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Americanas: o capitalismo tem o delator que ainda falta ao fascismo

Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, denunciou seus antigos chefes, Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, como sabedores de todos os rolos da empresa.

Essa frase de Gutierrez (foto), em carta enviada à CPI da Americanas na Câmara dos Deputados, vale pelo poder de síntese de um ressentimento:

“Me tornei conveniente bode expiatório para ser sacrificado em nome da proteção de figuras notórias e poderosas do capitalismo brasileiro”.

Poderemos concluir, com a evolução do caso, que o capitalismo brasileiro tem melhores delatores do que o fascismo.

O delator fascista ainda é muito vacilante, mas pode aprender com Gutierrez. O executivo trabalhou por três décadas com as figuras que está denunciando, sendo que por duas décadas como mais alto executivo da Americanas.

Ele sabe que o capitalista à brasileira frauda, sonega, faz lavagem de dinheiro e contrabando e mantém contas secretas em algum lugar que não o incomode. E não só os ex-chefes dele.

Sabe que figuras notórias e poderosas, se forem pessoas finas, moram na Suíça. Se não forem, moram nas cidadezinhas onde começaram a prosperar, na maioria das vezes como predadores.

Muitos se transformam em fascistas assumidos. Alguns foram golpistas públicos e notórios ao lado de Bolsonaro. Outros foram golpistas dissimulados e tantos outros participaram de grupos de golpistas encabulados.

No geral, figuras notórias e poderosas sempre foram vendidas como modelos para aprendizes de capitalistas meritocráticos.

Um dos chefes de Gutierrez, o benemerente Paulo Lemann, dedica-se há muito tempo a formar lideranças políticas de direita, mas com lustro de centro, para qualificar a política brasileira.

Consagrou-se também como figura notória e poderosa do capitalismo brasileiro por suas ações na área da educação e com alcance social.

O outro, Sicupira, era o que só pensava em resultados a qualquer custo, e o mais discreto, Telles, era o homem da gestão. São simplificações grosseiras, mas não incorretas, que aparecem no desvendamento das fraudes.

Os três eram modelos estudados em universidades, inclusive americanas, e rodas de conversa de empreendedores de todos os tamanhos.

Ficamos sabendo quem eram de fato com a ajuda de quem os conhece, mesmo que muito já se soubesse do que eles não eram.

Gutierrez contribuiu para a construção da imagem dos três, como operador da engrenagem que produzia lucros produzidos por fraudes.

O ex-CEO sabe do que fez parte e poderia ensinar outros participantes de crimes a também contarem o que sabem.

Gutierrez pode dizer a figuras importantes como operadores, mas mesmo assim subalternas da extrema direita, que em algum momento é preciso contar tudo.

Façam como fez Miguel Gutierrez, que fugiu para a Espanha, diz estar sendo seguido e teme por sua vida. Mas decidiu falar para que saibam o que ele sabe tudo o que acontecia.

Que os ajudantes dos chefes do bolsonarismo identifiquem a tempo as armadilhas que podem transformá-los em bodes expiatórios, como Gutierrez diz que tentam fazer com ele.

Que os ajudantes definam logo o papel que tiveram em quatro anos de violência, roubos e fraudes e revelem os crimes das figuras poderosas e notórias do fascismo brasileiro.

Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre. É autor do livro de crônicas Todos querem ser Mujica (Editora Diadorim).

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