“Trabalhador de limpeza urbana, negro e pobre”, o vereador reeleito de Salvador Luís Carlos Suíca (PT) diz em entrevista ao Bahia 247 que “os obstáculos serviram para fortalecer ainda mais a vontade de crescer, mudar a realidade em que vivia e chegar a uma cadeira na Câmara de Vereadores de Salvador”.
Embora a bancada de oposição tenha diminuído na Câmara, o vereador afirma que o prefeito ACM Neto (DEM) “não terá vida fácil” no parlamento, e afasta “boatos” de que ele estaria deixando o PT para se aproximar do democrata.
Nesta entrevista, Suíca fala também sobre prisão de sindicalistas, a PEC 241, a ocupação de escolas pelo país, o impedimento contra a presidente Dilma e projetos para a nova legislatura.
Outros assuntos são as eleições de 2018 e a “eminente prisão” do ex-presidente Lula. Confira abaixo a íntegra da entrevista.
O mandato de Suíca é de esquerda ou de direita? Lhe acusam de tender para a base do governo de ACM Neto, isso é verdade? Qual é a conjuntura que lhe faz defender suas bandeiras?
O que é esquerda e o que é direita nessa conjuntura do país? Defender os movimentos sociais, não se afastar das bases, defender a população LGBT, respeitar a diversidade e lutar por melhores dias para os trabalhadores, se for isso eu continuo sendo esquerdista. Se sou um parlamentar do PT, e não me furto a dialogar com nenhum cargo do Executivo, mesmo não fazendo parte da base para resolver problemas dos trabalhadores, isso é considerado de direita?
Sou um político de esquerda e defendo as bandeiras das minorias. Direitos humanos, inclusão social, combate ao racismo e à intolerância religiosa, valorização dos movimentos sociais, sindicais e populares.
Tem servidores LGBTs que me ajudam muito no dia a dia, e tenho uma ligação direta com a periferia. Sou petista e não me venham falar que não fui oposição, divido meu tempo como vereador para cuidar da cidade e das pessoas e fiz todos os debates envolvendo meio ambiente, cultura, acesso à tecnologia, infraestrutura, mobilidade e plano diretor.
Também atuamos em frentes importantes como a dos terceirizados, defendendo os trabalhadores de limpeza urbana, do qual sou oriundo.
Então, sim, sou de esquerda e pretendo seguir assim, mas não sou subserviente e nem tenho a intenção de ser nomeado com qualquer rótulo político, eu sou do povo e tenho a cara do povo, por isso esses questionamentos todos.
Quais os pontos considerados entraves na política brasileira e o que pode resolver a crise que jogou os políticos todos na vala comum?
Primeiro é preciso debater com a população uma reforma política que expurgue os corruptos e que as leis sejam cumpridas para todos e não apenas para gerar crise e dividir o país, como fizeram agora no Brasil.
Não pode ter espaço para corruptos. Acredito que um ponto importante é limitar o número de mandatos parlamentares por pessoa.
Sinto muito, mas não tem como o sujeito fazer carreira e ficar oito, nove e dez mandatos no mesmo cargo sem evoluir, só ali sugando do povo valores para manter uma base, um curral eleitoral.
O sistema político precisa ser revisto. Também não adiante um prefeito ser eleito e só assumir daqui a três meses. Tem de assumir de imediato, na semana seguinte, ou até mesmo que o prefeito seja afastado para competir de igual para igual com o opositor.
Isso sim é democracia, e não a pessoa ficar afundando a prefeitura em dívidas para tentar ganhar uma eleição de qualquer jeito.
Sem falar nessa questão do tempo e do financiamento de campanha e do modo de eleição, com o sistema proporcional. Acredito e defendo que seria mais justo o voto em lista e que os mais votados dos partidos sejam eleitos.
Pelo seu tom, o senhor está descontente com o PT, o que pode dizer sobre esses escândalos envolvendo o seu partido e até onde isso afetou sua campanha?
