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Polêmica da simplificação de clássicos da literatura chega às escolas

 Queridos pelos professores, Machado de Assis e José de Alencar não são autores de cabeceira para a maioria dos alunos. A dificuldade de entender obras clássicas, seja pela linguagem ou complexidade das tramas, reaviva o debate sobre o uso de adaptações literárias nas escolas. Embora a ideia das versões seja incentivar a leitura entre crianças e adolescentes, especialistas se preocupam com o empobrecimento dos textos.

Na semana passada foi alvo de críticas o projeto da escritora Patrícia Engel Secco, que teve apoio da Lei de Incentivo à Cultura para adaptar obras de Machado de Assis para uma linguagem atual. Um dos exemplos, que acirrou ânimos nas redes sociais, foi a troca da palavra “sagacidade” por “esperteza”, de compreensão mais fácil. A polêmica, entretanto, não é novidade nas escolas.

Iuri Pereira, professor de Literatura do Colégio Equipe, em Higienópolis, na região central de São Paulo, é contrário às adaptações. “Geralmente a mudança reduz, simplifica a obra”, diz. “E o mais difícil de Machado, por exemplo, não é a linguagem, mas os temas, que são próprios da maturidade.” Segundo ele, uma estratégia para abordá-lo com os mais novos é usar textos menores, como os contos. 

Para a aluna do 3º ano do Equipe Marina Klautau, a aversão aos livros clássicos está ligada às exigências do vestibular. “Muitos colegas acabam mais preocupados em buscar análises sobre o livro do que em ler. Eles se concentram no que é cobrado na prova”, lamenta ela, de 16 anos. “A leitura é tratada como obrigação.”

Outra barreira nos originais, segundo Marina, é o vocabulário. “Para algumas palavras, tenho de procurar o significado. Mas isso não faz com que eu perca o interesse nos livros. Geralmente as pessoas se desmotivam pelas dificuldades de entender a linguagem”, relata.

Evolução

A visita constante ao dicionário, no entanto, pode ser proveitosa. É o que garante Pedro Souza, alunodo 9º ano do ensino fundamental da escola bilíngue Stance Dual, na Bela Vista região central de São Paulo. “Às vezes uma palavra desconhecida prejudica o ritmo de leitura, mas é bom para melhorar o vocabulário. Isso você não tem no livro adaptado”, diz o adolescente, de 14 anos.

Incentivado pelos pais professores, Pedro já se aventurou além dos tradicionais Machado de Assis e Monteiro Lobato e buscou até clássicos estrangeiros. Entre os colegas, porém, o gosto pelas bibliotecas não é o mesmo e a maioria prefere versões mais simples. “Muitos na turma reclamam de textos longos”, diz. “Buscam na internet resumos e até aplicativos que fazem a leitura do livro em voz alta.”

A cobrança, afirma o professor de Língua Portuguesa André Oliveira, deve seguir o nível de maturidade da classe. “Depende da idade do aluno, que deve ter repertório para entender a obra” alerta ele, que dá aulas no Colégio Ofélia Fonseca, em Higienópolis, no centro. Segundo Oliveira, o cuidado é escolher adaptações que não descaracterizem os originais. “Uma boa versão em quadrinhos, por exemplo, serve como estímulo para ler o clássico.”

Dificuldades

Vera Bastazin, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Literatura e Crítica Literária da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), diz acreditar que o uso excessivo de versões revela a falta de intimidade dos professores com os clássicos. “A adaptação, muitas vezes, não é para o aluno, mas para quem dá aulas. A maioria dos professores não tem preparo e hábito de leitura”, alerta. 

Outro problema, segundo ela, é que há muitos projetos de governo que usam as adaptações com visão simplista. “Ao reduzir o tamanho e facilitar a obra, entende-se que todo mundo vai gostar de ler. Isso é uma ilusão.”

Fonte: Uai/ Harlene Teixeira/ Foto: web.

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