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  NÃO FOI UM DOMINGO QUALQUER/por Antonio Brito

Antonio Brito e Vinícius Barros

O cara é recifense, mora no Rio de Janeiro e vem à Bahia. Tudo então de boa. Frevo/samba/axé nunca deram bolas pra relógio londrino.

Os que são dessa seara, se têm concepção de mundo civilizada visitam-se sem protocolos, permitem-se a arrepios em sentimentos mais autênticos, sem apelos ao pico de emoções à dèja vu.

Axé pra quem é de axé, exu pra quem é de exu. E tudo bem. Então o nosso encontro foi muito especial. Entre entes afinados pela “filosofia da práxis” (tu vives, Gramsci) entes que se conhecem apenas por troca de notícias recíprocas em ondas de hi-fi também pode nelas realizarem uma confiança absurdamente legítima.

Conhecimento melhor porque determinado por acasos seqüenciais que produziram um encontro muito acima daquele “pra inglês ver”. Pra chegar a isso, tivemos a mediação midiática (ô preço extorsivo) do Feicebuque (tô contigo, Mario Quintana: ‘trato bem a minha língua, a dos gringos uso a meu modo’).

Na sua chegada mirei sorrindo nos 20 janeiros de Vinicius Barros, na mente as décadas que separam o nosso tempo de vida… Mas e daí?

No meio desse calendário Drummond não colocaria aquela pedra, nem Trump ergueria nenhum muro. Estava ali eu que respirei o mesmo ar respirado por Hitler (ator da ideologia alemã), diante de Vinicius que nasceu ontem, que inala as ondas eletrônicas da Geração Z, sua e da galerinha dos zóio e zuvido pregados no zap todinha tocada a dedos digitais. Pai-d’égua, né?

O que um domingo de fevereiro acasional não faz! O nosso, no dia 12 pautou o que quis. Deixou fluir a cadeia do conhecimento entre gerações tão descoladas, mas ligadas na contemporaneidade de uma conjuntura econômico-social que se arrasta inconclusa desde muito antes, desde o fim do Feudalismo ou início do Mercantilismo…

Interessante é que não conspiramos, explicitamente não. De tática e estratégia não ouvi, nem disse… (Miniiiino! Escapamos das tais “divergências de fundo” com que a esquerda é mestra histórica em dispersar forças… huahuahua… Óia, deixa isso pra lá, viu!)

Nosso diálogo foi de uma amabilidade fantástica. Todas as nossas contas fecharam. Parece que estava presente a teoria da negação da negação sintetizando qualquer eventual contradição em unidade. E tivemos uma tarde de domingo de sol em que o meu tempo de 2ª Guerra Mundial dialogou com esse tempo de Vinícius Barros , que asseguro ser o de início da Era da Barbárie (e quem quiser que responda se o imperialismo se permitirá a redistribuir renda doravante).

Vinicius véi, eis aí tema pra atritos políticos… Risos, risos…

Eu anfitrião, ele visitante, não volvi à uma juventude fictícia nem ele se fez de envelhecido. Nosso dialeto tocou o barco como se navegasse nas águas de uma camaradagem antiiiga…

Camaçari não ouviu foi porque não quis dos papos variados em mensurações curiosas, às vezes sérias, às vezes geeks e quem sabe nerds talvez.

Rolaram recortes futuristas, encantos/desencantos, fenômenos paranormais, o diabo a quatro. Passeamos tanto pelo Saara do centro do Rio, pelo Dops e até rejeitamos o caro fast-food do ‘Café Colombo’.

Na Cinelândia vimos o Amarelinho como clássico; do Vermelhinho e do Verdinho, só saudades.

Daí a opinarmos sobre Jorge Luis Borges e Fernando Pessoa foi um pulo, os dois razoavelmente apreciados por Vinicius; para mim direitosos os dois, tais e quais o Rilke e o Kafka que os acrescento agora.

(Também só agora manifesto que os quatro, e tantos outros, são artistas fenomenais do pensamento e criação literária, ora se são!

Poréééém, a serviço de que, de quem?

Arte pela arte?

Há controvérsia nisso, sei, mas só quero dizer que virtuoses são na-tu-ral-men-te bem vindas, desde que saibamos identificar como o seu papel é jogado e repercutido no social…

Sou radical, será?

Nem tanto, tanto que lamento não termos lembrado de Walter Benjamin, uma marxista não orgânico respeitável, não sobreviveu ao nazismo germânico e não sei se, na URSS, sobreviveria aos primeiros tempos do camarada Stálin.

O judeu era feito de fibras intelectuais raras demais para escapar de “tempo de decisão”).

Viajamos por interiores do sertão nordestino, molhamos pés no Velho Chico, revivemos sagas insuspeitadas de organizações clandestinas encravadas em vilarejos mambembes pouco habitados lá nos idos de 1969.

Claro que o Gabo foi lembrado e os Cem anos de Revolução Russa não, mas o Comandante Che Guevara foi suscitado! Cara, juro que na tua chegada olhei na tua viola bonitona, com pinta de guitarra de banda inglesa e… “Ah, essa aí é do desejo de aprender…”, Pensei num teclado Yamaha que eu tinha e nem eu aguentava me ouvir…

No fim da tarde, início de noite de repente olho a viola dedilhada gostosamente! Letra e musica tuas! Que parada! Cê nem sentiu que ao parar de tocar eu estava sem fôlego, man.

Você parou sem aviso, tínhamos que mudar de ambiente e passamos a trocar brindes (fiquei com o livro “Um Punhado de Cultura Popular”, da autoria do seu tio Bule-Bule, e você ficou com as 40 páginas de “Teses sobre a linha sindical da Refundação Comunista”) e acredite durante a troca eu ainda viajava no jeito tecnicamente jeitoso de usar os dedos para tirar som das cordas… Nada geniaaaal, é que queria apreciar mais…

Cara, não há hiato entre gerações se a concepção de mundo tem base na mesma filosofia. Constato pela enésima vez. O tempo fica curto pra digressões e camaradagens unitárias, necessárias, que não contemplamos a não ser na implicitude de identidades culturais e ideológicas.

E o tempo fez nosso vôo seguir e pousar no rango do “Ferro Velho Defumê”- quem diria ser esse o nome de fantasia de um restaurante moderno, caprichado, decorado com peças industriais, tema vocacional de Camaçari, pólo petroquímico sem igual na América do Sul.

Porra, será que incorporei o bairrismo camaçariense… Quem diria desse local de comes & bebes ter palco interno e mesa de xadrez? Pois nele os irmãos Paulo Azevedo e Pedro nos ofereceram petisco especial.

Ambos seus primos, mais que de gourmet elaborado, são artistas, filhos do famoso Bule-Bule cantador, repentista, trovador, cordelista, poeta, violeiro… Cronista do cotidiano.

Tá no livro que ele é um “Doutorado Caboclo”, pelo que ele escreve, inverto o título, ele é um caboclo doutorado. Minha primeira notícia de Bule-Bule, teu tio, vem duns 35 anos atrás, quando o amigo Gerinaldo Costa Alves o destacava e à dupla Dadinho e Caboquinho como “os bons de viola e repente” na região de Feira de Santana.

Antonio Brito

(saudades do amigo, irmão, fiel comunista e membro da Academia Feirense de Letras, faleceu em maio de 2019)

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