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O voto em Bolsonaro

O covidsonaro

As eleições presidenciais de 2018 foram absolutamente atípicas, com a vitória alcançada por um extremista de direita, militarista, favorável às privatizações em larga escala e à severa diminuição dos direitos sociais. “Menos direitos, mais empregos” é um dos bordões preferidos de Bolsonaro.

Além disso, reiteradamente, ele manifesta sua simpatia pelo regime militar instalado em 1964, que sempre negou ter sido uma ditadura.

No âmbito cultural e ideológico, Jair Bolsonaro defende a restauração da “família conservadora”, a “Escola sem Partido” e a criminalização da “apologia ao comunismo”. Cultiva, ademais, delirante obsessão de combate ao “marxismo cultural”, supostamente responsável, até mesmo, pela “ideologia da globalização” (arremedo da expressão “bolchevismo cutural”, de Hitler).

Para ele, “bandido bom é bandido morto”; a segurança pública se faz em detrimento dos direitos humanos, sempre confundidos com os dos criminosos. Já a oposição de esquerda é invariavelmente apresentada como antipatriótica.

O discurso da extrema direita também “aciona noções como a ameaça a supostos valores compartilhados sobre a família e a sexualidade, usando o poder cibernético para uma combinação de mensagens, estruturando narrativas homofóbicas, racistas, machistas e classistas” (Bocayuva, 2019).

Mesmo esse ideário regressivo e autoritário, a utilização de fake news, financiada por grandes empresários na campanha eleitoral e a fuga sistemática de debates de candidato sem nitidez programática nem competência política demonstrada, não foram suficientes para abalar a preferência dos seus eleitores.

Também não os afastou o voluntarismo, o destempero e a misoginia do capitão reformado. Tão chocante escolha, envolvendo a maioria dos eleitores de todas as classes sociais e regiões do país (salvo os do Nordeste) deixou os cientistas políticos, os meios ilustrados e os democratas de diversos matizes perplexos e apreensivos. O que teria, afinal, ocorrido?

Sabe-se que o voto em Bolsonaro não foi determinado pelas suas qualidades pessoais, ou por opção programática. Pesou decisivamente a situação de parte do eleitorado, temeroso do desemprego e da insegurança, ambos crescentes, e indignado com a degenerescência dos partidos e a corrupção generalizada e endêmica do Estado.

Nesse contexto, não poucos dirigiram sua raiva contra as forças que lutaram contra os interesses dominantes, culpando os beneficiários de políticas assistenciais e portadores de direitos pela situação econômica do país.

O alvo do ódio desses eleitores foi os mais fracos e oprimidos que tentaram se salvar pela submissão aos setores dominantes, aos ricos e aos detentores do uso da força. Não há como deixar de comparar com os fatores que conduziram Mussolini e Hitler ao poder ao que ocorreu no Brasil.

Em relação à Itália, deixemos falar o grande pensador e romancista Umberto Eco: “O fascismo provém da frustração individual e social. O que explica porque uma das características dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos” (Eco, 2002, p. 16).

Acerca da Alemanha, William Shirer, um dos mais importantes estudiosos do III Reich, nos explica que “na sua miséria e no seu desespero, os mais pobres fizeram da República de Weimar o bode expiatório de todo seu infortúnio” (Shirer, 1967, p.85).

E isso a despeito dessa República, graças aos socialistas alemães, ter construído o Welfare State (Estado de Bem Estar Social). Mas eles não souberam enfrentar, na sequência, a grave recessão econômica no país, da qual se aproveitou Adolf Hitler.

 Qualquer semelhança com os fatores que determinaram a eleição de Bolsonaro não é mera coincidência. Ademais, pesou na balança um antipetismo oportunista e fanático, adrede alimentado pelos partidos políticos conservadores e conduzido pelo monopólio midiático, que serviu para ocultar – consciente ou inconscientemente – mal disfarçados interesses de classe.

Ao eleger a corrupção como o problema número um do país, a mídia contribuiu decisivamente para que os eleitores, insatisfeitos com todos os partidos – todos, supostamente aprisionados à “velha política” – votassem em alguém considerado o outsider, crítico do “sistema”.

Portanto, que seria o único credenciado a combatê-la. Essa constatação, obviamente, não exonera o Partido dos Trabalhadores de sua parcela de responsabilidade pela vitória da direita.

Nunca os seus descaminhos políticos e administrativos, e a corrupção que contaminou algumas de suas maiores lideranças, foram objeto de uma verdadeira autocrítica. O petismo pagou o preço da sua sempre reiterada negativa de reconhecer os erros cometidos, demonstrando assim o seu alheamento à realidade.

Por último. Quem estuda os fatores psicossociais da eleição de Bolsonaro à Presidência não pode deixar de fazer uma análise – ainda que perfunctória – do voto evangélico no pleito presidencial, pois ele concorreu, decisivamente, para a escolha do extremista de direita que governa o país.

Com efeito, não são poucos os que, até hoje, se interrogam sobre as razões pelas quais uma parte expressiva do eleitorado cristão – no caso, a maioria evangélica – pôde votar para o cargo máximo da República em um candidato que, tendo fugido dos debates, não deixou de proclamar, alto e bom som, sua simpatia por regimes que torturaram, mataram ou perseguiram milhares de brasileiros. Voto que contribuiu, decisivamente, para a vitória do “Mito”.

Rubens Pinto Lyra (PRIMEIRA PARTE)

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