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Fachin votou a favor da suspensão das normas da Anvisa e do Ministério da Saúde que restringem doação de sangue por gays

Ministro votou pela suspensão de normas da Anvisa e do Ministério da Saúde que restringem doação de sangue por gays. Coletivos esperam apoio de Barroso, Carmen Lúcia e Rosa Weber.

Os dois grupos de Brasília que atuam na defesa dos direitos LGBTI e participaram, como amicus curiae, da ação que questiona o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a doação de sangue por homossexuais comemoram o voto do ministro Edson Fachin, em favor da causa.

Nesta quinta-feira (19), ele pediu a suspensão das normas da Anvisa e do Ministério da Saúde que permitem aos hemocentros do país recusar gays sexualmente ativos. Pelas regras, homens que têm relação sexual com outros homens são considerados “grupo de risco” para transmissão do vírus HIV e doenças como as hepatites B e C.

Apesar do sinal positivo de Fachin, integrantes do movimento afirmam que é preciso aguardar a decisão dos demais ministros para considerar a vitória. A análise da pauta deve ser retomada na próxima quarta-feira (25). “Vencemos a luta, mas não a guerra”, disse o representante do coletivo Rexistir Thiago Moraes.

“O problema agora é Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, que se utilizam do Direito para assegurar ideais mais conservadoras”, complementou a representante do grupo Corpolítica Maria Leo Araruna.

Os coletivos disseram ao G1 que esperam ter o apoio de Luís Roberto Barroso e das ministras Carmem Lúcia e Rosa Weber pelo histórico de decisões favoráveis aos direitos das minorias. Os demais membros do Supremo permanecem como “incógnitas”.

‘Orientação não transmite doença’

Durante a leitura do relatório, Fachin afirmou que as normativas são um desrespeito à alteridade, porque impedem que “cada um seja quem de fato é”, e uma ofença ao direito fundamental da igualdade. Segundo o ele, os hemocentros devem aplicar medidas de precaução e segurança, mas não em razão da orientação sexual.

Por isso, o ministro sugeriu que o termo “grupo de risco” seja substituído por “condutas de risco”, baseadas em práticas e ações que possam ter comprometido a saúde do candidato à doação – como o não uso de camisinha.

“Orientação sexual não contamina ninguém, o preconceito sim.”

Para o coletivo Corpolítica, a fala do ministro tem força simbólica importante para a prática jurídica quanto aos direitos LGBTI no país. A representante Maria Leo citou o caso da decisão do juiz federal de Brasília que possibilitou a realização de terapias de reorientação sexual como exemplo do uso de artifícios legais para “justificar preconceitos”.

Segundo o Fachin, as normas da Anvisa e do Ministério da Saúde configuram “discriminação indireta que produz, mesmo sem intencionalidade, impactos desproporcionais a determinados grupos sociais” – neste caso, os homossexuais.

“Sangue e pertencimento têm, ao longo da história, pendulando entre os extremos do acolhimento e da exclusão, dos quais se colhem os exemplos da doutrina do ‘sangue e solo’, que tem raízes no século XIX e que buscou suposta justificativa moral para o que vieram a ser atrocidades, em seu nome, praticadas”, disse durante sessão no STF.

Por trás das palavras

A possível suspensão dos trechos das normas que fazem referência aos homossexuais representaria, segundo os coletivos LGBTI, mais que a retirada de algumas palavras e até mesmo mais que a possibilidade de doar sangue.

“Significa fissurar um histórico de homofobia e transfobia institucionais promovidas pelo Estado”, disse Maria Leo. “Significa romper com uma lógica colonizadora que requer o controle e a marginalização de corpos que não cabem nos pressupostos culturais heteronormativos.”

 Ela também apontou os benefícios às mulheres transexuais e travestis. Apesar de não se identificarem como homens, elas são inseridas na categoria de “homens que fazem sexo com homens”.

“Isso perpetua uma lógica transfóbica e ineficaz por considerá-las homens e por utilizar um termo que não proporciona uma aproximação dessas mulheres com as políticas de segurança à saúde sexual.”

Dar voz a todos

Durante a defesa do relatório – que, segundo o próprio ministro, foi redigido em 40 páginas –, Edson Fachin citou, mais de uma vez, manifestações dos amicus curiae nos autos do processo. Uma forma de dar representatividade ao público afetado pelas normas questionadas, segundo o Thiago Moraes, do coletivo Rexistir.

“Isso mostra que deu ouvido às vozes que se pronunciaram sobre a questão.”

“O Direito pode e deve se abrir aos conhecimentos jurídicos e políticos marginalizados da sociedade”, disse Maria Leo, do Corpolítica. Para ela, essa é uma forma jurídica de romper com estruturas de poder desiguais “que violentam e discriminam determinados corpos em detrimento de outros”.

Luiza Garonce

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