Tempo - Tutiempo.net

E se aplicarmos o Plano Temer em casa?

Vai nessa treme treme

Laura Carvalho,  indispensável colunista de economia da Folha – uma economista que fala o português como eu ou você  e não doura a pílula com expressões sofisticadas  – comenta hoje a frase de Henrique Meirelles, da qual já tratamos aqui:   “o plano A é o controle de despesas, o B é privatização, e o C, aumento de imposto”.

E transporta isso para a vida doméstica, imaginando “uma família para a qual, diante da crise, a primeira opção fosse cortar a escola das crianças, diminuir as idas ao pediatra ou eliminar os remédios dos avós”.

Depois, o plano B: “vender a geladeira, o sofá e o piano”. E só depois convencer o filho mais velho a abrir mão do carrão zero km e ajudar um pouco em casa .

Como Meirelles disse que ficando tudo como está o déficit seria de R$ 270 bilhões, baixa para R$ 194 bilhões cortando no médico, na escola e nos remédios (para usar o exemplo de Laura) e deixa R$ 55 bilhões por conta de  milagres – na sua expressão litral “mais da metade (R$ 30 a R$ 35 bilhões) devem ser decorrentes de uma melhora da atividade econômica que não havia sido capturada no cenário base da receita” – e das privatizações e concessões, não havendo milagre, é da venda do sofá, da geladeira e do piano que virá este dinheiro.

Laura lembra que era preciso olhar para o garotão de boa-vida, antes:

Receitas da mesma ordem poderiam ser obtidas, por exemplo, com a retomada da tributação sobre os lucros distribuídos a pessoas físicas (dividendos), que desde 1995 são isentos de Imposto de Renda da Pessoa Física, ao contrário do que ocorre na grande maioria dos países.

Da maneira que se está propondo, este caminho de lidar com o deficit, diz ela “não oferece nenhuma perspectiva de reequilíbrio das contas públicas no médio ou no longo prazo”.

E explica que “as receitas geradas hoje com a venda de ativos públicos por meio de privatizações não virão novamente, além de implicarem redução de receitas futuras do governo com esses ativos”, como dividendos.

 No caso brasileiro, ainda há o agravante de que muitas empresas concessionárias nem sequer pagam o que devem, como apontou Elio Gaspari em sua coluna nesta Folha de 13/7/2016:  “Temer e a privataria 3.0”.

A geração de receitas extraordinárias por meio de concessões e privatizações —os chamados desinvestimentos— é considerada, aliás, uma manobra de ilusionismo fiscal no Staff Note do FMI de 2012 intitulado “Accouting Devices and Fiscal Illusions”, conforme detalhei nesta Folha em 15/10/2015.

Ao contrário, lembra Laura, “uma expansão de investimentos públicos e de outras despesas com alto efeito multiplicador sobre a renda e o emprego poderia elevar a arrecadação futura –direta e indiretamente–, aí, sim, estabilizando a dívida pública no longo prazo”.

Cortar despesas e obter receitas não são jamais separáveis da qualidade das despesas que se corta e da origem da receita que se obtém. A lógica econômica não é primária ou linear assim. Cortar saúde, educação, investimentos estruturantes  para manter intocadas as despesas financeiras só dá certo nas planilhas.

Até porque o rentismo reage mal quando se tenta tirar um pouco do prato cheio que temos sido para ele.

Talvez a turma que falava tanto em pedaladas – a propósito, os jornais hoje publicam o documento do qual já se falou aqui há dias, onde o MP diz que não há crime de responsabilidade nas famosas “pedaladas” que servem de pretexto ao impeachment de Dilma – deva se lembrar que a economia é uma bicicleta, que se equilibra pelo movimento.

Frear, pura e simplesmente, só resulta em queda.

Fernando Brito

OUTRAS NOTÍCIAS