Uma característica de todo economista neófito de governo são as propostas radicais, voluntariosas, a radicalização das medidas propostas, como se não houvesse limites sociais e políticos, e como se todas as soluções da economia dependessem apenas da força de vontade e quanto mais radicais, mais virtuosas.
São ignorantes na análise do tempo político ou mesmo nos efeitos de medidas radicais sobre o ambiente econômico e social.
Todos acreditam na fada das expectativas positivas – basta mostrarem firmeza que os agentes econômicos acreditarão e da fé nascerão os investimentos.
No governo Dilma, o exemplo acabado foi Joaquim Levy e seu pacote radical que permitiria a superação da crise em três meses.
No governo Temer, poupados pela mídia, o desmonte passou a ser comandado por meia dúzia de cabeças de planilha que cercam Henrique Meirelles, pessoas como a Secretária do Tesouro Nacional Ana Paula Vitali Janes Vescovi, cujo radicalismo enterrou o governo do Espírito Santo, o Secretário Executivo da Fazenda Eduardo Guardia, o presidente do Banco Central Ilan Goldjan, verdadeiro inventor da planilha no qual passaram a se espelhar os cabeções, e, principalmente, Mansueto de Almeida, uma espécie de contador alçado à condição de formulador de política econômica.
São todos seguidores de livros textos, de fórmulas genéricas, sem a menor sensibilidade para os efeitos colaterais de suas decisões, sem nenhuma noção de proporção, sobre os limites políticos, sobre as implicações macroeconômicas.
Só isso para explicar a maluquice da proposta de reforma da Previdência. Apelou-se para um radicalismo obsceno, burro, desnecessário.
Todo golpe de Estado – militar ou parlamentar – deixa a opinião pública atordoada por algum tempo. Por alguns meses, os cabeções julgaram-se os donos da cocada preta.
Qualquer medida seria endossada pela mídia, corroborada pelos parlamentares e aceita pela opinião pública. Porque sempre se tinha a retórica da tragédia acompanhando: se as medidas não forem aprovadas, o Brasil jamais sairá da crise.
Esse tipo de retórica, própria para iludir incautos, não resistiu quando rapidamente a opinião pública foi se dando conta da verdadeira natureza da reforma da Previdência.
Passaram os seis meses em que tudo é permitido. As ondas do choque amainaram e a opinião pública passou a entender a verdadeira extensão da reforma.
Nem se diga de seu ângulo mais perigoso, o desmonte de toda a rede de assistência social, dos BPC (Benefícios de Prestação Continuada), a hecatombe que provocaria nos idosos economicamente vulneráveis. A reação veio com a constatação do que a reforma faria com os direitos dos atuais contribuintes.
Não se considere que o despreparo desses planilheiros se restrinja a aspectos sociais e políticos.
Há um risco brutal na reforma.
Desestimulando a entrada de novos contribuintes (a troco de que irão contribuir para uma Previdência que provavelmente não lhes assegurará benefícios futuros) promoverão o desequilíbrio fatal do modelo, aquele em que o sistema de repartição entra em colapso.
O resultado desse exagero foi que caiu a ficha de parte relevante da classe média, incluindo aí procuradores, magistrados, policiais.
É possível que a proposta passe porque parte dos deputados está mais preocupada em pavimentar seu presente, tratando de saquear o que podem, antes que a Lava Jato caia sobre eles.
O preço da base do governo tem sido o desmonte total de políticas públicas e projetos estratégicos.
Não há setor do governo, por mais sensível e estratégico que seja, que não esteja à mercê da sanha da quadrilha que se apossou do governo.
Tome-se o caso do Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada). Trata-se de um projeto estratégico, acalentado por décadas pelo país, uma fábrica de alta tecnologia para a produção de semicondutores.
Até agora, o governo federal investiu mais de R$ 1 bilhão na empresa.
E a empresa já conseguiu alguns feitos, como o desenvolvimento de um chip para o passaporte brasileiro, certificado por uma das mais renomadas certificadoras da Europa.
