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Raça, classe e Revolução

Comentário acerca do livro recém-lançado, coletânea sobre “a luta pelo Poder Popular nos Estados Unidos”.

Essa coleção de textos de revolucionários norte-americanos dos anos 1960-1970 sobre raça, classe e revolução, organizada por Jones Manoel e Gabriel Landi, faz uma importante contribuição à História dos Estados Unidos no Brasil.

Traduz para português e reúne numerosos artigos do jornal dos Panteras Negras, O Pantera Negra, um artigo recente sobre a Coalizão Arco-Íris (uma aliança entre os Panteras, os movimento latinos e trabalhadores brancos), seis contribuições do movimento chicano e porto-riquenho, três documentos do movimento de americanos asiáticos, um panfleto, artigo e recente entrevista sobre os Jovens Patriotas (militantes trabalhadores brancos) e dois textos do movimento indígena.

Fornece um bom panorama das posições dos diversos movimentos da época em relação às questões de raça e classe. As notas de rodapé explicam termos, pessoas e eventos desconhecidos para leitores brasileiros. O livro será bastante útil para militantes da esquerda e professores de História dos Estados Unidos no Brasil.

O que deixa a desejar na coleção é o enorme prefácio de 70 páginas de Manoel e Landi. O que se espera numa apresentação de uma coleção desse tipo é uma introdução aos textos, os situando no contexto da época e na literatura existente sobre esses movimentos.

Afinal, já existe uma literatura muito ampla, especialmente sobre a luta negra, que discute as origens desses movimentos, suas ideias, debates na esquerda, discussões internas e os problemas que enfrentaram.

Porém, ao invés disso, os organizadores ficam fixados em seus projetos políticos atuais, especialmente os debates em torno do liberalismo e a crítica de Hannah Arendt por Domenico Losurdo.

Esse assunto pode até ser discutido – Arendt escreveu uns textos racistas sobre negros nos Estados Unidos –, mas isto acaba dominando o texto. Há 19 citações de Losurdo e 25 de Arendt nas notas de rodapé no prefácio, mas só seis de W.E.B. Du Bois e uma de Angela Davis sem falar da ausência total de especialistas sobre o período e os movimentos como Manning Marable, Peniel Joseph, Joshua Bloom, Waldo E. Martin Jr., Ahmed Shawki e Keeanga-Yamahtta Taylor, para mencionar só alguns estudiosos.

O que pauta a historiografia desses movimentos sociais na década de 1960 nos Estados Unidos não é o liberalismo de Hannah Arendt, mas questões mais amplas sobre marxismo, economia política, estratégia e tática nos movimentos e a esquerda como um todo – questões que os autores acima tratam em detalhe.

Interessantemente, também não há textos da League of Revolutionary Black Workers, uma organização independente de base entre trabalhadores negros das fábricas automobilísticas de Detroit que organizou várias greves bem sucedidas em 1968-1969.

Além da influência do chamado marxismo-leninismo (maoismo e comunismo stalinista) na League, houve também na organização correntes de pensamento do Pan-Africanismo de CLR James e do marxismo humanista de Raya Dunayevskaya, Grace Lee Boggs e James Boggs (todos moradores de Detroit).

Finalmente, não há nenhuma referência aos estudos e traduções para português já feitos nos últimos anos por brasileiros sobre esses movimentos.

Combinado com uma leitura mais ampla de fontes secundárias, porém, essa coleção é mais que bem-vinda. Isto é particularmente importante no momento atual como surgimento de Black Lives Matter nos Estados Unidos e a atuação central de movimentos antirracistas e sociais no Brasil.

*Sean Purdy é professor de história dos Estados Unidos no Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP).

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