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Uma escolha nada difícil, por Rita Almeida

O psicólogo social estadunidense Jonathan Haidt pesquisou durante 25 anos o que ele chamou de psicologia moral.

O objetivo foi traçar o perfil psicológico das pessoas, relacionado com a tendência delas em aderir a perspectivas políticas de esquerda ou direita.

Dentre os traços psicológicos estudados pela pesquisa está a forma como as pessoas percebem e lidam com o outro não familiar (o diferente, o estrangeiro, o estranho, a novidade).

Os resultados obtidos indicam que pessoas que aderem a perspectivas políticas de direita – mais conservadoras – são as mesmas que tendem a perceber o outro/diferente como um risco, uma ameaça.

Já os adeptos de perspectivas de esquerda – mais progressistas – tendem a tomar o outro/diferente como alvo de interesse e curiosidade.

Dizendo de modo inverso, pessoas que sentem medo ou aversão ao outro/diferente, tendem a adotar perspectivas mais conservadoras, procuram segurança, permanência, ordem e confiabilidade.

Aquelas que sentem interesse, curiosidade ou desejo pelo outro/diferente, tendem a adotar perspectivas mais progressistas, estão abertas à novas experiências, à mudanças, à variedade e à diversidade.

A pesquisa adota o conceito de “traço de personalidade”, que dá a ideia de que tais caracteres psicológicos são dados mais ou menos fixos nos sujeitos. Prefiro aqui adotar uma perspectiva não tão determinista. Meu entendimento é que de acordo com determinadas circunstâncias, situações, fases da vida ou condições subjetivas, políticas e sociais, as pessoas possam estar mais ou menos curiosas ou temerosas diante do outro/diferente.

Ou seja, a forma como eu encaro o outro/diferente pode sofrer mudanças. Em tempos de guerra, por exemplo, esse outro não familiar é quase sempre visto como uma ameaça, ao passo que em tempos de paz e prosperidade é muito mais possível enxergar o outro como parceiro, como alguém para o qual eu possa dirigir meu desejo de fazer laço.

Também é fundamental levar em conta que esse outro/diferente pode ser intencionalmente produzido como estratégia para governar e liderar.

Interessa a governos, lideranças e instâncias progressistas, mais à esquerda, criarem estratégias de produção de um outro/diferente que possa ser acolhido, desejado, convidado, compreendido, estudado.

Por outro lado, interessa a governos e lideranças mais conservadoras e de direita produzirem um outro/diferente que precise ser repelido, exorcizado, temido, aprisionado, silenciado.

O que chamamos de extrema-direita seriam as vertentes de poder onde o outro precisa ser odiado na radicalidade da sua existência, do seu corpo.

E a solução apresentada é que seja sumariamente eliminado. E eliminado numa condição brutal de objetificação.

O genocídio enquanto estratégia necropolítica da extrema-direita, não pode ser compreendido como mero efeito colateral da violência numa guerra tradicional qualquer.

Aplicando isso ao Brasil dos nossos tempos, fica mais fácil entender por que a “arminha com a mão” se tornou o gestual para identificar os eleitores de Bolsonaro.

Para se eleger, Bolsonaro precisou, antes mesmo de criar uma legião de adeptos, se munir de inimigos. Não por acaso o antipetismo lhe caiu tão bem.

Inimigos que ele precisa eliminar e também inimigos que pretendem eliminá-lo. Assim, Bolsonaro desliza facilmente entres os lugares de algoz e vítima, sem perder a capacidade de criar inimigos: o PT, os comunistas, a China, o globalismo, o esquerdismo, a OMS, os ambientalistas, ou seja lá quem for o inimigo da vez.

Também se torna compreensível porque os cristãos fundamentalistas e os militares (forças armadas e polícias) foram, e ainda são, os aliados mais aderidos ao Bolsonarismo.

Ambos se sustentam nessa vertente conservadora de tomar o outro que não faz parte de suas trincheiras, como um potencial inimigo.

O bandido, o estrangeiro, o invasor é o outro dos militares, que precisa ser exilado ou eliminado. O demônio, o imoral, o descrente, o pagão é o outro dos fundamentalistas religiosos, que precisa ser convertido ou exorcizado.

Bolsonaro, por sua vez, é uma máquina de produzir inimigos reais e imaginários, e ele o faz simplesmente porque não sabe fazer outra coisa.

Seus pares só podem ser seus iguais, seu reflexo especular, ou aqueles que ele pode tomar como objeto do seu gozo perverso.

Todos os demais são inimigos a serem derrotados e eliminados. Bolsonaro é perfeito para criar os inimigos necessários à sustentação de uma adesão de massas de extrema-direita.

Essa semana assistimos às reportagens sobre a passagem de Lula pela Europa, e foi inevitável comparar a sua postura com a de Bolsonaro em suas viagens internacionais.

Bolsonaro faz questão de continuar colecionando desafetos e inimigos aonde quer que vá, acusando pessoas, negando fatos e mantendo um discurso que se conecta apenas com sua bolha, que ele precisa manter constantemente agitada.

Já Lula esbanja afeto, bom humor, carisma e desejo. Conversa com líderes diversos, com populares, é aplaudido, reverenciado. Dirige sua fala ao mundo, às questões urgentes do Planeta.

É capaz de falar de temas difíceis e espinhosos, de tecer críticas e defender suas posições sem criar inimigos.

Usa a fala como um Estadista interessado em se conectar. Lula é um sujeito essencialmente desarmado. Sua abertura ao outro é o que faz quem ele é.

Eventualmente, Lula e Bolsonaro são colocados como dois extremos, geralmente com aquela tentativa infame e cínica de igualá-los, a fim de justificar uma suposta terceira via: nem Lula, nem Bolsonaro.

Mas considerando essas questões que levantei, devemos concordar que Lula é realmente o total oposto de Bolsonaro. A distância ética entre eles é abissal, intransponível, incomensurável.

Quem não consegue enxergar isso – e até Eliane Cantanhêde enxergou – é, no mínimo, um estúpido.

Lula é uma rede de conexão inteligente de possibilidades ilimitadas.

Bolsonaro é uma arma apontada pra nossa cabeça.

Rita Almeida

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