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É preciso saber viver. A lição das paralimpíadas

É preciso saber viver

Ao ver a abertura dos Jogos Paralímpicos, cresce nossa esperança e nossa crença no Brasil.

Sua sociedade está em clara defasagem com um mundo político menor que está chegando.

Não por acaso o Maracanã vaiou as alusões às autoridades e ao Temer, de forma rápida e quase inaudível, sob gritos e assobios, declarou abertos os jogos.

Figuras pequenas estavam em descompasso com um povo que aplaude, cria e se supera em suas deficiências, juntamente com tantos povos do mundo.

Uma ideia esteve presente todo o tempo: inclusão social.

A cerimônia foi, ao meu ver, superior àquela das Olimpíadas, mais rodeada de grandes efeitos.

Aqui se foi ao cerne. O evento começou com cenas tocantes e verdadeiras do povo simples, os vendedores de água, os pipoqueiros, o povão dos subúrbios, invadindo nossas praias, antes lugares exclusivos dos moradores da zona sul.

E as músicas do Gonzaguinha e de outros compositores nos embalou. Os limites foram rompidos.

José Carlos Martins, com os poucos dedos que pode movimentar, ele que fora grande pianista, tocou lenta e comovidamente nosso hino nacional.

Um casal de cegos dançou ao ritmo das Bachianas de Villa Lobos.

E houve, mais ao final, um encontro entre uma atleta americana, biamputada, com ganchos em lugar de pés que, rodopiando sem parar, enfrentou e domou uma “cuca” robótica, mostrando que a pessoa humana, mesmo com deficiências, não se deixa dominar pela máquina.

Veio antes uma crítica sutil à busca da perfeição nas linhas geométricas de Leonardo da Vinci ou de Vitrúvio, ainda preso aos cânones gregos tradicionais; eram quebrados, assim, os desenhos clássicos pelas dimensões de outra harmonia. Não será uma certa entrada no pós-moderno?

Chegaram então criptogramas em painéis assimétricos.

A perfeição ática dos três símbolos concêntricos da Olimpíada se desdobrou nos anéis interrompidos e abertos da Paralimpíada.

Vários artistas desenharam belíssimas roupas das delegações e dos grupos de participantes, assim como a coreografia do espetáculo.

Um ponto emocionante foi a lembrança de Alex Faleiros, que criou botas ortopédicas para o filho que teve uma paralisia ao nascer.

E a bandeira paralímpica foi introduzida por pares de pais e filhos pequenos com deficiências, calçando juntos as mesmas botas, que os uniam no andar e no amor.

Era a Presença da Associação Brasileira de Crianças Deficientes.

Mais ao final, a tocha entrou no estádio, levada lentamente por Antonio Delfino e depois por Márcia Malsar que, com dificuldade para caminhar, num certo momento, emocionada, foi ao chão; logo depois, passou para Adriana Rocha dos Santos, cega e, ao final, para nosso grande campeão da natação paralímpica,

Clodoaldo Silva, em cadeira de rodas, quando as terríveis escadas que dificultam a vida dos descapacitados, se transformaram em grandes rampas que o levaram até o alto, onde acendeu a chama que tremulará durante os jogos.

Uma chuva forte trouxe a presença de outro obstáculo, que também é uma bênção caída dos céus; ela embalou o belo canto de “seu” Jorge, contagiando todos os atletas, É preciso saber viver”.

Como ao final da cerimônia de abertura da Olimpíada, houve um congraçamento geral, empapados todos pela chuva e pela emoção.

Ao ritmo contagiante da música brasileira, todos dançaram e se uniram num grande abraço coletivo, com tantos povos e costumes, junto com os voluntários e a presença dolorida dos refugiados.

Por isso, podemos dizer diante das dificuldades de hoje: é preciso sonhar.

E como nosso menestrel popular Zé Vicente, tomando as palavras de dom Hélder Câmara:

“Sonho que se sonha só, pode ser pura ilusão.

Sonho que se sonha junto, é sinal de solução.

Então vamos sonhar companheiro,

sonhar ligeiro, sonhar em mutirão”.

LUIZ ALBERTO GÓMEZ DE SOUZA
Formado em Ciências Jurídicas e Sociais, pós-graduado em Ciência Política, doutor em Sociologia. Autor de mais de cem artigos em revistas brasileiras e internacionais e colaborador e organizador de vários livros

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