Para mim se roubou tem que ir para a cadeia. Os novos ricos deste pais achavam que iam ficar no governo pelo resto da vida, e isso foi um erro.
Um erro grave do partido em deixar uma minoria ditar o que seria tratado ou não na pauta do governo.
Não debatemos assuntos que poderiam ser estruturais para a sociedade, como melhorar a educação de base e superior, não fizemos andar o ‘Mensalão Tucano’, o escândalo do Banestado, não conseguimos ampliar o debate sobre a democratização dos meios de comunicação, internet gratuita, transparência, e não conseguimos taxar os ricos deste país.
Então, tudo que o PT passou foi culpa dos seus dirigentes e das vaidades individuais de diferentes correntes, e dos pactos unilaterais.
Não existe espaço para corruptos, o partido tem de expulsar todos que estão envolvidos, quando condenados. Porque também tem isso, não tem como se basear em convicções, mas sim em provas.
E afetou sim a campanha, mas trabalhamos o partido, o legado da luta dos trabalhadores por um país melhor, que foi comandado por Lula, e isso as pessoas não podem esquecer.
O governador Rui Costa já lhe atendeu?
Como é a relação dos vereadores de Salvador com o governo?
E quanto aos terceirizados, qual é a posição do Sindilimp?
Teve até prisão, o que aconteceu de fato?
Não me importa que ele me atenda, mas deveria atender a bancada de vereadores que o fez chegar até aonde ele está hoje.
Assim poderíamos discutir políticas públicas e traçar estratégias para a cidade de Salvador ou para a Bahia. Ele não dialoga, o que acho estranho, mas seguimos trabalhando.
Não sei qual é o problema, mas acredito que seja difícil se manter politicamente em um grupo que não dialoga, que usa da força para massacrar os menos favorecidos.
Eu não ajudei a fundar o PT, mas atuei desde jovem dentro do partido, e não esperava ver um governo, que ajudei a eleger, prender e bater em trabalhadores.
Com salários atrasados não dá! E quando a categoria de terceirizados foi protestar, mandaram prender dois dirigentes do Sindilimp.
Ainda bem que temos o Ministério Público do Trabalho em favor dos trabalhadores para buscar uma saída e tentar resolver a situação, porque pelo governo em si isso se arrastaria por mais alguns anos, já que o caos dura 10 anos, e vem desde o governo anterior.
O estranho é eu ser do Partido dos Trabalhadores e quando virei vereador da cidade, junto com o Sindilimp, conseguimos resolve, no diálogo, esse mesmo caos que existia na administração de Salvador, com salários atrasados.
Quer dizer, o PT questionou os governos carlistas e de direita na Bahia pelo uso da violência e está fazendo o mesmo agora.
Cobrar direitos nunca foi crime e, agora, o governo petista na Bahia dá um de hipócrita e nutre esses erros primários prendendo sindicalistas.
Prenderam uma mulher, uma mãe trabalhadora, um pai trabalhador, quando se manifestaram em Salvador, e nem disseram por que. É uma vergonha!
O senhor é um dos críticos aos ataques contra o PT, mas também critica a postura do partido quando virou governo. O que mudou? E como a sigla conseguirá chegar em 2018?
O que mudou é que parece que não conseguimos mais defender o povo e os movimentos sociais, tampouco conseguimos seguir o que apontávamos como políticas públicas.
A direção do partido se perdeu no caminho e não conseguiu mais encontrar um norte para cuidar das pessoas e cada um passou a cuidar dos seus.
É preciso que essas pessoas que levaram o partido para um caminho adverso “pegue seu banquinho e saia de mansinho”, para não afundar muita gente boa que segue no partido firme e forte e com o ideia de mudança e de renovação.
Acredito que é pouco tempo para se reinventar, mas é preciso buscar novas lideranças para fazer o enfrentamento em 2018 de cabeça erguida, firme e forte.
Precisa de um novo fôlego para a esquerda depois dos desastres nas urnas este ano, para a situação não se agravar. Muitas prefeituras foram perdidas, deixadas de lado, ou simplesmente desgastadas por não conseguir avançar administrativamente e ideologicamente.
