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“Nós sujamos, nós limpamos´´

Torcedores do Japão usam sacos para recolher o lixo deixado nos estádios da Copa da Rússia

Mamoru e Paroshi, dois torcedores de futebol do Japão, olham um para o outro e riem antes de responder a uma pergunta que se tornou frequente desde que a Copa da Rússia começou: por que os japoneses recolhem seu próprio lixo?

“É a cultura japonesa”, dizem, sobre a cena que deixou o mundo admirado ao final da vitória por 2 a 1 do Japão contra a Colômbia, na Arena Mordovia em Saransk.

A prática se tornou popular não apenas nas redes sociais, mas também está virando moda entre torcedores de outros países, como Senegal e Brasil, que começaram a fazer a mesma coisa.

Para os japoneses, é uma surpresa que as pessoas estejam surpresas. “Nós sujamos, nós limpamos. É normal no Japão”, diz Mamoru.

 

A prática tem um nome: souji. A palavra japonesa tem vários significados, como limpeza e varrição. O ritual segue um provérbio: “Não jogue terra no poço que te dá água”. É mais do que uma prática nos estádios de futebol. É uma filosofia, que é passada de geração para geração.

Currículo escolar
Nas escolas japonesas, as crianças realizam tarefas como limpar os banheiros, varrer o chão e lavar a louça, em um sistema de rodízio de tarefas, que é coordenado pelos professores. A ideia é ensinar os estudantes a se importarem com os espaços públicos.

“Nós aprendemos logo cedo na vida que é fácil levar esse hábito para onde quer que nós formos”, fala Chikako Ehara, outro torcedor do Japão.

O hábito japonês de limpar a própria sujeira foi notado pela primeira vez na Copa do Mundo do Brasil, em 2014. Na época, as pessoas observaram que os torcedores iam para os estádios preparados para limpar tudo antes de irem embora.

Durante a maior parte dos jogos, os sacos de lixo azuis eram improvisados a partir de balões usados para torcer.

Mamoru explica que não é preciso muita organização para fazer isso. Os torcedores apenas limpam a área em torno deles, sem que ninguém precise dar ordens.

“É também uma forma de sermos respeitosos com os anfitriões”, afirma Mamoru.

nspiração para outros torcedores
A limpeza está profundamente enraizada na cultura japonesa. Brigadas voluntárias de limpeza atuam em diversos locais.

Mas a popularidade da Copa da Rússia tornou a prática conhecida no mundo inteiro. E é fácil de copiar.

Torcedores do Senegal e do Brasil também foram filmados recolhendo o próprio lixo. “Para nós, é uma honra que outros países também estejam fazendo souji. Nós esperamos que outros torcedores se inspirem a fazer o mesmo”, diz Chikako.

É errado?
Porém, a limpeza dos estádios pelos japoneses está gerando um debate. No Japão, há quem diga que fazer o souji fora de casa é interferir na cultura de outros países.

Em um artigo publicado em 2014, o escritor japonês Mayumi Matsumoto, que vive em Londres, questionou se a prática seria desrespeitosa a outras culturas e mesmo se poderia gerar perda de empregos.

“Nós não devemos desprezar as pessoas de outros países que não fazem a limpeza em eventos esportivos. Essas pessoas estão se comportando de uma forma que é natural para elas. E nós precisamos pensar nas pessoas que precisam de emprego nos países de baixa renda”, argumentou.

Mas, por enquanto, na Copa da Rússia, o souji está ganhando o debate.

Fernando Duarte

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