Tempo - Tutiempo.net

Petrobras aumenta produção de combustíveis, e refinarias privadas se revoltam

Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, foi vendida durante o governo de Jair Bolsonaro

As refinarias da Petrobras atingiram, em maio, a marca de 95% de utilização da sua capacidade de produção de combustíveis.

O fato, comemorado em comunicado divulgado pela própria estatal, não era alcançado desde julho de 2015.

Reforça a intenção da empresa de cumprir a promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de “abrasileirar o preço” da gasolina e do diesel no país, os produzindo aqui.

Segundo a Petrobras, em maio, a utilização das refinarias chegou a 99%. No mesmo mês, ela desvinculou oficialmente seus preços do chamado Preço de Paridade de Importação (PPI) e ainda deu início a uma sequência de corte dos valores dos combustíveis vendidos a distribuidoras.

Mas houve quem não gostasse disso tudo: os donos das refinarias privadas do país, que produzem 20% dos combustíveis nacionais.

Eles se juntaram numa associação, a Associação Brasileira de Refino Privado (Refina Brasil).

Por meio dela, estão questionando a Petrobras no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Querem que a empresa seja obrigada a vender eles petróleo a preços iguais aos repassados pela Petrobras as suas próprias refinarias.

A ideia da Refina Brasil tende a fazer a estatal produzir combustível a preços parecidos com o de suas concorrentes – hoje, mais caros. Isso garantiria às refinarias privadas espaço no mercado de gasolina e diesel sem precisar reduzir preços para isso.

Estratégia conhecida

A Refina Brasil foi formada em dezembro do ano passado. É composta pela Acelen – empresa criada pelo fundo Mubadala Capital para gerir a antiga Refinaria Landulpho Alves (Rlam), privatizada em 2021 –, pela Atem – que comprou da Petrobras a Refinaria da Amazônia (Ream) – e por outras quatro empresas.

No Cade, a associação tenta pressionar a Petrobras para obter resultados semelhantes aos alcançados pela Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustível).

A Abicom foi fundada em 2017. Em fevereiro de 2018, acionou Cade para obrigar a Petrobras a vender combustíveis somente com base no mercado internacional.

Segundo a entidade, caso a estatal não o fizesse, acabaria se tornando uma monopolista no fornecimento de combustível no país.

Naquela época, a Petrobras era comandada por Pedro Parente, indicado pelo então presidente Michel Temer (MDB). Em 2019, passou a ser gerida pelo economista Roberto Castello Branco, indicado por Jair Bolsonaro (PL).

A Petrobras não se defendeu na ação da Abicom. Em junho de 2019, anunciou um acordo com o conselho para colocar fim às investigações sobre a denúncia da associação ao órgão. No acordo, ela comprometeu-se em vender oito refinarias.

“As refinarias vão na mesma toada da Abicom”, disse o economista Eric Gil Dantas, que trabalha para o Observatório Social do Petróleo e acompanha a movimentação das empresas contra a Petrobras.

“A questão é pressionar para que a Petrobras repasse petróleo mais barato para eles, o que não faz sentido algum. A Petrobras não tem nenhum tipo obrigação de vender mais barato pra concorrência.”

“O setor privado não é competitivo contra a Petrobras. Só cresce se a Petrobras abrir espaço”, acrescentou Rosangela Buzanelli, membro do conselho de administração da empresa eleita pelos funcionários da empresa. “Nosso preço é mais baixo.”

Petrobras reage

O novo presidente da Petrobras, ex-senador Jean Paul Prates (PT), reclamava quando ainda trabalhava no Parlamento da postura da estatal ante às queixas da Abicom.

Prates foi um dos que denunciou a falta de iniciativa da empresa para se defender. Ao tomar posse, prometeu que a estatal passaria a brigar por mercado perdido.

“As refinarias vão tentar encontrar algum tipo de apoio para que a Petrobras se boicote. Mas o contexto é oposto”, ressaltou Gil Dantas, já que o acordo com importadores reduziu o mercado da Petrobras.

Em 2016, 49% dos veículos brasileiros rodavam abastecidos com gasolina da Petrobras. Só 8% rodavam com gasolina produzida ou importada por outras empresas. O resto rodava usando etanol ou gás natural.

Em 2020, depois que a Petrobras adotou preços baseados no mercado externo e, consequentemente, mais caros, o percentual de veículos que rodavam com gasolina da estatal caiu para 38%. A fatia dos que usavam gasolina de outras empresas chegou a 12%.

No mercado de veículos pesados, o diesel da Petrobras abastecia 77% da frota em 2016 e o de outras empresas, 16%. Em 2020, a participação da estatal neste mercado caiu para 69%. A de outras empresas subiu para 19%.

Monopólio regional

Mahatma dos Santos, um dos diretores técnicos do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), lembrou que, mesmo que a Petrobras tente retomar espaço em mercado que perdeu, a tarefa não será fácil.

Ele disse que as refinarias do país foram construídas pensando numa divisão de território. Cada uma atende uma determinada área.

Empresas que compraram essas plantas da Petrobras automaticamente assumiram esses mercados, tornando-se monopolistas regionais. Competir com elas, mesmo para uma estatal do tamanho da petroleira, não é simples.

“O processo de privatização cria esses monopólios”, afirmou. “A Petrobras que vai ter mais dificuldade de acessar esses mercados ao mesmo tempo em que as refinarias privadas vão tentar utilizar todas as ferramentas para bloquear sua entrada ou reduzir sua competitividade.”

Procurada para comentar as queixas da Refina Brasil, a Petrobras informou que “o cenário de produção de petróleo no Brasil é bastante dinâmico, com a presença de mais de 60 produtores” e que, portanto, os “refinadores independentes podem suprir todo seu requerimento de petróleo sem dependência da produção da estatal”.

“A Petrobras esclarece também que a produção total dos demais produtores de petróleo nacional supera, com folga, a capacidade de processamento dos refinadores independentes”, acrescentou.

Sobre a ação da Abicom contra a empresa e o acordo para venda de refinarias, a Petrobras reiterou que “buscará construir uma solução para conciliar os compromissos assumidos anteriormente com as novas propostas a serem consideradas no [novo] Planejamento Estratégico”, que está em discussão pela nova gestão da empresa.

Vinicius Konchinski

OUTRAS NOTÍCIAS