Após quase 20 anos de negociações frustradas, finalmente uma convergência de fatores parece ter criado uma janela de oportunidade para um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE).
“É a primeira vez, em muitos anos, que há vontade política dos dois lados e também convicção de que não há barreiras de natureza técnica que não possam ser superadas”, afirmou o embaixador João Gomes Cravinho, chefe da delegação da União Europeia no Brasil, durante evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), nesta sexta-feira.
O objetivo do acordo é negociar redução de impostos alfandegários, fim de barreiras ao comércio de serviços e novas regras relacionadas a compras governamentais, procedimentos na alfândega, barreiras técnicas ao comércio e proteção à propriedade intelectual.
Assuntos sensíveis, como a exportação de produtos agrícolas brasileiros, especialmente após o escândalo da Operação Carne Fraca, ainda têm pontes a serem discutidos.
Otimistas, negociadores do acordo veem na atual virada protecionista norte-americana, e na necessidade europeia de ampliar o número de parceiros comerciais para evitar uma ressaca econômica pós-Brexit, o estímulo perfeito para tirar o papel os planos de um tratado entre os blocos, uma negociação que se arrasta há anos.
Por isso, Mercosul e União Europeia têm pressa e trabalham para fechar o acordo político ainda no final deste ano. Pelo menos mais dois anos serão necessários para que as arestas sejam sanadas e o acordo seja ratificado pelos parlamentos de cada bloco, bem como pelos parlamentos nacionais.
Na prática, caso as expectativas mais otimistas se realizem, o acordo pode entrar em fase de implementação em 2019. O prazo para a entrada em vigor total das tarifas, no entanto, pode demorar 20 anos, afirma Paula Aguiar Barboza, chefe da divisão de negociações comerciais com Europa e América do Norte do Itamaraty.
A dúvida francesa
Do outro lado do Atlântico, o tema do acordo não desperta tanto entusiasmo, por exemplo, no atual Governo francês, prestes a deixar o poder. A avaliação da gestão François Hollande, no fim de março, era a de que dificilmente a negociação será exitosa enquanto Michel Temer ainda estiver no poder.
O tempo de pouco mais de um ano e meio seria curto demais para dirimir os pontos que ainda faltam ser negociados, levando em conta a munição recente contrária por causa do escândalo da carne no Brasil e, em especial, o clima político na Europa.
Mesmo que Emmanuel Macron vença, o que, em tese, não acarretaria nenhuma guinada na política externa atual, a percepção é a de que uma faixa expressiva do eleitorado, em torno de 40%, somados os votantes à esquerda e à direita, terá dado um “não” contundente às políticas de livre comércio, algo difícil de ignorar.
Ainda que não seja um negociador direto – tudo é concentrado no representante da União Europeia -, a palavra da França tem peso. Além de segunda economia do bloco (sem o Reino Unido), tem sensibilidade aguda para comércio de produtos agropecuários, o tema mais sensível para a realização do acordo com o Mercosul.
O embaixador brasileiro na França, Paulo de Oliveira Campos, considera isolado o diagnóstico mais sombrio traçado nos bastidores pela gestão francesa. “O que nós sabemos é que a mais recente rodada de negociação do acordo com a União Europeia em Buenos Aires foi animadora”, disse Campos.
O representante da UE no Brasil, Cravinho, também não concorda com o coro dos pessimistas. Porém, ele adota um tom realista ao falar da situação da França.
“Domingo teremos o segundo turno na França, em que concorre uma candidata [Marine Le Pen] que representa a extrema direita antiglobalista, forças que não vemos na Europa há 60, 70 anos.
Não tenho expectativa de que ela vá vingar, porém na hipótese que ela ganhe, o acordo EU-Mercosul será a última de nossas preocupações”, disse. Para ele, uma vitória da líder da Frente Nacional, com seu discurso eurofóbico, seria um “um perigo para a França, para a Europa e para o mundo”.
APÓS ESCÂNDALO, FISCAIS EUROPEUS ANTECIPAM VISTORIA DE FRIGORÍFICOS
A Operação Carne Fraca, que desvendou em março um esquema corrupto entre fiscais e frigoríficos para burlar controles sanitários, por pouco não deu um banho de água fria nos negociadores.
O embaixador da UE João Cravinho afirma que o assunto não está encerrado, mas há menos ruídos hoje em dia. Dos 21 frigoríficos apontados no esquema, apenas quatro exportavam para a União Europeia, e todos eles tiveram suas operações interditadas pelo Ministério da Agricultura.
Por isso, foi antecipado uma missão de fiscalização, que regularmente deveria ser realizada apenas no final do ano.
Desde o dia 2 de maio no Brasil, os fiscais europeus ficarão até o próximo dia 12 inspecionando uma amostragem de frigoríficos nacionais. “A preocupação da União Europeia não é com casos pontuais, mas sim verificar se a teoria corresponde a prática no sistema de controle sanitário brasileiro”, afirma alerta Cravinho. Atualmente, a UE também negocia acordos com Austrália, Coreia do Sul, Canadá e Japão.
Mas essa janela pode não ficar aberta por muito tempo. O avanço lento, mas constante, dos nacionalismos europeus, somado às incertezas políticas no Brasil, ainda podem colocar tudo a perder. “Otimismo não é sinônimo de garantia”, alerta Cravinho. Atualmente, a UE também negocia acordos com Austrália, Coreia do Sul, Canadá e Japão.
REGIANE OLIVEIRA e FLÁVIA MARREIRO