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O casamento gay já é realidade em Taiwan

Simpatizantes do casamento gay em Taipei, em 2016. CHIANG YING-YING

Há 30 anos, um homem tímido mas corajoso chamado Chi Chia-Wei dava uma intempestiva entrevista coletiva em um McDonald’s em Taipei para anunciar a seu país, Taiwan, ainda submetido à lei marcial e à ditadura, que ele era gay e pretendia se casar com seu parceiro.

Nesta quarta-feira, esse homem não conseguia conter as lágrimas após ser anunciada a decisão do Tribunal Constitucional do país que – em uma sentença histórica em resposta a 30 anos de denúncias de Chi Chia-Wei –proclamou inconstitucional o código civil e declarou que este receberá emendas dentro de no máximo dois anos para reconhecer o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Se o Parlamento não responder dentro desse prazo, os casais estarão livres para comparecer diante das autoridades civis e se casar.

A decisão foi tomada por ampla maioria. Dos 14 juízes do Tribunal, apenas dois se pronunciaram contra. Eram necessários 10 votos a favor. O parecer, que diz explicitamente que a atual definição de matrimônio como “a união entre um homem e uma mulher […]” viola as garantias constitucionais de liberdade de matrimônio e igualdade, faz de Taiwan o primeiro país da Ásia a permitir o casamento gay.

Isso também representa um sopro de ar fresco em um momento particularmente duro para o coletivo LGBT desse continente, onde a perseguição a esses indivíduos nos países vizinhos está cada vez mais intensa.

“Estou saltando de alegria como um pássaro. Agora só espero que o Parlamento dê prioridade a este assunto e não o arraste durante anos”, foram as primeiras palavras pronunciadas por Chi Chia-Wei após o fracasso do tribunal, recolhidas pela agência AFP.

 Além de ser histórica, a sentença é também progressista – talvez o reflexo de um país muito diferente dos demais de seu entorno. Ou “sofisticado”, como tentou definir a presidente Tsai Ing-wen há alguns meses, quando começou a se debater uma proposta de lei para aprovar o casamento gay pela via parlamentar, que está há cinco meses no limbo.

“O casamento entre pessoas do mesmo sexo não afetará a aplicação do capítulo sobre o matrimônio entre pessoas de sexos opostos. Tampouco vai alterar a ordem social”, afirma a resolução no que parece ser uma resposta quase direta aos argumentos daqueles que se opunham a esse tipo de união.

“E mais, a liberdade de casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, uma vez reconhecida sua legalidade, constituirá a base coletiva, junto com o casamento entre pessoas de sexos opostos, para a estabilidade da sociedade”, afirma um texto qualificado por ativistas LGBT como “formidável”.

“A sentença não podia ser melhor. Estamos realmente muito contentes, e agora o único que nos resta é continuar trabalhando para conseguir que o casamento gay seja uma realidade antes do fim deste ano. Isso não foi fruto de um dia, mas sim de muitos anos de luta, e não vamos parar agora”, disse Wayne Lin, presidente da Associação Taiwanesa Tongzhi (LGBT) Hotline, que comemorava na porta do Parlamento a histórica decisão junto com cerca de mil pessoas alheias à chuva que caía sobre Taipei.

O coletivo LGBT de Taiwan chegou várias vezes perto de seu objetivo durante a última década, mas todos os projetos de lei que foram discutidos no Parlamento acabaram morrendo no caminho.

O último foi impulsionado em outubro pela deputada Yu Mei Nu, do Partido Progressista Democrático (PPD). Chegou a ser debatido em dezembro, mas estava parado desde então. Seu projeto de lei também tentava emendar o Código Civil para conseguir precisamente o que agora a corte constitucional acabou sentenciando: mudar a definição de matrimônio.

Coincidentemente, essa congressista, defensora dos direitos da mulher e dos gays, foi uma das primeiras advogadas que defendeu Chi Chia-Wei em sua longa batalha nos tribunais. Agora será a responsável por acelerar o processo no sentido de realizar o sonho que daquele que foi um de seus primeiros clientes quando praticava advocacia.

A sentença do Tribunal Constitucional não respondia apenas ao recurso de Chi Chia-Wei. A ele se uniu a Prefeitura de Taipei, que há anos tem que negar petições de casamento recebidas de casais gays. Mas, sem dúvida, as palavras do Tribunal foram particularmente emocionantes para o ativista, que aos 58 anos, se viu compensado ao escutar a reprimenda que o Tribunal deu ao Parlamento de seu país: “Durante três décadas, Chi Chia-Wei apelou aos poderes legislativo, executivo e judiciário por seu direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Depois de mais de uma década, o Parlamento foi incapaz de completar o processo legislativo das propostas de lei sobre o matrimônio do mesmo sexo. […] As atuais disposições do capítulo do matrimônio não permitem que duas pessoas do mesmo sexo criem uma união permanente de caráter íntimo e exclusivo para o propósito comprometido de administrar uma vida juntos. Isso é obviamente uma grande falha legislativa”.

Para ativistas como Jay Lin, que criou os prêmios Queermosa para reconhecer o coletivo LGBT (que este ano premiou justamente a Chi) e que dirige o primeiro festival de cinema queer da ilha, a sentença também é importante para o resto da Ásia.

“Isso envia uma mensagem positiva e forte, uma mensagem de esperança. Chi Chia-Wei leva 30 anos lutando e nós os seguimos. Foi um trabalho de consistência e, assim como ocorreu em Taiwan, vai ocorrer em outros lugares antes ou depois”, declarou Jay .

Taiwan é um paraíso de tolerância para a comunidade LGBT diante da rigidez com que se vive a homossexualidade nos países vizinhos. Na Indonésia dois homens na casa dos 20 anos, acusados de manter relações sexuais, receberam esta semana quase 100 chibatadas em uma cerimônia pública, diante de uma multidão fervorosa que os insultava e cuspia, oferecendo uma imagem mais próxima da Idade Média do que do século XXI.

Foi a primeira vez que se castigou em público um casal gay em um país que oficialmente não condena a homossexualidade, mas onde é comum o açoitamento periódico de mulheres acusadas de adultério. Além disso, 141 homens foram presos, na segunda-feira, em uma sauna gay em Jacarta, no que ativistas de direitos humanos consideram uma escalada da homofobia no país muçulmano mais populoso do mundo.

Recentemente, na Coreia do Sul, os militares foram acusados de organizar uma caça às bruxas contra soldados gays. Em Bangladesh, há uma semana, a suspeita de homossexualidade levou 27 homens à prisão em um país onde ser gay é considerado crime.

Mianmar o casamento gay é punido com a prisão perpétua e em Brunei ou  é ainda pior: a homossexualidade é castigada com pena de morte por apedrejamento. Por isso Taiwan, que sempre foi considerado um oásis para a comunidade LGBT da região, pode se vangloriar de ser um, oficialmente, a partir de agora.

BARBARA CELIS

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