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A política ambiental brasileira está no fundo do poço

Fogo no pantanal - a política ambiental no Brasil chegou ao fundo do poço

Dizendo hoje, parece até inacreditável. Mas houve uma época que o desmatamento da Amazônia caiu 83%. E não faz muito tempo: a queda recorde na devastação do bioma que ocupa metade do território brasileiro foi entre 2004 e 2012.

A explicação para esse resultado foi um conjunto de ações implementadas pelo governo federal, que acabaram virando política de Estado.

É quase uma receita de bolo: criar novas áreas ambientalmente protegidas, estimular atividades econômicas que mantêm a floresta em pé e fazer o monitoramento e a fiscalização dos territórios.

Esse modelo sobreviveu a três presidentes da República e cinco ministros do Meio Ambiente. Mas teve um mandatário que fez tudo ao contrário: o presidente Jair Bolsonaro (PL).

Não é como se, antes de Bolsonaro, o Brasil não desmatasse ou não tivesse falhas graves em questões socioambientais.

Mas os mesmos ambientalistas do Brasil e do mundo que criticavam governos anteriores, hoje são praticamente unânimes ao dizer: a política ambiental brasileira está no fundo do poço.

Qual é a responsabilidade de Bolsonaro nesse cenário que ameaça as populações tradicionais que vivem nos biomas, a biodiversidade e a vida no planeta terra.

Logo de cara, o primeiro ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro foi Ricardo Salles, o ministro da “boiada”.

Mas, antes de definir dessa forma a política ambiental do governo Bolsonaro, Salles já tinha agido para garantir que a boiada passasse.

A receita de bolo que derrubou o desmatamento da Amazônia tem um nome muito conhecido entre os ambientalistas: é o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm).

A primeira medida do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi justamente extinguir a secretaria que cuidava do PPCDAm dentro do Ministério.

A mesma coisa aconteceu com o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado).

Outra decisão tomada logo de cara por Salles foi a extinção das comissões executivas tanto do PPCDAm como do PPCerrado.

O ministro promoveu ainda um verdadeiro revogaço, extinguindo conselhos que fiscalizavam as políticas ambientais e afastando a sociedade civil dos órgãos coletivos que continuaram existindo. Já não havia sobrado ninguém dentro do governo para colocar freio na devastação.

Mas há evidências de que Salles não fazia isso só por convicção. Ele terminou demitido do Ministério após ser apontado como facilitador do tráfico de madeira para os Estados Unidos.

Segundo a Polícia Federal (PF), seu escritório de advocacia movimentou R$ 14 milhões entre 2012 e 2020. A PF concluiu que essa renda era incompatível com as atividades dele como advogado.

Quem esperava que tudo melhorasse com a saída do Salles é porque não lembra que, antes mesmo de Bolsonaro assumir a Presidência, a devastação da Amazônia já começou a acelerar em 2018 como consequência do seu discurso de campanha, favorável à desarticulação da fiscalização ambiental.

Na época, ele chamava a fiscalização de “indústria da multa no campo”.

Com Bolsonaro eleito, a situação piorou. Primeiro, aumentaram as ações violentas contra fiscais ambientais. E diminuiu o investimento. Em 2021, o Ibama gastou apenas 41% da verba destinada a fiscalização.

Na Amazônia, só 1,3% dos alertas de desmatamento foi fiscalizado pelo Ibama.

Além disso, mudanças no regramento interno promovidas por Salles tornaram quase impossível a cobrança efetiva de multas ambientais. O crime ambiental se empoderou, e quem perdeu foi a floresta e seus habitantes.

Como queria Salles, a boiada passou, em ritmo cada vez mais acelerado. O desmatamento na Amazônia cresceu 56,6% nos últimos três anos. Entre agosto de 2018 e julho de 2021, o bioma perdeu uma área do tamanho da Bélgica de vegetação nativa.

No Cerrado, a área desmatada em um ano foi equivalente a sete vezes a cidade do Rio de Janeiro.

O Pantanal, a maior planície úmida do planeta, pegou fogo, e não foi pouco. As queimadas aumentaram 210% em 2020 em comparação com o ano anterior.

Na Mata Atlântica a perda de cobertura vegetal cresceu 66% em 2020 e 2021 comparando com os dois anos anteriores.

Militares no comando

Enquanto deixava Ricardo Salles sabotar o regramento ambiental e a fiscalização, Bolsonaro entregou aos militares a responsabilidade de combater o desmatamento.

O Exército ganhou protagonismo inédito contra o crime ambiental. A coordenação está centralizada no Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), criado e abandonado na década de 90, mas reativado por Bolsonaro.

Dirigido pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão, o Conselho é composto exclusivamente por militares, sem representantes de órgãos de monitoramento ou da sociedade civil.

Enquanto isso, órgãos ambientais federais especializados passaram por um processo de sabotagem, com cada vez menos orçamento e mais normas internas que dificultam ações de fiscalização e monitoramento.

