Em um workshop realizado em São Paulo, o Exército Brasileiro reuniu empresas nacionais que possam estar interessadas em produzir obuseiros. Para analistas, o agravamento da instabilidade no cenário internacional e a política de sanções tornam a nacionalização dos aparatos militares um tema urgente.
De acordo com a revista Tecnologia e Defesa, o evento realizado pelo Departamento de Ciência e Tecnologia (DCT), por meio de sua Diretoria de Fabricação (DF), busca apresentar o projeto de produção de obuseiros no país no contexto do sistema de fabricação do Exército Brasileiro, de forma a discutir alternativas reais para a produção desse sistema de armas no país e identificar companhias nacionais que possam se tornar parceiras e participar do processo.
A iniciativa de aproximação entre o governo e o setor privado é vista com bons olhos pelo doutor em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e presidente do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), Fabrício Ávila, que afirma que a produção nacional de armamentos é importante por uma série de motivos, por exemplo:
gerar empregos diretos e indiretos;
movimentar a economia local;
desenvolver a tecnologia;
reduzir a dependência de importação;
deixar o país menos vulnerável a embargos.
Outra vantagem também seria o aproveitamento do desenvolvimento de determinadas expertises no âmbito da sociedade civil.
“Nós perdemos competência em uma série de áreas relativas ao reator nuclear. Produção de tubos sem costura, de válvulas, perdemos essa competência. Parte dessa competência adquirida por um obuseiro poderia ser repassada para essa área”, comenta Pedro Paulo Rezende, especialista em assuntos militares.
Em quais problemas o Brasil esbarra para avançar com o tema?
Por outro lado, para avançar nesse aspecto, o Brasil esbarra em problemas de infraestrutura e tecnologia.
“A grande dificuldade do Brasil será remontar o corpo técnico e ter o escopo dos projetos nacionais que existiram na década de 1980, como foi a antiga Engesa [Engenheiros Especializados S.A.]”, pondera Ávila.
Entretanto, para solucionar esse problema, o analista considera que o workshop poderia ser um condutor para “aproximar as indústrias automobilísticas e de siderurgia do Instituto Militar de Engenharia (IME)”, a fim de começar o núcleo de projetos viáveis em curto prazo.
Rezende, por sua vez, considera a ausência de tecnologia como fator que pode atrapalhar a desenvoltura de um obuseiro totalmente nacional em um primeiro momento.
“Um obuseiro não é só o tubo. O tubo já é problemático porque nós não temos o conhecimento tecnológico em metalurgia necessário para isso.”
Dessa forma, segundo ele, seria impossível neste momento falar em um obuseiro 100% brasileiro. “Precisaríamos conseguir parceiros estrangeiros que topassem nos transferir essa tecnologia”, acrescenta.
‘Obuseiro nacional pode representar uma possibilidade de salvação para a Avibras’
Segundo Ávila, citando o The Military Balance 2024, o Exército Brasileiro possui 109 unidades de artilharia autopropulsada dentro de uma necessidade mínima de suporte em três regimentos de artilharia autopropulsada.
“Um tubo de obuseiro aguenta em torno de 2 mil disparos. Se um autopropulsado carrega em torno de 40 projéteis de 155 mm, depois de 50 missões o armamento está inapropriado ao uso.
Deve ser substituído ou reusinado. Nesse sentido, em caso de combate, ficaria difícil depender de fornecedores externos, até pelo simples fato das dimensões do território nacional e da distância da América do Sul à Eurásia”, comenta.
Como desde o final da Primeira Guerra Mundial os exércitos se movimentam a partir de caminhões e a mecanização é uma realidade das forças terrestres que deve perdurar, mesmo com a digitalização dos armamentos há possibilidade de parcerias que podem ser benéficas, sobretudo para a Avibras, considera o analista.
“No início do século XXI surgiram modelos onde existe um canhão de disparo digital em cima de chassis de caminhão que melhoram a manutenção e produção, como o ATMOS 2000 de Israel — que inclusive viria para repor os M-109 que o Brasil possui”, relembra.
Nesse sentido, o especialista destaca que, como temos várias fábricas de caminhões civis, elas “poderiam fornecer a base para os canhões de 155 mm que poderiam vir da Avibras. Seria um projeto viável que poderia ser um avanço para a artilharia do Brasil”, destaca.
Davi Carlos Acácio