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Teoria do Louco: Estados Unidos e Coreia do Norte

A man watches a television screen showing U.S. President Donald Trump, left, and North Korean leader Kim Jong Un during a news program at the Seoul Train Station in Seoul, South Korea, Thursday, Aug. 10, 2017. North Korea has announced a detailed plan to launch a salvo of ballistic missiles toward the U.S. Pacific territory of Guam, a major military hub and home to U.S. bombers. If carried out, it would be the North's most provocative missile launch to date. (AP Photo/Ahn Young-joon)

O economista americano Thomas Schelling, que morreu em dezembro, recebeu o Prêmio Nobel em 2005 por estudos a respeito do comportamento colaborativo.

Mas também fez pesquisas essenciais em Teoria dos Jogos. É atribuída a ele a Teoria do Louco, um resultado útil para entender a atual crise entre Estados Unidos e Coreia do Norte.

Ao analisar a perspectiva de guerra nuclear com a União Soviética, nos anos 1960, Schelling chegou à conclusão de que a mera ameaça pode ser usada como arma para dissuadir o adversário. Ambos os lados sabem que não há vencedor num conflito nuclear.

Se um acredita genuinamente que o outro é capaz de iniciá-lo, pode ceder às demandas dele.

Um exemplo clássico envolve um jogo com duas pessoas acorrentadas à beira de um precipício, em que o prêmio será dado a quem convencer o outro a desistir.

Uma estratégia eficaz é começar a dançar perto da borda, de modo a fazer o rival acreditar que se está realmente disposto a cair. Assim que ele estiver convencido de que a motivação não é racional, cederá para sobreviver.

Mas a ameaça precisa ser crível, não pode ser considerada uma bravata. Para convencer o adversário da disposição em apertar o botão vermelho, basta parecer louco o bastante para isso – daí o nome da teoria.

A loucura (ou simulação de loucura) fornece uma vantagem estratégica numa escalada nuclear. Foi esse o princípio adotado no governo Richard Nixon para forçar o Vietã do Norte a negociar o fim da guerra nos anos 1970.

Entram em cena Kim Jong-un e Donald Trump. Não é preciso muito esforço para enxergar ao menos um pouco de insanidade em qualquer um deles.

Mas, enquanto as declarações de Trump soam como bravatas – “fogo e fúria como nunca se viu” –, Kim tem conseguido agir de modo a convencer a todos de que está realmente disposto a iniciar um conflito nuclear.

O resultado é que a Coreia do Norte já venceu em suas pretensões de expandir seus poderes. E isso nada tem a ver com o governo Trump. Há décadas as potências ocidentais, Rússia e China optaram por um caminho de diplomacia e sanções, incapazes de fazer os norte-coreanos recuar.

Os três ditadores da família Kim sempre estiveram dispostos a matar mais gente de fome ou em campos de concentração para garantir poder e recursos ao programa nuclear. Até que Kim Jong-un conseguiu. Com cinco testes nucleares no últimos anos, obteve uma ogiva que cabe num míssil intercontinental.

O Washington Post publicou que a Coreia do Norte já dispoõe de um estoque de 60 bombas nucleares, de acordo com informes da inteligência americana.

Kim ameaçou ontem testar seus mísseis – sem a carga atômica, mas nunca se sabe… – contra a base americana de Guam, no Pacífico. Analistas acreditam que ele esteja próximo também de obter uma bomba de hidrogênio, com um poder destrutivo centenas de vezes superior.

A estratégia de Kim funcionou porque ele soube simular seus resultados e suas intenções.

Enquanto todos acreditavam que os testes eram realizados com uma quantidade insuficiente de plutônio para provocar grandes estragos, os norte-coreanos saltavam um estágio na produção de bombas – de artefatos grandes, como os que atingiram Hiroshima e Nagasaki, para ogivas menores, que cabem nos mísseis.

“A decepção dos primeiros testes nucleares não foi resultado de incompetência, mas de ambição”, escreve Jeffrey Lewis na Foreign Policy. “Enquanto o mundo dava risada, eles estavam aprendendo –  e muito.”

Agora, as alternativas diante dos Estados Unidos se estreitaram. Há quem acredite na via diplomática para reduzir a tensão. Mas qualquer negociação teria de partir do reconhecimento da Coreia do Norte como potência nuclear – uma derrota para o Ocidente e uma ameaça para Japão e Coreia do Sul.

A outra alternativa é o conflito armado – parece ser essa a intenção expressa na ameaça de Trump. Ele afirmou ter reinvestido no arsenal nuclear americano, que disse estar “melhor do que nunca”.

A vantagem tecnológica dos Estados Unidos lhes permite interceptar os mísseis norte-coreanos no ar. Mas dá para garantir que todos seriam atingidos? Não. Impossível descartar o risco de uma bomba atômica em Guam, Seul ou Tóquio.

Em seus seis meses de governo, Trump já lançou 80% mais bombas do que o governo Obama todo o ano passado, na Síria e no Afeganistão – onde usou o artefato não nuclear de maior poder explosivo, a “mãe de todas as bombas”.

As baixas entre civis cresceram 67% no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período em 2016.

Enquanto amplia gastos militares, Trump promoveu um corte de 30% no Orçamento do Departamento de Estado, esvaziando esforços diplomáticos.

Até hoje, Foggy Bottom aguarda nomeações para postos-chaves em sua hierarquia. Não é um acaso que não parece emanar do governo nenhuma estratégia consistente para negociações.

O que nos traz de volta à Teoria do Louco. Kim pode parecer mais insano que Trump. Mas, até o momento, sua estratégia tem se revelado mais racional, justamente por ele ter convencido o mundo de sua loucura.

Trump faz de tudo para parecer louco – mas só consegue nos convencer de que, nas mãos de generais desorientados, não sabe como reagir.

Helio Gurovitz

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