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A concordância exigia respeito ao jogo e às regras. Mas não deu certo porque há os que não sabem perder

Luis Pimentel

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Mas logo, logo muitos deuses foram inventados, e a bagunça começou. Deus fez todas as coisas. Fez o céu, a terra, e até a Câmara dos Deputados. Por ali passaram homens bons e ruins, até o dia em que o comando da Casa caiu no colo de um vendilhão dos templos.

Aí Deus lavou as mãos, porque ninguém é de ferro.
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No princípio era o Verbo. O Verbo se fez carne, mas ainda não valia comer o outro vivo (a não ser no sentido bíblico), nem xingar a mãe, e podíamos livremente defender qualquer ponto de vista; até mesmo a permanência do Dunga. Mas tudo foi pro espaço quando o Verbo foi confundido com verborragia.
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No princípio era o verbo, doar-se absoluto, o eterno enigma, fazer e desfazer e refazer as criaturas.
No princípio o amor, os cães sem dono, a terra tida e prometida de silêncios e quereres acreditar em todas as coisas.
Então, o filho foi levado ao alto mais alto do monte e ouviu do pai, ouro nos dentes, a profecia infame e infamante:
– Um dia, tudo isto será teu!
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No princípio era o Verbo, e com ele a exigência da concordância (adjetivos pomposos e substantivos cretinos só vieram mais tarde). A concordância exigia respeito ao jogo e às suas regras. Mas não deu certo porque, infelizmente, desde o início dos tempos há indivíduos que não sabem perder.

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“Visitante – A senhora está cansada?
Professora – Muito.
Visitante – A senhora já é muito velha?
Professora – Muito. Muito velha.
Visitante – A senhora era nova quando a escola era nova?
Professora – A escola já era muito velha quando eu ainda era nova.
Visitante – E agora?
Professora – Agora chega. Eu preciso morrer.
Visitante – E a escola? Vai morrer junto?
Professora – Não. Vai continuar envelhecendo. Vá para o seu lugar, meu filho.”
Da peça “Aurora da minha vida”, de Naum Alves de Souza, o grande dramaturgo que perdemos esta semana.

Luis Pimentel

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