Há o desafio, agora, de fazer a Casa da Moeda do Brasil usar um componente, que encomendou do CIETEC sob contrato, desistindo da história de usar componentes importados para o passaporte – outra história mal contada na profusão de negócios obscuros que tomou conta do governo.
A empresa está no organograma do Ministério de Ciências e Tecnologia, loteado para o PSD de Gilberto Kassab de porteira fechada.
Kassab entregou a CIETEC ao deputado e ex-goleiro do Grêmio Danrlei de Deus Hoffmann.
Sua primeira decisão foi a substituição do presidente da CIETEC, Marcelo Soares Lubaszewski, considerado uma das cinco maiores autoridades da área de semicondutores do país, para colocar em seu lugar Paulo de Tarso Luna, um obscuro técnico cearense radicado em Florianópolis.
Em seguida passou a exigir a troca de técnicos lotados em cargos comissionados por seus “parças” – como trata seus colegas de futebol.
No toma-lá-dá-cá de Kassab, o senador Lazier Martins filiou-se ao PSD e passou a exigir sua fatia no bolo. Para não deixar espaço, Darnlei decidiu correr e ocupar todos os espaços possíveis, para não permitir ao novo sócio emplacar suas indicações.
Entre seus feitos, consta a nomeação de uma modelo, namorada de seu chefe de gabinete, para a Diretoria de Recursos Humanos
Dias atrás, o último nomeado foi Luiz Fernando Záchia, ex-deputado estadual e secretário de meio ambiente de Porto Alegre, que assumiu o cargo de diretor administrativo. Záchia fez carreira política a partir de um cargo na direção do Internacional de Porto Alegre.
Ostenta enorme capivara.
Tem uma condenação no caso do Detran, na gestão Yeda Crusius (PSDB). Em abril de 2013 passou cinco dias detido no Presídio Central de Porto Alegre, no âmbito da Operação Concutare, da Polícia Federal.
No ano passado foi condenado por improbidade administrativa em um esquema levantado pela Operação Rodin.
Não é só a CEITEC, mas também a Nuclep (Nuclebrás Equipamentos Pesados), outra empresa estratégica.
Recentemente foi aprovada uma lei exigindo currículo e experiência compatível para diretorias de S/As estatais. Quem define é a Casa Civil. De Eliseu Padilha ou Moreira Franco.
Toda essa esbórnia de Temer é endossada pela mídia e por setores de mercado que julgam que a ampliação da corrupção é um preço a se pagar para se conquistar as reformas draconianas.
A exposição gradativa de todos os vícios da junta que assumiu o poder está fazendo com que o governo Temer se desmanche no ar. É impactante a miopia dos grupos que assumiram o poder.
Não se nega a necessidade de ajustes graduais na Previdência.
Mas nenhum analista minimamente preparado aceitará como definitivo um pacote enfiado goela abaixo dos sindicatos e dos contribuintes, ao preço da ampliação da corrupção política.
Qual a garantia de manutenção desse exagero? Qual o impacto dessa loucura nas eleições de 2018?
O mínimo que se espera dos poderes que colocaram essa quadrilha no governo – Procuradoria Geral da República e Supremo Tribunal Federal – é a montagem de uma estratégia de medidas judiciais que contenha o saque.
O que teria a dizer desse assalto à luz do dia o Ministro Luís Roberto Barroso, que avalizou o estado de exceção para crimes políticos?
Não venha o Supremo dizer que esse problema não é dele. É dele sim.
É responsabilidade direta de Barroso, Celso de Mello, Marco Aurélio, Lewandowski, Facchin, Gilmar e Toffoli.
O resultado desse jogo é que esses grupos de elite chegarão a 2018 sem um projeto de país, sem o álibi de terem contido a corrupção e sem nenhuma chance para as eleições. E a reconstrução do país levará décadas.
Essa é a verdadeira situação do nosso país. Se alguém souber de outra, nos informe, ficaremos agradecidos.
Luis Nassif