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“A literatura quebra fronteiras”

Ungulani escreveu quase dez livros e se aventurou também pela literatura infantil

Ungulani faz 61 anos em 2018, escreveu quase dez livros e se aventurou pela literatura infantil. Em 2016, esteve no Brasil para o lançamento de seu incrível Orgia dos loucos, lançado pela Editora Kapulana, onde a entrevista de quase uma hora de troca de experiências e ensinamentos gigantes aconteceu.

Moçambique conquistou sua independência num passado bastante próximo – 1975 – e as artes, especialmente a literatura, foram importantíssimas para a revolução (Ungulani cita a maravilhosa Noémia de Sousa).

Ainda hoje é um país com grandíssimas discrepâncias entre o campo e a cidade, diferenças essas que ele explora em seu lançamento por nossas terras – embora Orgia dos loucos tenha sido publicada originalmente em 1990. Nele, o campo é quase um personagem, cenário árduo e sudorento dos histórias doloridas, cruéis, cruas. “A literatura tem que estar ligada a uma realidade cultural forte”, ele declara.

É assim mesmo que ele nos fala sobre violência, morte, pobreza. Aliás, fala talvez não seja o verbo certo: ele mostra, com imagens fortes, linguagem em sincronia perfeita com o tema, personagens pungentes e descrições certeiras e arrebatadoras.

O segundo conto do livro – e o meu favorito – explora com maestria a violência contra mulher, o que, saído de um escritor homem, é um tremendo elogio. O livro é curto, mas não é daqueles que devemos ler com rapidez: é preciso pensá-lo com calma.

Segundo o Ungulani, mesmo com escritores fortíssimos saídos de lá – Suleiman Cassamo e Aldino Muianga, por exemplo, ambos publicados no Brasil pela Editora Kapulana – o povo do país ainda sofre do “complexo de vira-lata”. Ele conta que ouviu o termo pela primeira vez em São Paulo e que ele é perfeitamente adequado para aquela realidade também.

Voltando ao nosso país, ele diz apreciar literatura brasileira, mas conhecer pouco. Em Moçambique, não existe acesso à literatura brasileira contemporânea, e os autores que chegam lá são os que já estão mortos.

Para ele, isso é motivo de muita tristeza. E faz uma provocação: percebe que mesmo no Brasil não existe muita comunicação entre as produções literárias regionais, que poucas vezes extrapolam os limites geográficos. Em geral, são autores do eixo Rio-São Paulo que conseguem atenção. Mas garante: “a literatura quebra fronteiras”.

A gente concorda.

Clarissa Wolff

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