Um exemplo disso é o desmonte do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão técnico que faz o monitoramento por satélite do território brasileiro. Com as imagens, os especialistas conseguem identificar onde e quando os biomas estão sendo desmatados. Mas, sob a gestão de Bolsonaro, o Inpe nunca esteve tão sucateado.

Basta compararmos o Inpe de 2013 com o de 2021. De lá para cá, o orçamento caiu pela metade, e agora é de 85,4 milhões. O número de funcionários de hoje é um quarto em relação ao que era nove anos atrás.

Um supercomputador do Inpe, chamado Tupã, era o responsável por fazer modelos de previsão do clima para os próximos 50 anos. Mas ele teve que ser desligado – acredite se quiser – para economizar energia elétrica.

No ano passado, o presidente do INPE, Ricardo Galvão, foi demitido por informar à imprensa sobre o crescimento assustador do desmatamento no país.

Bolsonaro disse que os dados produzidos pelo órgão faziam “campanha contra o Brasil”. Ricardo Galvão foi à imprensa e chamou o presidente de covarde, o que terminou com a sua exoneração.

Os militares também tentaram jogar a devastação ambiental para debaixo do tapete. A Meta, dona do Facebook, descobriu que dois oficiais da ativa do Exército criaram perfis falsos espalhando desinformação sobre a Amazônia, com páginas de fake news elogiando o governo federal.

Quem ganha com a destruição da floresta

Mas, afinal de contas, por que a floresta é destruída?

Quem tem a ganhar com isso?

A resposta está no agronegócio. O fogo elimina a vegetação. Limpo, o terreno fica valorizado e é vendido para quem vai produzir soja ou criar gado.

As grandes empresas do setor afirmam fazer de tudo para não comprar commodities produzidas ilegalmente em áreas protegidas. Mas inúmeras denúncias e investigações jornalísticas mostram o contrário.

Entre 2000 e 2012, 90% da floresta desmatada virou pasto para gado ou plantio de soja. E estudos indicam que essa dinâmica se acelerou sob Bolsonaro. Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) mostrou que a era Bolsonaro inaugurou uma “nova dinâmica” de devastação, mais acelerada e estimulada pelo enfraquecimento da fiscalização e também pela aprovação de retrocessos legais no Legislativo.

A junção desses fatores consolidou novas frentes de derrubada. Uma delas é a área de divisa chamada “Amacro”, que envolve 32 municípios entre Amazonas, Acre e Rondônia. O novo arco do desmatamento ajuda a formar um cinturão de devastação, que vai do Acre até o Maranhão.

Estudiosos do tema também dizem que não é possível desassociar a destruição ambiental do modelo econômico vigente no Brasil.

Estamos virando cada vez mais um país exportador de commodities e passando por um processo de desindustrialização, o que aumenta ainda mais a já gritante concentração de renda.

Empobrecida e sem alternativa, a população que mora no entorno de áreas preservadas acaba vendo uma oportunidade de ganhar (poucos) recursos em atividades ilegais, como corte de madeira ou garimpo.

E não foi só nas áreas rurais que Bolsonaro favoreceu a destruição ambiental. No começo do ano, ele sancionou um projeto de lei que permite o desmatamento em margens de rios nas zonas urbanas e a regularização de imóveis construídos em Áreas de Preservação Permanente (APPs).

Isso significa que, em vez de promover programas de moradia digna e segura para populações urbanas marginalizadas, agora cada prefeitura pode decidir legalizar uma área ocupada irregularmente, mesmo que esteja em uma zona de risco ou onde a saúde dos rios ficará comprometida pela ocupação humana.

Especialistas dizem que essa lei é pior que as boiadas de Salles e representa um grave retrocesso à qualidade de vida das populações urbanas.

E quem perde?

A lei da Política Nacional do Meio Ambiente é de 1981, no final da ditadura militar. Ao longo desses 41 anos, governos implementaram as políticas ambientais de acordo com suas orientações políticas e ideológicas, com muitos erros e alguns acertos.

Mas os especialistas ouvidos são unânimes ao dizer que nunca houve um presidente que simplesmente destruísse a política ambiental como vem fazendo Bolsonaro.

Na Amazônia, mais da metade da floresta derrubada nos últimos três anos ficava em terras públicas.

Isso indica a falta de presença do Estado no território. Parte dessas terras públicas são áreas protegidas ― territórios indígenas ou unidades de conservação ― e outra parte ainda não tem destinação prevista em lei.

É nas terras públicas que moram boa parte dos indígenas e das populações tradicionais. Como consequência, suas terras são cada vez mais invadidas ou envenenadas pelo agrotóxico usado nos latifúndios.

Na última década, a Amazônia em destruição passou a emitir carbono para a atmosfera, ao invés de absorver, aquecendo o planeta e provocando eventos climáticos extremos mais regulares, tanto no campo quanto na cidade.

Ambientalistas afirmam que reconstruir a política ambiental brasileira vai dar trabalho e não pode ser feito do dia para noite.

Para interromper toda a devastação ambiental, não há outro jeito: é preciso pôr fim ao governo responsável por ela.

Lábrea (AM) Thalita Pires

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