Theodomiro Romeiro dos Santos era militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Foi preso em outubro de 1970, após o assassinato do dirigente comunista Mário Alves, por empalamento – a introdução de um cassetete dentado no ânus. A orientação era resistir à prisão.
Ele reagiu, atirou em dois, matou um sargento da aeronáutica à paisana, passou a ser barbaramente torturado. Aos 17 anos foi condenado à morte, a primeira condenação à morte após a Proclamação da República, depois transformada em prisão perpétua, sendo obrigado a fugir com a decretação da Lei da Anistia, que não o alcançaria – militares fascistas planejavam matá-lo. Viveu no exílio até a redemocratização do país.
Seu depoimento foi conduzido pelo advogado Jackson Azevedo, membro da Comissão Estadual da Verdade.
O coronel Luiz Artur de Carvalho, superintendente da Polícia Federal, era um torturador fingido e covarde.
O diretor da Penitenciária Lemos de Brito, Osmundo Tosta, era um corrupto que roubava o dinheiro da refeição dos presos; o cabo Dalmar Caribé e os capitães Hemetério Chaves Filho e Gildo Ribeiro eram torturadores sádicos que se compraziam com o ofício do tormento.
O médico chamado para avaliar o estado físico do torturado jogou éter nos ferimentos e nos olhos do preso. Theodomiro Romeiro dos Santos sobreviveu para contar a história.
De volta ao Brasil estudou Direito, prestou concurso para juíz do trabalho e por 20 anos exerceu a magistratura em Recife. Presidiu a Associação dos Magistrados Trabalhistas de Pernambuco.
Foi anistiado e aposentado ao somar os 9 anos de prisão ao tempo de aposentadoria, conforme a lei.
Ao prestar seu depoimento, defendeu a relevância da Comissão da Verdade por resgatar a história verdadeira do ciclo da ditadura militar.
Nascido em 1953, tinha, portanto, 12 anos quando veio o golpe militar. Aproximou-se da luta política influenciado pela abertura da Igreja Católica na era do papa João XXIII.
Aos 15 anos já era militante no movimento estudantil. Com a radicalização do AI-5 saiu do Recife e foi para Salvador. Integrou a Corrente Revolucionária, uma dissidência do PCB, que deu origem posteriormente a organizações da luta armada.
Entrou para a clandestinidade por abrigar em sua casa um militante da ALN que acabou preso. A idéia política era a de acumular força para desencadear a guerrilha rural.
Participou do assalto ao Banco da Bahia no bairro Liberdade, operação fracassada que acabou em tiroteio. Recusou-se a se exilar e acabou preso no Dique do Tororó. Foi aí que atirou em dois e matou um.
Theodomiro Romeiro dos Santos passou a ser violentamente torturado. Na sede da Polícia Federal, á época no Comércio, Cidade Baixa, passou por um raivoso corredor polonês, levou coronhadas de fuzil, desmaiou e perdeu a noção do tempo.
Foi torturado pessoalmente pelo coronel Luiz Artur de Carvalho, que chamou um médico para avaliar o seu estado físico, se agüentaria mais torturas.
O médico militar raspou -lhe a cabeça e jogou éter nos ferimentos, provocando intensa dor ao atingir os olhos.
As paredes da cela na Polícia Federal ficaram manchadas de seu sangue e eram usadas como fator aterrorizante contra os presos políticos. Foi torturado com choques elétricos na Polícia Federal, no Quartel dos Fuzileiros Navais, no Quartel do Barbalho onde funcionava o comando da Polícia do Exército e a 4ª Companhia de Guardas.
O comandante do Quartel do Barbalho era o capitão Hemetério Chaves Filho, executor e mandante das torturas sistemáticas.
A sala do comando era equipada com ferramentas de tortura. Sobreviveu e foi levado para a Penitenciária Lemos de Brito, onde o diretor Osmundo Tosta se apropriava do dinheiro da comida dos presos e transformava em tortura a refeição.
Foram anos de prisão numa cela sem sanitário, onde as necessidades fisiológicas eram feitas numa lata de querosene. A prisão era, em si, uma tortura.
Ele lembrou que no Forte do Barbalho o cabo Dalmar Caribé, o mesmo que em 1971 participaria do cerco e morte do capitão Lamarca no sertão da Bahia, entrou em sua cela com mais três agentes. Deram-lhe chutes, por pura crueldade, já que não queriam mais informações.
Convencido que não o soltariam nem com a Lei da Anistia, fugiu para o México, depois Paris, com ajuda de religiosos, padre Renzo, padre Cláudio Perani, as monjas em Vitória da Conquista e afinal abrigado na Nunciatura Apostólica em Brasília.
Por que Theodomiro Romeiro dos Santos reagiu armado à prisão? Porque depois do assassinato do dirigente do PCBR, jornalista Mário Alves, na tortura e por empalamento medieval, a ordem do PCBR era resistir. Por que Theodomiro fugiu? Para não ser morto por militares vingativos e doentios.
A verdade verdadeira vai ficar registrada nos Anais da Comissão da Verdade.
Fonte: Oldack Miranda