Demoraram tanto para reconhecer que a situação é de caos, que quando reagiram já era tarde. Vitória da Conquista é um exemplo disso.
Demorou de ir lá para fazer campanha, e em Salvador foi a mesma coisa. Deixaram Alice Portugal sozinha, não vi deputado da base indo ao seu palanque.
Depois vão culpar o PCdoB por não ter debatido a cidade, uma vergonha política isso.
Qual sua visão sobre o impeachment da presidente Dilma?
O que foi que mudou, de fato, no Brasil?
E a PEC 241, qual sua visão sobre essa proposta aprovada pela Câmara Federal a longo prazo?
O impedimento foi um golpe parlamentar que colocou os corruptos ameaçados de prisão na Operação Lava Jato no poder.
Muitos políticos, empresários e estatais estão envolvidos em pagamento de propina, caixa 2 e tantos outros crimes e a “melhor opção foi colocar o Michel Temer”, como disse o senador golpista Romero Jucá [PMDB].
Foi um golpe para enfraquecer o combate à corrupção e colocar um conivente com a roubalheira no poder e nos ministérios.
Depois tinha de pagar a conta do golpe e foi aí que aprovaram na Câmara medidas como a PEC 241, que vai limitar gastos públicos em 20 anos.
Sem falar na reforma maluca do ensino médio. Cortar ou deixar de ser obrigatórias as matérias como Sociologia, Filosofia, Artes e Educação Física é uma afronta à inteligência dos brasileiros.
Querem criar uma geração de jovens obedientes e sem senso crítico? É isso que estão sugerindo?
O povo debateu isso?
Se não, então é golpe, golpe contra o povo, já não basta sucatear a educação e a saúde tem que tirar dos programas sociais e dividir com os banqueiros, e garantir a aplicação da política entreguista deste governo Temer.
O PT é o único partido que tem eleição interna para compor presidência, mas tem tido dificuldades para realizar um processo sem corrupção e que não tenha a cara da eleição tradicional. Qual sua posição sobre o assunto e quem deve assumir o PT na Bahia? Wagner será mesmo presidente aclamado da sigla no país?
Esses assuntos são de debates do PT, acredito que continuamos errando em não fortalecer o processo de escolha envolvendo a militância. Temos de criar um consenso, mas que de fato seja consenso. O Processo de Eleição Direta (PED) do PT é saudável, só precisa voltar a acontecer em todos os âmbitos, até na escolha de candidatos para a disputa de cargos do Executivo. A resolução do partido deve ser mais rígida, acredito em uma reforma interna e não acredito que Wagner seja presidente do PT nacional. Ele tem outros planos, a Bahia, por exemplo, se não correr atrás para recuperar o partido, pode não conseguir forças para eleger um novo governador em 2018.
O que sua base diz sobre as denúncias contra o PT? As lideranças querem sua continuidade no partido? E você, continua no PT até quando?
Sim, eu continuo no PT, entretanto, tenho demonstrado minha insatisfação com todos esses escândalos assim como minha base, amigos e lideranças que atuo diariamente. Minha campanha foi toda com a cara do PT, usei a cor, foto, camisa, slogan, tudo foi voltado para o partido e tive dificuldade, mas na periferia é todo mundo trabalhador e sabe reconhecer quem trabalha.
Temos de criar alternativas para que possamos ter autonomia, o PT deveria fazer isso, dar autonomia e valorizar os honestos e honestas do partido.
Temos de eleger mais mulheres, por exemplo, debater com os negros das mudanças das políticas públicas, criar novas e é preciso focar nisso.
Como resolver os problemas crônicos de Salvador, como mobilidade urbana, segurança e o principal, como reduzir a pobreza e valorizar a periferia?
Sobre mobilidade, fui relator do projeto que autoriza o serviço de mototaxista e, agora, estamos acompanhando a regulamentação do mesmo, que vai auxiliar os bairros com esse serviço.
