para o cargo.

Alfabetização: Após a extinção da Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), a expectativa era que as crianças fossem avaliadas no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). No entanto, a portaria do Saeb foi publicada sem essa previsão. Um dia depois, foi anulada.

Trocas no cargo ‘número 2’ do MEC: Quatro nomes foram anunciados para o cargo de secretário-executivo do MEC em três meses de gestão.

Frases polêmicas: Vélez disse que o brasileiro seria “canibal” ao viajar: “Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola”, declarou. O Congresso pediu que ele fosse se explicar. Em documento ao Supremo Tribunal Federal (STF), o Vélez disse que foi “infeliz” ao fazer a declaração. Em outra ocasião, Vélez afirmou que a universidade não seria para todos.

Educação moral e cívica e retomada do Projeto Rondon: Vélez publicou um vídeo anunciando que a “educação moral e cívica” voltaria às escolas e que retomaria o Projeto Rondon, mas não disse como.
Slogan de campanha e filmagem ilegal de crianças: Vélez enviou uma carta a todas as escolas do país pedindo para que fosse lido o slogan de campanha de Bolsonaro e que as crianças fossem filmadas cantando o Hino Nacional. A leitura do slogan pode ferir a Constituição, e a gravação de crianças sem autorização dos responsáveis vai contra o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Enem: o Inep, vinculado ao MEC, criou uma comissão para fiscalizar o conteúdo do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O grupo deveria fazer uma “leitura transversal” das questões que compõem o Banco Nacional de Itens para “verificar a sua pertinência com a realidade social”. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF) pediu esclarecimentos.

Golpe militar e ditadura nos livros didáticos: Vélez disse que pretende fazer uma revisão nos livros didáticos que contam a história do golpe de 1964 e da ditadura militar no Brasil. Educadores e historiadores afirmaram que a revisão seria um retrocesso.

A crise na gestão de Vélez foi marcada por uma disputa interna entre dois grupos. O primeiro é formado por militares e por ao menos um coronel que tinha afinidade com o então ministro. Esses integrantes defendem um plano de governo mais pragmático: projetos como educação a distância, criação de colégios militares em capitais e modernização da gestão.

O segundo grupo é constituído por seguidores do escritor de direita Olavo de Carvalho e por ex-alunos de Vélez. A chegada dessa equipe ao governo do presidente Jair Bolsonaro causou atritos com quem que já participava das discussões sobre educação desde a campanha eleitoral. O principal ponto para esse grupo “ideológico” é expulsar do MEC qualquer resquício de “marxismo cultural” ou de “pensamentos esquerdistas”.

Na sexta (5), o presidente Jair Bolsonaro negou que houvesse disputas internas no governo. “Não existe [disputa de] olavetes contra militares”, afirmou o presidente, referindo-se à disputa entre as alas “ideológica” e “pragmática” do governo.

G1

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