O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello enviou ofício aos colegas denunciando que uma petição de advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dirigida a ele foi “interceptada” antes de chegar a seu gabinete e encaminhada diretamente ao presidente da Corte, Luiz Fux.
Segundo Marco Aurélio, um pedido feito pelos defensores do petista não “mereceu dinâmica própria”.
“Desde sempre, a Secretaria Judiciária encaminha petição ao destinatário.
Ocorre que a peça em anexo, dos impetrantes Cristiano Zanin Martins e outros [advogados de Lula], alusiva a habeas corpus tendo como paciente o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, datada de 31 de maio do corrente ano, a mim endereçada, não mereceu a dinâmica própria.
Veio a ser ‘interceptada’ e encaminhada, diretamente, à Presidência, ao gabinete de Vossa Excelência”, escreveu Marco Aurélio Mello no ofício 21/2021.
“Que os ‘tempos estranhos’ não cheguem à organização do Tribunal”, finaliza o magistrado, comunicando que fazia o registro “com cópia aos colegas” do STF.
No dia 31 de maio, o escritório Teixeira Zanin Martins encaminhou petição a Marco Aurélio pedindo que ele oficiasse Fux para que o presidente do Supremo pautasse o processo de suspeição do ex-juiz Sergio Moro no caso do tríplex.
O magistrado, que pediu vista do processo, já tinha devolvido o caso para julgamento há mais de um mês. Mas Fux não havia ainda determinado data para a retomada do debate -que acabou posteriormente marcado para a quarta (23).
A atuação de Fux tem contrariado ministros da Corte, que consideram que ele tenta interferir em processos de outros gabinetes. O presidente do Supremo afirma que segue critérios “legais e regimentais”.
Um outro exemplo, além do apontado no ofício de Marco Auréio: o presidente da Corte estaria interceptando ações relacionadas à Covid-19 que deveriam ser julgadas pelo ministro Ricardo Lewandowski e determinando que sejam redistribuídas a outros gabinetes.
Como Lewandowski foi sorteado para a primeira ação sobre o tema, ele estaria prevento para todas as que viessem a seguir relacionadas ao assunto.
Mas não é o que tem ocorrido.
No caso da Copa América, por exemplo, a ação movida pelo PT questionando o torneio ficou com o ministro.
Mas outras duas, movidas pelo PSB e pela Confederação dos Trabalhadores, foram encaminhadas para sorteio. E a relatora do caso acabou sendo a ministra Cármen Lúcia.
A questão da competência dividiu o tribunal: por 6 a 5, a maioria apertada não conheceu do pedido do PT entendendo que o partido não poderia ter direcionado a ação a Lewandowski.
Num outro exemplo, Fux encaminhou para sorteio o pedido de governadores para que não depusessem na CPI.
No entendimento de magistrados da Corte, a ação deveria ficar com Lewandowski. Ele já tinha sido sorteado anteriormente para julgar o pedido do general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que queria ter o direito de ficar em silêncio na CPI.
Mas o caso dos governadores acabou sorteado e caiu com a ministra Rosa Weber.
A partir daí, novos pedidos, como o do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), foram encaminhados à magistrada. Na quarta (9), ela decidiu que ele não precisaria comparecer à comissão.
Fux fez o mesmo com o pedido da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Mayra Pinheiro, a capitã cloroquina. O pedido de habeas corpus feito por ela para ficar em silêncio na CPI foi enviado para sorteio pelo presidente do STF e caiu com o ministro Gilmar Mendes.
Mendes, no entanto, levou em consideração que Lewandowski era prevento para analisar o tema e devolveu o processo.
A peça foi reencaminhada para Lewandowski.
A prevenção é uma regra do tribunal para evitar conflito de jurisdição e decisões dissonantes dos ministros sobre um mesmo tema.
OUTRO LADO
Em nota, o presidente do STF negou que tenha interceptado petição direcionada ao ministro Marco Aurélio.
Segundo disse, as petições protocoladas eletronicamente são direcionadas aos relatores dos processos -no caso de Lula, ao ministro Edson Fachin.
Por isso ela não teria tramitado na Presidência. Ele diz que conversou com o colega e que tudo “foi esclarecido”.
Sobre os processos de Ricardo Lewandowski, ele afirma que “não existe prevenção para a pandemia” e que “segue as regras de distribuição ou eventual prevenção com base em critérios técnicos, legais e regimentais, sem dar preferências ou privilégios a qualquer parte de processos”.
MÔNICA BERGAMO