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Crítico italiano Franco Moretti narra história da cultura burguesa

“Nos Estados Unidos, a maioria da população está convencida -não, ela sabe’- que a Bíblia é correta e Darwin, errado: o capitalismo necessita da ciência para os seus fins produtivos, mas não tem afinidade particular com a mentalidade científica.”

 

A afirmação foi feita à Folha pelo crítico italiano Franco Moretti em entrevista sobre o lançamento no Brasil de seu livro, “O Burguês – Entre a História e a Literatura”.

 

Professor da Universidade Stanford (EUA), Moretti narra a ascensão e decadência da cultura burguesa no período que vai do romance “Robinson Crusoé”, de Daniel Defoe (1660-1731), ao “ciclo realista” de peças do norueguês Henrik Ibsen (1828-1906).

 

No caminho, passa por Machado de Assis (1839-1908) e por uma interlocução com o crítico Roberto Schwarz.

 

Folha – Por que contar a história do burguês hoje?

 

Franco Moretti – Pensar sobre o velho tipo burguês pode ser um meio de dizer que o capitalismo nem sempre e nem somente é aquilo que vemos diante de nossos olhos.

 

Como um conceito tradicional como “eficiência” se torna uma palavra-chave da racionalidade capitalista?

 

A maioria das palavras-chave da vida burguesa existiram ao longo dos séculos, embora com significados diferentes. Da Idade Média em diante, “eficiência” indicava a pura e simples capacidade de fazer alguma coisa; foi apenas em meados do século 19 que ela se converteu na capacidade de fazer algo sem gastar tempo ou esforço.

 

Que importância tem para você a análise de Roberto Schwarz sobre as “ideias fora do lugar” e a persistência da escravidão?

 

Os profundos estudos de Schwarz sobre Machado de Assis são, para mim, o modelo de como abordar a burguesia fora do pequeno enclave geográfico de Holanda, Inglaterra, França e norte da Alemanha.

 

As grandes figuras burguesas que emergem de romances italianos, poloneses, espanhóis e russos estão mais próximas dos personagens de Machado do que dos de Goethe ou Balzac.

 

A escravidão está “fora do lugar” na cultura burguesa, mas ao mesmo tempo é necessária para o imperialismo burguês: é essa duplicidade que a obra de Schwarz me ajudou a entender.

 

Como o uso dos adjetivos marca um recuo dos valores burgueses no período vitoriano?

 

Os adjetivos vitorianos adicionam uma camada moral à atividade econômica capitalista, ou ao comportamento burguês em geral.

 

O que o advento do “gentleman” representa na história do burguês?

 

Incapaz de governar, e procurando aliados para defender os seus lucros, a burguesia inglesa optou pela tutela política e cultural da velha aristocracia. 

 

O “gentleman” -o “gentleman” cristão, que foi a versão vitoriana dominante de sua figura- foi o resultado desse compromisso e subordinação.

 

Pode-se dizer que o burguês é uma dissonância não resolvida do capitalismo?

 

Os milhões que perdem os seus empregos e suas casas por causa da crise financeira, as pessoas que têm de trabalhar mais e mais para ter cada vez menos essas são as dissonâncias não resolvidas do capitalismo.

 

O burguês pode ser visto como uma tentativa de resolver a dissonância do capitalismo. A tentativa foi bem-sucedida, em meio continente, por meio século. Agora, acabou.       

Fonte: SIDNEY MOLINA

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