Na sexta-feira, 30 de junho, saiu a tão aguardada decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, Jair Bolsonaro está inelegível por oito anos.
Ainda cabe recurso – ao próprio TSE ou ao Supremo Tribunal Federal (STF) –, mas, com o “mito” impossibilitado de disputar eleições, surge uma grande oportunidade para a direita brasileira construir um nome forte para a eleição presidencial de 2026, sem precisar recorrer ao apoio envergonhado ao ex-capitão do Exército.
O jornal Folha de S. Paulo saúda como uma chance de ouro.
“O sucesso dependeria, contudo, de estruturar uma agenda mínima de propostas, que demarque diferenças com a esquerda na esfera econômica e deixe em segundo plano a agenda de costumes.
A ideia é promover uma espécie de antipetismo qualificado, para evitar o risco de esvaziar o discurso”, apontou o jornal da família Frias.
Dito de outro modo, a direita procura viabilizar um nome que possa derrotar o PT em 2026, mas que não protagonize os mesmos vexames, alucinações e bravatas bolsonaristas e, ao mesmo tempo, coloque em prática a nefasta agenda neoliberal (o que significa arrancar o couro do trabalhador e entregar o Estado brasileiro ao grande capital).
Resumindo: trocar a “direita radical e bárbara” por uma “direita limpinha e civilizada”.
No ano passado, tentaram essa manobra, com a fracassada “Terceira Via”. Mas, com Jair Bolsonaro fora do páreo, as coisas tomam outro rumo. Não que seja fácil. A direita tradicional nunca foi popular no Brasil.
Em muitas ocasiões, teve que improvisar nomes do baixo clero político para vencer eleições, como Jânio Quadros, Fernando Collor e o próprio Jair Bolsonaro. Por outro lado, Lula ainda é bastante popular; poderá tranquilamente ser reeleito ou eleger seu sucessor.
Mesmo antes de sair a sentença da inelegibilidade de Jair Bolsonaro, na imprensa conservadora, tanto nos grandes quanto nos pequenos veículos, já se especulava sobre quem seria o substituto do “mito” como líder da direita brasileira.
Pelo menos cinco governadores são cotados para o posto – Eduardo Leite, Ratinho Júnior, Romeu Zema, Ronaldo Caiado e Tarcísio de Freitas –, sendo o mandatário paulista, por enquanto, o favorito para substituir Jair Bolsonaro.
Conforme os articulistas dos principais noticiários do país, Tarcísio de Freitas tem um perfil “técnico” e “pragmático” (eufemismo para agentes públicos que executam com eficiência políticas favoráveis ao mercado e contrárias aos interesses da população, como privatizações e cortes de investimentos públicos em saúde e educação).
Para a anteriormente citada Folha de S. Paulo, Tarcísio de Freitas, assim como o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, são personagens que dialogam com o bolsonarismo e, concomitantemente, têm uma atuação menos atrelada a confrontos.
Assim, segundo o jornal paulista, eles poderiam capitanear a direita que ascendeu com Bolsonaro, mas enfatizando o liberalismo econômico e acenando à parcela conservadora da população, por meio de valores compartilhados, como família e religião.
Por sua vez, Ratinho Júnior, governador paranaense, é apontado pelo Estado de S. Paulo como um político “moderado”, do “centro” e do “anti-extremismo”, que “pode ter o seu conhecimento nacional impulsionado pela fama de seu pai, o apresentador de televisão Carlos Massa, o Ratinho”.
Já Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, por ser homossexual, pode levantar a bandeira do identitarismo, o que, inclusive, tende a angariar o apoio de setores da esquerda menos politizados. No entanto, pesa contra Eduardo Leite a rejeição do eleitorado mais conservador.
Por fim, em artigo publicado no Jornal Opção, o jornalista Euler de França Belém defendeu o nome de Ronaldo Caiado para substituir Jair Bolsonaro como principal político da direita brasileira. Para ele, o governador goiano é liberal, assume-se como de direita, mas não tem nada a ver com o reacionarismo messiânico do pior bolsonarismo. Trata-se de uma direita “moderada”, “civilizada” e “racionalista”.
Evidentemente, não vou fazer como Rui Costa Pimenta, do PCO, e lamentar a inelegibilidade de Jair Bolsonaro. E daí? Não posso fazer nada; não sou juiz eleitoral. Mas é fato que, para a direita, é uma grande notícia a saída do ex-presidente do cenário político por oito anos. Vão se livrar de um estorvo: o “efeito colateral do golpe de 2016”. Como bem sintetizou Lula: plantaram Aécio Neves e colheram Jair Bolsonaro. Enfim, poderão jogar a má colheita fora.
O que antes era a “Terceira Via”, agora passará a ser a principal força de oposição ao PT, seja com Romeu Zema, Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado, Ratinho Júnior, Eduardo Leite ou qualquer outro nome “impulsionado” pela imprensa hegemônica. Será alguém vendido como “moderado”, “pragmático”, “conciliador”, “técnico”, “equilibrado”, “civilizado” e “não adepto à polarização”.
Diante dessa realidade, cabe a nós da esquerda ficarmos atentos, denunciarmos e não cairmos nessas armadilhas políticas.
Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em geografia pela Universidade estadual de Campinas (Unicamp). Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (ed. CRV).