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O FIM DO GOVERNO TEMER E A IMPLOSÃO DO GOLPISMO

O trio de ouro da Globo

As duas últimas semanas marcaram o fim do governo Temer e a implosão do bloco que patrocinou o golpe parlamentar.

O governo Temer continua existindo formalmente. Mas deixou de existir enquanto efetividade, enquanto capacidade de tirar o país da crise.

Já se disse que nada tem a oferecer a não ser o agravamento da recessão, o aumento do desemprego, o ataque às políticas sociais e aos direitos e a violência contra o espírito e a letra da Constituição de 1988.

 O governo acabou porque as parcas esperanças que uma parte minoritária da sociedade nutria em relação a ele se desfez na percepção de que o núcleo central do Planalto é uma quadrilha e porque as ilusões da retomada do crescimento se afogaram na falta de legitimidade do comando político e econômico do Brasil.

A figura insípida de Temer se move como um fantasma quase imperceptível na Brasília das permissividades.

A equipe econômica, cantada em prosa e verso pelos áulicos da agressão à democracia, caminha para a inanição em face da falta de oxigênio, que lhe foi tirado por Temer e sua equipe de caráterduvidoso e pelo oportunismo inominável do PSDB.

Se essa equipe tem alguma dignidade – pois é de se duvidar de que servidores de golpistas tenham dignidade – deveria entregar os cargos e ir para casa. Não há como servir o Brasil num governo que foi constituído para se servir a si mesmo.

O governo acabou porque, se a agressão aos trabalhadores era coisa sabida de antemão, agora os setores médios percebem que continuarão perdendo e que a indústria terá menos do que teve com Dilma.

Tudo somado, comércio e serviços também começam a perceber os rombos da canoa em que embarcaram. Empresas endividadas, sem crédito, além de demitirem, caminham para o desespero do fechamento.

Mas o motivo principal do fim efetivo do governo Temer é porque ele é fruto de uma grande farsa.

E aqui vale lembrar as duas primeiras frases de O 18 Brumário de Luiz Bonaparte: “Hegel observou algures que todos os grandes fatos e personagens da história universal aparecem como que duas vezes. Mas esqueceu-se de acrescentar: uma vez como tragédia e outra como farsa”. O impeachment de Collor teve uma dimensão trágica por se tratar do primeiro presidente eleito depois de quase 30 anos sem eleições presidenciais. Aquele movimento uniu a sociedade e o governo que resultou, discorde-se ou não dele, teve propósitos honestos em Itamar Franco. Ele afastou ministros mediante meras denúncias. Constituiu uma equipe econômica competente, que tinha algo a oferecer ao país e que solucionou um dos mais graves problemas que corroia a renda dos brasileiros: a inflação.

O governo Temer emergiu como fruto de uma dupla farsa: a farsa da manipulação da opinião pública em nome do combate à corrupção e a farsa do próprio impeachment, que não passou de um golpe.

O golpe, patrocinado por toda espécie de conspiratas e traições, entregou o poder a um governo desonesto, corrupto, a um presidente que agiu para proteger o crime de um ministro em seu próprio gabinete, que mantém em seu ministério vários ministros denunciados e que ele mesmo é depositário de uma série de denúncias e suspeitas.

A sua equipe econômica nada tem a remediar, nada tem a oferecer, a não ser a exigência de sacrifícios aos mais pobres. Compare-se as  duas situações e a farsa ficará evidente.

Desnudada a inviabilidade do governo Temer, o bloco golpista implodiu. O PSDB, dividido, e sabendo que não pode morrer abraçado a Temer, prepara o desembarque, que não é consensual.

Alguns querem salvar o que não pode ser salvo.

Outros querem o desembarque, mas aqui também não há consenso: a) deixar que Temer e o PMDB se afundem sozinhos;

b) afastar Temer e assumir o poder;

c) afastar Temer e aprovar uma emenda para eleições diretas já. Fernando Henrique Cardoso tratou de transformar “A Ponte para o Futuro” do PMDB em uma frágil pinguela, prestes a se despedaçar nas águas turbulentas da crise.

