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Macron completou vitória com eleições legislativas, mas ainda é enigma para povo francês

O partido de Macron, República em Marcha, sequer existia dois anos atrás

A vitória do recém-eleito presidente francês, Emmanuel Macron, nas eleições legislativas da França do último domingo garantiram ao novo mandatário uma conquista completa do poder – pelo menos é dessa forma que o resultado ficará registrado nos livros de história.

O grupo centrista de Macron, República Em Marcha, conquistou 350 assentos parlamentares (de um total de 577) junto ao seu aliado Movimento Democrático.

Essa ascensão ocorreu tão depressa – passou-se apenas um ano entre a criação do movimento e sua chegada ao Palácio do Eliseu – que a França ainda não a absorveu plenamente.

Até mesmo parte do eleitorado que não votou em Macron estão honestamente impressionados com esse desempenho. Mas muitos outros estão se perguntando: e agora, para onde vamos?

Isso porque há um aspecto ainda desconhecido sobre o mandato que começa agora que o separa de tudo que aconteceu antes na história política da França.

São muitas as novidades no governo que começa: além de o partido de Macron ser neófito na política, grande parte dos novos parlamentares precisará (literalmente) de lições sobre como fazer seu trabalho.

Isso porque 425 dos 577 legisladores ocupará a cadeira parlamentar pela primeira vez.

Além disso, há o fato de que nunca antes – pelo menos não desde Charles de Gaulle em 1958 – o chefe do Estado teve uma maioria tão poderosa, composta por homens e mulheres que dependem da figura de Macron para seguirem suas novas carreiras.

Para completar, a oposição foi reduzida a quase nada, graças ao imperativo que ficou conhecido como “dégagiste” – ou seja, o sentimento de “limpeza geral” e de renovação -, que acabou varrendo em massa diversos deputados do Parlamento.

Enigmático

Outro aspecto importante dessa nova onda é que Emmanuel Macron permanece como uma espécie de enigma.

Quando ele tinha apenas 22 anos e já era um profissional precoce, Macron passou diversos meses como assistente de um dos filósofos mais respeitados da França, Paul Ricoeur.

O nome pode dizer pouco para a maioria das pessoas, mas, de acordo com especialistas, um dos elementos centrais da filosofia ricoeuriana é a “habilidade de pensar duas ideias que são aparentemente opostas simultaneamente”.

Em um contexto político, por exemplo, isso poderia significar o apoio à abertura do mercado de trabalho e à proteção dos mais vulneráveis. Ou ainda reduzir o aparato do Estado mantendo as garantias de bem-estar social.

A essência da filosofia é generosa: o reconhecimento que nenhum dos lados de uma discussão detém o monopólio da verdade, e que as melhores políticas são aquelas que combinam elementos dos dois argumentos divergentes.

A simpatia de Macron por essa linha de pensamento ficou evidente no vocabulário usado por ele nos debates eleitorais – a expressão “au même temps” (ao mesmo tempo) era empregada com frequência, implicando em uma constante tentativa de conciliar ideias aparentemente contraditórias.

E certamente o desejo sincero expressado por Macron de reunir direita e esquerda contribuiu fortemente para seu sucesso.

Mas o enigma é este: quando chegar o momento da prática, e não da teoria, para que lado o presidente vai pular?

Afinal de contas, os problemas e desafios que ele enfrentará nos próximos meses serão aqueles clássicos para líderes democráticos. Devo ceder diante de manifestações? Ou devo usar a força para mostrar liderança? Como eu equilibro o orçamento? O que é pior, um déficit gigante ou cortes nos gastos sociais?

Ou, ainda, uma outra questão atual: devo aquiescer a grupos de direitos humanos e oferecer acomodação aos refugiados do campo de Calais? Ou devo ser linha-dura e expulsá-los, para não estimular a vinda de mais imigrantes à França?

Nessas e em muitas outras questões, ninguém sabe ao certo como o presidente pensa.

Ele prometeu deixar para trás as velhas direita e esquerda, mas talvez elas simplesmente não queiram ir embora. E talvez nem tudo seja conciliável.

O que vimos até agora foi um lição objetiva sobre como conquistar poder, de um indivíduo notável que é meio Maquiavel e meio Cary Grant. Mas essa história já acabou. Deixemos a nova história começar.

 

Hugh Schofield

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