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Dona Marisa Letícia, 66 anos

A despedida de Dona Marisa

Na posse do primeiro mandato de Lula

 

Ela foi babá já aos 9 anos de idade, operária na adolescência, militante na década de 1980.

Suas mãos bordaram a estrela da primeira bandeira do Partido dos Trabalhadores.

Para protestar contra prisões de sindicalistas, organizou uma marcha de mulheres.

Marisa Letícia Lula da Silva passou 43 de seus 66 anos ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva.

Primeira-dama de 2002 a 2010, foi companheira e conselheira do marido nos bons e maus momentos. Da ascensão do líder sindical à Presidência da República, às investigações da Operação Lava-Jato.

Marisa Letícia Rocco Casa, seu nome de batismo, era filha de um casal de agricultores de origem italiana cujo sobrenome nomeou um distrito em São Bernardo do Campo (SP), o Bairro dos Casa.

Teve dez irmãos. Um dos seus avôs construiu, no bairro, a capela de Santo Antônio, onde, anos depois, em 1974, Marisa viria a se casar com Lula e a batizar seus três filhos: Fábio Luis, Sandro Luis e Luis Cláudio.

Ainda criança, começou a trabalhar como babá na casa de uma professora.

Aos 13, foi funcionária de uma fábrica de chocolates chamada Dulcora, onde ficou até os 19. Uma de suas primeiras funções foi a de embaladora do bombom Alpino. Levou uma infância sem estudo nem luxo, como sua irmã Teresa Otilia Casa contou ao GLOBO em 2011:

— Para o meu pai, os filhos não podiam estudar, e as filhas só podiam fazer até o quarto ano primário. Foi isso que nós estudamos — disse.

Casamento

Aos 19 anos, Marisa se casou com um metalúrgico, que foi morto meses depois num assalto, quando fazia bicos num táxi.

Deixou-a grávida do primeiro filho, Marcos Cláudio. Ela foi trabalhar como inspetora de alunos numa escola pública.

Por causa da pensão que recebia como viúva, tinha que passar no sindicato para receber um carimbo. Foi aí que conheceu Lula, também viúvo à época.

O ex-presidente costuma contar a história de que pediu para um funcionário do sindicato avisá- lo quando chegasse uma viúva loira.

Lula inventou que o procedimento demoraria mais um tempo por causa de uma mudança da lei e disse que precisava do telefone de Marisa.

Na primeira visita à casa da pretendente, Lula conquistou a simpatia da futura sogra e mandou embora um namorado com quem Marisa estava começando a sair. Sete meses depois, estavam casados.

Nos três partos dos filhos que teve com Lula Marisa foi sozinha para o hospital, conta Denise Paraná, a biógrafa do ex-presidente.

Lula estava sempre trabalhando ou em viagens.  — Uma mulher comum não aguentaria. Marisa aguentou pela sua personalidade e por ter vivido, antes de conhecer Lula, momentos muito difíceis — afirma Denise Paraná.

Estrela

Em 1975, um ano depois do casamento, Lula seria eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Marisa participou ativamente do movimento sindical, chamando as mulheres para participar da luta e organizando reuniões em sua casa. Nesses encontros nasceu a ideia da criação de um partido que representasse os trabalhadores.

Em 2006, numa entrevista ao site da campanha de Lula, Marisa contou a história de como fez a primeira bandeira do PT:

— Eu tinha um tecido vermelho, italiano, um recorte guardado há muito tempo. Costurei a estrela branca no fundo vermelho. Ficou lindo. A gente não tinha núcleo, não tinha nada. Minha casa era o centro.

Começamos então a estampar camisetas para arrecadar fundos. Vendíamos uma para comprar duas. Estampava a estrelinha, vendia, comprava mais. Foi assim que começou o PT.

Em 2002, quando Lula despontava como favorito na eleição presidencial, Marisa passou por uma transformação no visual. Mudou o corte de cabelo e a maquiagem. Sofisticou o guarda- roupa e fez um lifting facial. Tudo para acompanhar as mudanças do marido, que passou a usar ternos bem cortados e a barba aparada.

Ao contrário de outras primeiras- damas, “dona Marisa”, como era conhecida, preferiu não se dedicar a projetos sociais nos oito anos de governo Lula. Mesmo assim, ela mantinha uma sala ao lado do gabinete presidencial, no terceiro andar do Palácio do Planalto. Em cerimônias oficiais, optava pelo silêncio.

Mesmo sem um cargo ou função, pessoas próximas afirmam que ela influenciava o então presidente, atuando como uma espécie de conselheira.

Descrita por amigos do casal como uma mulher preocupada com a família, ciumenta e vaidosa, Marisa era a “galega” para Lula. Ela não gostava que o marido trabalhasse nos finais de semana e, muitas vezes, chegava a encerrar reuniões e despachar visitantes para que Lula descansasse e ficasse com a família.

Antes de o ex-presidente ser diagnosticado com câncer na faringe, em 2011, Marisa preocupava- se e dizia que o marido estava fumando muito, embora ela nunca tenha largado o cigarro.

Dias depois da descoberta da doença, ela apareceu a seu lado, com um cigarro na mão, na janela do apartamento onde moravam em São Bernardo do Campo.

— É ela quem manda. E ele obedece. Dona Marisa se dedica a Lula e à família inteira. É o alicerce de Lula — disse ao GLOBO, em 2011, o cardiologista Roberto Kalil, médico da família há 20 anos.

Durante os dois mandatos de Lula, manteve a discrição. Mostrou, no entanto, o gosto pelo convívio social ao realizar na Granja do Torto animadas noitadas nas festas juninas.

Ganhou destaque, porém, o plantio de canteiros de flores vermelhas, em forma de estrela, símbolo do PT, nos jardins do Palácio da Alvorada e no Torto, residências oficiais da Presidência da República. A iniciativa foi criticada por defensores do tombamento de Brasília, que é Patrimônio Cultural da Humanidade.

Guarujá

No ano passado, a Justiça a tornou ré em uma ação da Operação Lava-Jato. Marisa teria incentivado Lula a ficar com o tríplex do Guarujá que, segundo a investigação, seria um presente da construtura OAS.

Os advogados da família Lula da Silva dizem que o casal pagou por um apartamento em outro andar e que optou por não ficar com a propriedade.

Ainda segundo a investigação, Marisa teria tido influência na decoração do sítio de Atibaia, que teria sido reformado por empreiteiras com negócios com a Petrobras.

A defesa de Lula nega e diz que a propriedade pertence a amigos do presidente.

Dona Marisa Letícia foi internada no dia 24 de janeiro no Hospital Sírio-Libanês, após sofrer um AVC hemorrágico.

Constatada a morte cerebral a família fez a doação dos órgãos. Dona Marisa era doadora.

O Globo

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