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Professora voluntária que terminou o supletivo aos 44 anos

Maria Terezinha Braga, de 66 anos, tem formação em magistério e pedagogia, e é professora voluntária de alfabetização de adultos (Foto: Celso Tavares/G1)

Quatro dias por semana, durante duas horas e meia, uma sala de reuniões nos fundos da sede da entidade social Seicho-No-Ie, no Jabaquara, na Zona Sul de São Paulo, se transforma na sala de aula de um pequeno e dedicado grupo de alunos. Quase todos são mais velhos que Maria Terezinha Braga, de 66 anos. Com os cabelos grisalhos lisos e curtos, pingente dourado no pescoço, relógio prateado no pulso, paciência na voz e uma missão na vida, ela os ensina a ler, escrever e acreditar em si mesmos.

Professora voluntária do curso de alfabetização da entidade desde 2008, Terezinha não recebe remuneração financeira pelas dez horas por semana que dedica aos alunos, mas afirma que vê o voluntariado, principalmente na área da educação, como uma forma de gratidão ao mundo:

“Eu tenho uma missão. Nunca tive problemas com meus filhos na escola. Dois são empresários, um é engenheiro, a outra estudou marketing. Não tenho problemas e filhos inteligentíssimos. Isso é uma forma de gratidão, de manifestar o meu amor aos filhos de outras pessoas que não tiveram isso.” – Maria Terezinha Braga

Abandono da escola

A importância do diploma, porém, não veio da mãe dela. Nascida em Assis, no interior de São Paulo, Terezinha abandonou a escola com 13 anos, quando se mudou com os pais para a Capital e encontrou trabalho como cabelereira. Aos 22, ela se casou e seguiu na profissão, primeiro como funcionária, depois com seu próprio salão de beleza. Só retornou à sala de aula aos 42, quando já estava separada e seu primeiro filho já estava na faculdade.

A vontade de estudar veio de sua atuação na Seicho-No-Ie, uma filosofia criada no Japão em 1930 e da qual a paulista é adepta há 35 anos.

Como atuava como palestrante, representando a entidade pelo Brasil, ela sentiu a necessidade de conseguir uma formação. “Eu tinha complexo, pensava: ‘meu Deus, eu nunca estudei’. Eu precisava crescer, porque a gente faz palestra pra todo tipo de pessoa.”

Depois que entrou no supletivo, em 1992, ela seguiu estudando pelos 15 anos seguintes. Depois de dois anos de supletivo, começou o magistério aos 44 anos, em uma das últimas turmas. “Me formei em 1999 no magistério, e em 2000 já comecei a dar aula, até 2005. Mas antes de eu terminar eu comecei a faculdade de pedagogia”, lembra Terezinha. O diploma na graduação veio em 2007.

Durante os anos em que seguiu a carreira remunerada de professora, ela dava aulas para crianças da 1ª à 4ª série em uma escola estadual em Guarulhos, na Grande São Paulo, onde vive. Na época, ela já se voluntariava para atividades extracurriculares como a Escola da Família, quando as escolas abrem aos fins de semana para os pais e alunos frequentarem. “Fazia muita oficina, nas secretarias de educação, diretorias de ensino, escolas”, lembra ela. Entre os temas das oficinas estavam a metodologia de ensino baseada na iluminação, seguida pela filosofia da entidade, e também o trabalho de reciclagem que ela faz com os alunos.

 “O material que uso é todo reciclado. São as folhas que sobram, os cartazes de eventos, garrafas, tudo o que você imagina. As pessoas já sabem do meu trabalho, vêm aqui e me doam. Revistas, papeis, tudo o que dá pra aproveitar”, diz ela, lembrando que a próxima semana cultural, quando os alunos expõem o trabalho artístico feito a partir da reutilização de materiais, acontece entre os dias 23 e 28 de outubro.

Alfabetização para adultos

A ideia de abrir um curso para alfabetizar adultos na Seicho-No-Ie partiu da própria professora, quando ela trocou a carreira na rede estadual de ensino por um trabalho de orientação pessoal na entidade. Durante o horário comercial, Terezinha trabalha como todos os demais funcionários contratados. Entre as 17h e as 19h30, de segunda a quinta, ela assume o cargo de professora.

A pedagoga explicou que não mantém as contas de quantos adultos já alfabetizou em quase dez anos, e afirma que o mais importante, para ela, é inspirar autoconfiança nos alunos, para que eles possam cumprir seu potencial, mesmo que décadas depois do que a sociedade espera deles.

Por isso, qualquer pessoa, com qualquer nível de ensino, pode se inscrever para as aulas gratuitas oferecidas por ela – a Seicho-No-Ie chegou a se cadastrar no Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos, o Mova, com convênio junto à Prefeitura, mas decidiu seguir sem a ajuda de custo do convênio para atuar de forma mais autônoma, segundo Terezinha. Atualmente, suas aulas têm dez e 12 pessoas frequentadores diários, mas já chegou a ter 28 alunos simultâneos.

A maior parte de seus alunos são japoneses que vieram ao Brasil já alfabetizados em sua língua nativa, e nunca aprenderam o alfabeto latino, nem a ler e escrever em português. Outros são brasileiros que não tiveram a oportunidade de estudar na infância e na adolescência. Terezinha cita um caso de um homem que precisou ser alfabetizado desde o início, e hoje já conseguiu até tirar carta para dirigir moto. Há ainda estudantes que, mesmo depois de já alfabetizados, pedem para seguir estudando com ela, em vez de entrar em um curso do ensino fundamental no EJA, o ensino de jovens e adultos. “Eu deixo”, ri ela.

Para lidar com a diversidade na sala de aula, ela também diversifica a metodologia. “Com cada pessoa eu ensino de uma forma. Não dá para seguir um padrão, porque cada um tem um grau de dificuldade”, explica.

 “E eles têm muito medo, muita vergonha, então tenho que trabalhar a autoestima com eles, fazer se soltarem, colocá-los para pensar. Como não tiveram aula no tempo certo, eles não têm coordenação motora, e vou trabalhando tudo isso com eles. De uma forma diferenciada, porque eles são adultos, você não pode deixar eles se sentirem inferiores. Você tem que valorizar, esse é o objetivo da nossa pedagogia.”

A professora admite que o trabalho não é fácil e exige paciência. “É difícil lidar com seres humanos já idosos, traumatizados, não é fácil”, diz.

 Ana Carolina Moreno

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