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Rejeição a Bolsonaro é bem mais expressiva do que aversão ao PT

Nem todo mundo sabe, mas hoje o anti-bolsonarismo é maior do que o anti-petismo. Na verdade, bem maior. Inversamente, a proporção daqueles que têm uma posição favorável em relação ao PT, a Lula e às lideranças e bandeiras do partido ultrapassa, em muito, àquela dos que pensam positivamente a respeito de Bolsonaro, suas ideias e governo.

Há tempos o mito do “crescimento da rejeição ao PT” (e tudo que dele decorre) faz parte de nosso senso comum.

Tanto que muitos passaram a considerá-lo um dado de natureza, que dispensa comprovação. Repetido como mantra desde ao menos 2013, tornou-se uma daquelas verdades que, embora falsas, parecem evidentes.

Ainda mais depois do resultado da eleição de 2018, que a maioria dos entendidos explicou como se fosse a expressão do “maciço” (e, ao que parece, em sua opinião, “natural”) anti-petismo na sociedade.

Essa conclusão, no entanto, não procede. Não há evidências de que tenha havido, nos últimos anos, uma mudança relevante nas proporções de aprovação/reprovação do PT e, muito menos, de que a vitória de Bolsonaro decorra do crescimento do anti-petismo.

Ao contrário, dizer que é o anti-petismo (supostamente espontâneo e “normal”) que explica o bolsonarismo equivale a naturalizar o resultado da eleição de 2018, transferindo a responsabilidade por termos um desqualificado à frente do Executivo às escolhas racionais de eleitores “decepcionados” com o PT.

Na mais recente pesquisa do instituto Vox Populi, anti-bolsonaristas e anti-petistas foram definidos como a soma daqueles que “detestam” ou “não gostam, sem chegar a detestar” de um ou outro.

No primeiro caso, do personagem em si, seu comportamento e as coisas que fala (dado que o capitão nem sequer está filiado a um partido).

No segundo, do partido propriamente dito. Nesses termos, são anti-bolsonaristas 47% dos entrevistados, enquanto 25% podem ser considerados anti-petistas.

Ou seja, aqueles que nutrem sentimentos negativos em relação a Bolsonaro somam cerca do dobro dos que antipatizam ou desgostam do PT. Vice-versa, 38% dizem “gostar muito” ou “gostar, sem ser muito” do PT e 28% de Bolsonaro.

Em relação ao PT, esses resultados, do fim de 2019, são quase idênticos aos de cinco anos atrás: em maio de 2015 (em pleno desgaste da imagem de Dilma Rousseff ), 31% dos entrevistados, empregando a mesma métrica, podiam ser considerados anti-petistas, taxa que permaneceu sem mudar até as vésperas da eleição passada (em outubro de 2018, estava em 29%).

Como se vê, os números não sugerem que tenha ocorrido, ao longo de 2018, uma elevação significativa do anti-petismo capaz de explicar a vitória de Bolsonaro.

Note-se que haver uma proporção estável, de pouco menos de um terço de anti-petismo em nossa sociedade, faça chuva ou faça sol, não significa imaginar que os dois terços restantes são eleitores que, em algum momento, o partido teve e perdeu.

Em nenhuma eleição nacional, desde 1989, o PT conseguiu mais de 60% dos votos válidos ou mais de 46% do voto total, o que significa dizer que, no mínimo, 40% dos eleitores que compareceram às urnas (ou 54% dos cidadãos aptos a votar) não votaram em um candidato do PT (estamos falando de Lula em 2006, contra Alckmin no segundo turno, o melhor resultado obtido pelo partido em todos os tempos).

Hoje, uma parcela expressiva do anti-petismo brota de quem gosta de Bolsonaro, mas não a totalidade: entre os 25% anti-petistas, 16% (ou seja, dois terços) são bolsonaristas, mas há 9% que não gostam ou repudiam Bolsonaro (entre os quais estão 4% que rejeitam ambos, simultaneamente).

O anti-bolsonarismo, por sua vez, abriga maior diversidade: 40% daqueles que não gostam ou detestam Bolsonaro não simpatizam ou se identificam com o PT.

Bolsonaro e sua claque representam uma minoria que chegou ao poder depois de uma sucessão de manipulações: juízes e procuradores facciosos condenaram e prenderam Lula, impedindo o PT de disputar com seu candidato natural, os militares ultrarreacionários proibiram o ex-presidente de falar, Bolsonaro escondeu-se do debate público e, para arrematar, trapacearam a eleição com toneladas de fake news contra Fernando Haddad, despejadas com grana ilegal e o beneplácito dos empresários da fé evangélica.

Enquanto isso, a “grande imprensa” olhava para o lado e fingia que nada via. Chega a ser cômico afirmar que o anti-petismo é a causa da vitória do capitão.

A turma de Bolsonaro pode querer desfechar um golpe para estabelecer uma ditadura e pode até conseguir.

Mas uma coisa é certa: não será porque “o povo quer” ou “em resposta aos anseios populares”, como os militares gostavam de dizer a respeito de suas intervenções na política antes de 1964.

Se depender da escolha livre do eleitorado, o pesadelo bolsonarista será breve.

MARCOS COIMBRA

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