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Mulher presa por tráfico se ‘apaixona’ por literatura e passa a escrever poemas

Apenada escreve poesia em presídiod e Vilhena (Foto: Ricardo Araújo/Rede Amazônica)

Uma apenada do presídio feminino de Vilhena (RO), na região do Cone Sul do estado, decidiu investir na produção de poesias enquanto cumpre pena por tráfico de drogas. Em entrevista  a mulher contou que durante as aulas na cadeia se “apaixonou” pela literatura e agora sonha concluir o ensino médio para fazer uma graduação.

“Eu ainda vivo porque tenho sonhos e cada vez que eu leio um livro e venho para a escola, eles aumentam”, diz a detenta.

O contato com a arte surgiu através das professoras do presídio. Como muitas outras detentas, inicialmente, a mulher, que prefere não se identificar, matriculou-se na escola da cadeia atraída pela possibilidade de redução da pena.

Porém, ao ler livros indicados pelas educadoras como Machado de Assis e Clarice Lispector, se surpreendeu ao gostar e conta que quanto mais lia, mas seu olhar sobre o mundo alterava. Passou, então, a crer que poderia virar a página da própria história através da educação.

“Eu era dependente químico e não tinha estrutura nenhuma pra ir para a escola. E vou ser bem sincera: se não estivesse presa, não voltaria a estudar. O vício faz isso com a gente. Acaba com a nossa cabeça. Mas por causa das professoras, eu passei a ler, fazer resenhas, me esforçar. Quero ser um exemplo de pessoa para os meus filhos e mostrar que eu errei, mas que tentei e mudei para melhor”, declara.

Da infância até a vida adulta da mulher nada foi fácil. Ela cresceu vendo os pais e outros familiares serem presos, viciou em drogas, viveu por muito tempo nas ruas e acabou afastada dos filhos de 7, 13 e 16 anos.

A detenta foi presa várias vezes pelo mesmo crime. A última detenção aconteceu em 2016, depois de a polícia encontrar maconha e cocaína na casa dela. Pelo delito, a presidiária foi condenada a cinco anos de prisão em regime inicial fechado.

A professora do presídio, Liceia Aparecida de Oliveira, relembra que quando a presidiária começou a participar das aulas praticamente se tornou outra pessoa.

“Desde a aparência ao comportamento. Ela chegou aqui esquelética, irreconhecível. Depois de um tempo, foi se libertando de vez das consequências das drogas e mostrou seu lado extrovertido, inteligente, e de liderança também. Para nós, isso é muito importante. Mostra que nosso trabalho pode transformar”, afirma.

Em um de seus poemas, a detenta fala sobre as celas que a libertaram das drogas e, ao mesmo tempo, se mantiveram a afastando de seus filhos.

O número exato de poesias de sua autoria ela não sabe informar, mas garante que já escreveu mais de dez somente este ano.

Educação no presídio

De segunda a sexta-feira, durante duas horas por dia, a detenta e outras 20 presas se dedicam a disciplinas como física e português. Elas estudam em uma sala ampla com todos os elementos encontrados em uma escola tradicional. Se não fosse pela grade nas portas, não haveria grandes diferenças perceptíveis.

As aulas do ensino fundamental são de responsabilidade da rede municipal. Já o ensino médio, é de incumbência do estado.

“Para cada 12h aula, a pena cai um dia. É um trabalho muito desafiador. A gente procura mostrar que não é só a questão da redução da pena. Procuramos fazer com que elas percebam que o conhecimento que podem estar adquirindo ninguém tira, e é a única coisa que gera mudança de vida”, diz a coordenadora do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) da cadeia, Francisca Luciana de Oliveira.

Neste mês de dezembro, conforme a direção do presídio, das 38 mulheres que estão em regime fechado, aproximadamente 55% irão prestar a prova do Encceja, na intenção de conseguirem o diploma do ensino médio.

Sonho realizado

Em janeiro de 2017, uma presidiária de 42 anos, que voltou a estudar no local e concluiu o ensino médio, passou no vestibular de uma faculdade particular e recebeu bolsa integral para cursar psicologia.

A Justiça concedeu que Sandra Valéria Goes participasse das aulas ainda na cadeia. Em maio, ela foi transferida para o regime semiaberto, onde foi permitido que saísse para estudar e retornasse para o albergue. Depois, passou a usar tornozeleira eletrônica até outubro, pois terminou de cumprir a sentença.

Em liberdade, Sandra continuou os estudos e já está no segundo período de psicologia.

“Eu jamais vou esquecer das pessoas que me ajudaram a voltar para a sociedade. Inclusive, recentemente, apresentei na faculdade um trabalho de antropologia sobre como viver em uma comunidade entre quatro paredes.

Não quero mais voltar a cometer os mesmos erros. Isso ficou no passado. Hoje só tenho a agradecer tudo que fizeram por mim e pela oportunidade que me deram”, diz a universitária.

Aline Lopes

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