Mas as fissuras do bloco golpistas se apresentam em outras partes: a grande mídia perdeu as mesuras com o governo;

na Congresso, a inquietação se alastra, pois a anistia ao caixa 2 e a  crimes conexos foi pactuada como moeda de troca no impeachment, mas está inviabilizada pela reação da opinião pública;

os protestantes verde-amarelos voltaram  contra o Congresso, Renan e Rodrigo Maia e ameaçam assumir o “Fora Temer”;

Gilmar Mendes e Dias Toffoli se aliaram a Renan e congressistas para minar a Lava Jato e enfrentar juízes e procuradores.

O maremoto da Odebrecht se aproxima de Brasília e as perguntas de Eduardo Cunha atormentam o sono de Temer e da cúpula do PMDB.

O que se vê é o agravamento da crise política e institucional, que já existia à época de Dilma.

O Executivo deixou de funcionar desde o início de 2015.

Incapacidades e conspirações foram a regra do jogo.

Juízes e procuradores formaram o Partido da Moralidade e se apresentam como salvadores da pátria.

O Congresso se move ao sabor dos interesses da degradação da política.

O STF se tornou parte da crise ao não defender a Constituição.

Essa crise é prolongada e, talvez, só uma nova Constituinte, com a mobilização das ruas, poderá remediá-la.

As esquerdas sem rumo

Com exceção do MTST e de um ou outro agrupamento, as esquerdas continuam a deriva. O PT, dividido, não consegue propor nenhuma estratégia.

Parte da bancada do partido passou a ser dirigida por Renan Calheiros. Não foram poucos os que se condoeram com as prisões de Cunha e de Sérgio Cabral. Há até aqueles que elogiam Gilmar Mendes.

As esquerdas não conseguem perceber a natureza dos tempos e o rumo dos acontecimentos.

Suas proposições não conseguem atrair ninguém para além da militância.

Correm o risco de ver a direita tomar-lhe a bandeira do “Fora Temer” e do PSDB propor as “Diretas Já”.

O fato é que as esquerdas, desde o início de 2015, não conseguem propor uma saída para a crise.

Tinham a chance de retomar a bandeira ética sob o governo Temer, mas estão permitindo que a direita a desfraldem novamente nas ruas.

Enquanto as esquerdas político-partidárias permanecem inertes, na base da sociedade ocorrem vários movimentos e mobilizações na defesa de direitos e contra a PEC do teto.

Mas, no geral, permanecem fragmentados nos seus particularismos, pois ninguém consegue propor uma agenda geral.

Com mais de 12% de desemprego, as centrais sindicais e os sindicatos, paralisados em sua perplexidade, não conseguem propor um movimento contra o desemprego.

As elites, confusas, buscam reposicionar-se em face da crise.

Nunca tiveram um projeto para o país e apoiaram qualquer governo que as servisse.

Estão percebendo que o governo Temer não consegue servi-las a contento. Tendem a ver no PSDB e em Alckmin uma tábua de salvação.

As classes médias, indignadas, porque em parte perdedoras e em parte enganadas, retomam as mobilizações. As periferias, desconfiadas e abandonadas, observam o cenário político à distância enquanto continuam com suas lutas. As esquerdas estão feridas e  o sangue que delas jorra alimenta a direita.

A incapacidade e a desmoralização das esquerdas vão empurrando a sociedade para a direita. O agrupamento estamental-burocrático do Estado – Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal – procuram conferir um rumo à crise ao seu modo, combinando medidas legais com medidas de exceção.

Em face de tudo isso e das incertezas da crise, faltam líderes. Se as elites se  socorrem no PSDB, as classes médias buscam uma nova liderança, um outsider, um empresário, um juiz e, no limite, um Bolsonaro.

O estamento burocrático ainda não tem um líder propriamente político como alternativa. Nas esquerdas sobram indefinições, perplexidades e paralisia.

O fato é que a sociedade não suportará por muito mais tempo a degradação do país e o clima de conflagração social que vai se instalando.

Ela buscará alternativas.

Penderá para quem tiver força organizada e mobilização.

Fará surgir um líder, mesmo que seja efêmero, pois essa crise não é efêmera.

Aldo Fornazieri

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