Foram cinco horas de convenção online com alguns poucos vídeos muito bem produzidos, mas completamente diferentes dos que se viu nos shows políticos de republicanos e democratas. Não havia líder para ser enaltecido ou ego para ser afagado.
O centro das atenções, nas imagens e discursos, foram os americanos de todas as cores, credos e culturas. Uma maioria ameaçada de despejo que encara o abismo do desemprego e as consequências da pandemia.
O Partido do Povo começa, agora, a se organizar em todo o país. Com mais de 7.500 votos, registrados por um aplicativo, a convenção decidiu criar o partido que pretende ser uma alternativa ao duopólio que reina no país desde sempre.
Um dos discursos mais aguardados da convenção foi o do filósofo, autor de 20 livros, professor de Harvard, Doutor Cornel West. E ele deixou claro que o novo partido está aberto ao debate.
Ao contrário de vários ativistas e oradores, o Doutor West defende, este ano, o voto no democrata Joe Biden. Mas garantiu que está ouvindo a opinião divergente de irmãos e irmãs da nova legenda.
Ele acredita que é necessário eleger Biden para evitar o pior. “Nesse momento, o fascismo está se consolidando, se cristalizando”, disse o filósofo que vê o Partido do Povo como uma força necessária para pressionar os democratas, se eles vencerem a eleição.
“Um movimento para transformar o império americano em um espaço mais democrático”, afirmou.
West estava em minoria. Quem encerrou a convenção foi a ativista e ex-senadora estadual de Ohio Nina Turner. Ela descreveu os partidos democrata e republicano como duas cabeças de um mesmo dragão.
Um rosto neofascista e o outro neoliberal. Para ela, é preciso matar as duas faces desse dragão para transformar a política americana e promover mudanças que hoje têm o apoio da maioria da população, como é o caso da criação de um sistema único de saúde (70% dos americanos aprovam e 80% dos democratas querem ver funcionando).
Mas o item não entrou no programa de Joe Biden.
“Como podemos ter paz quando, no meio de uma pandemia, não conseguimos fazer o partido democrata mudar a plataforma?” perguntou Nina Turner. E prosseguiu:
“Como podemos ter paz quando um homem negro é baleado pelas costas pela polícia? Como podemos ter paz quando pobres, trabalhadores e a classe média não conseguem sobreviver? Como podemos ter paz enquanto muita gente está afogada em dívidas só porque foi fazer faculdade?”
Para Nina Turner, já não é possível escolher entre um mal menor. Eleger um democrata como Joe Biden para evitar um republicano como Donald Trump. E o discurso de muitos eleitores que participaram da convenção fez eco ao que ela disse.
Boa parte dos organizadores do Partido do Povo participou da primeira campanha do senador Bernie Sanders a presidente. Um grupo dedicado que abandonou a convenção democrata, há quatro anos, em protesto, porque considerou que a máquina do partido impediu a vitória de Sanders.
Na época, quando vi aquela quantidade de cabos eleitorais e delegados sentados em assembléia espontânea no corredor do centro de convenções da Filadélfia, achei que um novo partido nasceria ali mesmo. Mas aquela foi a semente principal do movimento que se concretiza agora.
Este ano eles tentaram novamente e outra vez se sentiram trapaceados quando Barack Obama, nos bastidores, comandou a desistência de todos os adversários de Joe Biden para garantir a vitória dele nas primárias.
Foi a gota d’água para essa turma. Ela chegou à conclusão de que não vai dar em nada tentar mudar o partido por dentro.
“A influência do poder financeiro, que domina as campanhas, não vai permitir transformações que eles consideram essenciais: um programa amplo de defesa do meio ambiente que crie empregos e construa um país com energia limpa, o perdão das dívidas estudantis, um sistema único de saúde e o fim do financiamento privado das campanhas políticas. Essas são as principais bandeiras do Partido do Povo que começa, agora, a se organizar para disputar os espaços políticos nos Estados Unidos.”
Heloisa Villela