O metrô com integração também deve melhorar significativamente o trânsito em Salvador.
Quanto à segurança, é preciso repensar a Guarda Municipal para cuidar apenas do patrimônio, assim como os agentes de trânsito devem atuar em sua área e o Estado deve equipar e valorizar a polícia para servir melhor ao cidadão.
Precisamos dar mais oportunidade para população jovem e negra da periferia, as escolas não podem virar depósito de gente.
Do que a adianta você criar uma escola de tempo integral ou tornar um escola em tempo integral, se as crianças não têm opções de cursos profissionalizantes nem de esporte e lazer?
Alguns políticos da base do governo de Rui Costa já estão sinalizando independência, como isso se dá na política e até onde partidos como PSD, PP e PSB são confiáveis?
São independentes, porque a política de coalizão é assim. Veja o que aconteceu com Dilma. Não pensem que essa questão está esgotada, porque não está, e ainda tem muita coisa para acontecer.
Os partidos são de confiança sim, mas tudo tem um limite, não adianta ficar subalterno, isso não é um caminho. A fidelidade é construída no cotidiano e não vejo essa atitude política do governo.
Você acredita que o nome de Alice Portugal foi um erro? Qual sua avaliação e qual seria o perfil ideal para o PT? Porque o PT não lançou candidato?
O PT deveria ter lançado sim candidato, as chances seriam outras. Não acho que foi um erro, mas um equívoco, Alice não teve culpa de nada, a base não auxiliou ela, essa é a verdade.
Ela fazia a política sozinha, praticamente, e está mergulhada em dívidas. Reunia poucos políticos para os atos públicos.
Os deputados da base podem até ter votado em Alice, mas não trabalharam para ela. Na minha opinião, o PT tinha tudo para lançar uma candidatura, mas como de costume a ‘ditadura branca’ contaminou as hostes petistas.
Não lançaram ninguém e não trabalharam, depois culparam Alice por não ter debatido a cidade.
A bancada do PT e da oposição diminuiu na Câmara, isso vai facilitar a vida do prefeito?
E a disputada presidência da Casa, como você analisa os bastidores? Em quem vai votar?
O que vale na verdade é a qualidade dos membros da oposição, temos pessoas qualificadas e acredito que vamos atuar para defender os interesses da cidade, independentemente de partido e de situação política.
Não podemos ficar no senso comum com essa questão da presidência da Câmara, há muitos interesses políticos por detrás.
O prefeito terá tempos conturbados antes e durante a nova legislatura. Vamos debater pautas importantes e não será fácil para a prefeitura.
Acho que ter uma base ampla propicia a existência de mais problemas, tanto que já podemos observar os partidos da base de Neto se pegando para chegarem à presidência.
Prefiro não citar nomes, mas meus colegas estão em plena campanha, as eleições não acabaram para eles.
Quais os novos projetos para a legislatura que se inicia em 2017? E para 2018, vai lançar candidatura para deputado estadual?
Esse debate de 2018 ainda é cedo de tratar, vamos conduzir o mandato de vereador em Salvador, apresentar novas propostas, indicações, sempre participando das discussões sobre a cidade.
Claro que vou trabalhar para ter uma vaga na Assembleia, tenho a intenção de evoluir.
Não podemos descartar os 32 mil e 69 votos que tivemos em 2014, isso seria uma quebra de confiança com aqueles que acreditam na nossa evolução política.
Na nova legislatura, vamos começar cobrando proteção para idosos, crianças e mulheres vítimas de violência, vamos tentar ampliar a inclusão social e digital.
Quero criar um programa para levar computadores e cursos de informática para as comunidades, além de valorizar a prática de esportes, realização de paradas LGBTs, e envolver nossa base em diferentes bairros, como o Nordeste, Santa Cruz, Nova Constituinte, Pernambués, Subúrbio Ferroviário e a cidade como um todo.
Vamos sempre trabalhar para o bem de Salvador e sem medo de caminhar.