O número de quilombolas assassinados no país quase dobrou, na média anual, no período entre 2018 e 2022, quando comparado com os anos entre 2008 e 2017.
Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (17), na segunda edição da pesquisa Racismo e Violência contra Quilombos no Brasil, desenvolvida pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e pela organização Terra de Direitos.
O mapeamento, que está disponível neste link, apontou 32 assassinatos de integrantes de comunidades quilombolas no país entre 2018 e 2022, o que representa uma média de 6,4 casos por ano. Nos dez anos anteriores (2008 a 2017) foram registradas 38 mortes, uma média de 3,8.
Neste último período, os 32 registros se espalham por 11 estados brasileiros, em todas as regiões do país. Cerca de 70% dos casos aconteceram em territórios não titulados. Entre as principais causas das mortes violentas estão conflitos fundiários e violência de gênero.
O período de aumento dos casos coincide quase totalmente com os anos de permanência de Jair Bolsonaro (PL) na presidência da República. Eleito em 2018, ele governou entre 2019 e 2022, e atuou para estrangular o processo de titulação de terras para quilombolas.
De acordo com Givânia da Silva, integrante da coordenação da Conaq, é possível fazer uma correlação entre a ascensão de Bolsonaro e o aumento da violência contra quilombolas.
“A postura de ódio contra os quilombolas empreendida pelo governo anterior, cumprindo assim a promessa de que não destinaria nem “um centímetro [de terra] demarcado para reserva indígena ou para quilombola”, e o esvaziamento da política de titulação – com orçamento quase nulo – deixaram marcas que ainda perduram”, afirmou.
Para ela, houve também decisões práticas do governo de extrema direita para a piora dos índices. “Além de manifestações pelo ex-presidente que autorizaram a pratica da violência contra comunidades, houve também medidas de estímulo e flexibilização de normas, como a de licenciamento ambiental, para exploração dos territórios tradicionais por grileiros, mineradores, empreendimentos, entre outros.”
Pelo menos 15 vítimas das mortes computadas pelo levantamento entre 2018 e 2022 eram lideranças de suas comunidades. Eram os casos, por exemplo, de Juscelino Fernandes Diniz e Wanderson de Jesus Rodrigues Fernandes, pai e filho, que denunciavam o conflito agrário com grileiros na região do Quilombo Cedro, em Arari (MA). Eles foram mortos em 5 de janeiro de 2020.
Outra liderança assassinada foi Edvaldo Pereira da Rocha, do Quilombo do Jacarezinho, em São João do Soter (MA). Ele denunciava e exigia a expulsão de invasores do território, e foi alvo de oito tiros quando estava em um bar. O crime aconteceu em 29 de abril de 2022.
Também chamou atenção a alta nos casos de feminicídios. Das 32 pessoas cujos assassinatos são listados na pesquisa, nove são mulheres, e todas elas podem ter sido vítimas de seus companheiros ou ex-companheiros (em alguns casos os crimes não têm o julgamento definitivo).
Entre as quilombolas vítimas de feminicídio está Elitânia de Souza da Hora, do Quilombo Tabuleiro da Vitória, em Cachoeira (BA), morta por arma de fogo em 27 de novembro de 2019.
O ex-companheiro José Alexandre Passos Goes é o principal suspeito. Ela tinha uma medida protetiva contra Goes, filho de um juiz do tribunal baiano.
O lançamento da pesquisa acontece no marco de três meses da morte de Maria Bernadete Pacífico, assassinada em 17 de agosto deste ano. Mãe Bernadete, como era conhecida, era coordenadora da Conaq e liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA).
A morte dela não está computada no relatório, já que aconteceu em 2023 – ano em que houve pelo menos sete assassinatos de quilombolas, segundo dados preliminares.
“O Estado brasileiro precisa tomar medidas imediatas para a proteção das lideranças de todo o Brasil. É dever do Estado garantir que haja uma investigação célere e eficaz e que os responsáveis pelos crimes que têm vitimado as lideranças desses quilombos e de tantos outros sejam devidamente responsabilizados.
Queremos justiça para honrar a memória das nossas lideranças perdidas, mas também para que possamos afirmar que, no Brasil, atos de violência contra quilombolas não serão tolerados”, disse o coordenador executivo da Conaq, Biko Rodrigues.
Edição: Thalita Pires