Após intensa disputa, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, na tarde de quarta-feira (27), a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 164/2012, que acaba com a possibilidade de aborto legal no país.
A disputa mais uma vez dividiu membros da direita – especialmente do segmento bolsonarista – e da esquerda, terminando com um placar de 35 votos favoráveis à medida e 15 contrários.
O resultado traduz a configuração de forças do colegiado, que está sob a regência da deputada Caroline De Toni (PL-SC) e tem maioria de parlamentares aliados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
As bancadas das siglas PL, União Brasil, Republicanos e Podemos votaram integralmente a favor do texto, enquanto houve dissidência entre os membros do PSD, do MDB e do PRD.
Houve divisão até mesmo dentro da federação PT-PCdoB-PV, que registrou nove votos contrários ao texto e um favorável, sente este do deputado Flávio Nogueira (PT-PI).
Os parlamentares do Psol e o deputado Waldemar Oliveira (Avante-PE) votaram contra a proposta. O texto chancelado pela comissão é o parecer da relatora, Chris Tonietto (PL-RJ), que defendeu a aprovação integral do texto.
A análise da CCJ é uma averiguação preliminar para tratar da admissibilidade jurídica da proposta.
Por isso, embora o tema tenha despertado acirramentos ideológicos e debates de conteúdo desde o primeiro momento, a votação de quarta não inclui avaliação de mérito.
“Não se vislumbram quaisquer incompatibilidades entre a alteração que se pretende realizar e os demais princípios e regras fundamentais que alicerçam a Constituição vigente e nosso ordenamento jurídico.
Portanto, entendemos não haver quaisquer óbices constitucionais para a regular tramitação da referida proposição pelas casas legislativas”, disse a relatora, em seu voto.
A PEC altera o artigo 5º da Constituição Federal para fixar o direito à “inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”, o que inviabiliza a interrupção da gravidez nos casos já autorizados no Brasil, que são aqueles em que há risco de vida para a gestante, fetos anencéfalos ou gravidez após violência sexual.
A proposta foi alvo de duras críticas ao longo de horas seguidas de debates na comissão, temperados ainda por um protesto de um grupo de feministas que terminaram expulsas do plenário por determinação de Caroline De Toni.
A iniciativa da bolsonarista acabou estimulando novas faíscas, desta vez do lado de fora do colegiado, onde as manifestantes expulsas se concentraram na sequência.
Jornalistas também tiveram dificuldade de acessar o espaço depois do episódio porque a Polícia Legislativa proibiu a circulação na porta do plenário.
“Querem uma reunião secreta, na qual nem a imprensa pode entrar. Querem esconder o quê?”, protestou Erika Kokay (PT-DF).
“Os membros da imprensa já estão entrando e os manifestantes só não estão presentes porque não respeitaram [o momento].
Nós havíamos restringindo a entrada de manifestantes, no entanto, muitos desses manifestantes foram trazidos por membros da comissão, causando o tumulto”, respondeu Caroline De Toni.
Debate
O deputado Bacelar (PV-BA) havia apresentado, no último dia 18, um voto em separado para demarcar posição contrária à do relatório de Chris Tonietto (PL-RJ).
Esse tipo de documento significa, na prática, uma manifestação alternativa e pode ser apresentado por qualquer membro da comissão. No texto, Bacelar aponta que a PEC 164 tem inconstitucionalidades, entre elas o fato de atacar os direitos e garantias individuais por desconsiderar a posição das mulheres diante de gestações indesejadas.
Ele reforçou o posicionamento durante o debate do texto na quarta.
“Ao desconsiderar o impacto de uma gestão na vida da mulher e dar primazia absoluta ao embrião ou feto, a proposta negligencia o fato de que muitas mulheres arriscariam as suas próprias vidas se obrigadas a continuarem uma gravidez de alto risco.
Portanto, a proposta de proibir o aborto em quaisquer circunstâncias é incompatível com os princípios constitucionais que garantem a dignidade da pessoa humana, a igualdade e os direitos fundamentais”.
Deputada constituinte em 1987 e uma das veteranas do Congresso Nacional, a deputada Lídice Da Mata (PSB-BA) também criticou o texto.
“O Código Penal de 1940 já mostrava mais sensibilidade às dores das mulheres e dos seres humanos do nosso país do que muitos deputados e deputadas mostram aqui hoje se dizendo modernos.
Uma criança, uma mulher, mesmo adulta, que seja estuprada com deficiência mental ou mesmo uma cadeirante não ter o direito de decidir se pode e deve continuar com uma gravidez é realmente uma falta de misericórdia com a vida desta pessoa.
Nós não defendemos que alguém seja obrigado a abortar. Defendemos que seja dado o direito a essa mulher de abortar, que ela tenha sua dignidade assegurada em casos muito especiais.”
Com a aprovação da PEC 164/2012 pela CCJ, o texto precisa agora ter o mérito avaliado por uma comissão especial a ser instaurada por meio de despacho da presidência da Casa.
Se aprovada pelo colegiado, a proposta precisa passar por dois turnos diferentes de votação no plenário, onde carece de pelo menos 308 votos para seguir adiante.
Cristiane Sampaio