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VENDERAM O CAOS E QUEM PAGA SÃO OS JORNALISTAS

A semana que termina nesta sexta-feira escancarou a crise dos meios de comunicação brasileiros. Primeiro, foi a Abril, em São Paulo, quem entregou metade dos andares que ocupa e viu o busto do fundador Victor Civita ser removido.

 

Em seguida, o Estado de Minas demitiu 11 profissionais experientes e foi repreendido pelo sindicato dos jornalistas por ter misturado jornalismo e política, de forma tão explícita. Agora, é o Globo que corta 100 profissionais, dos quais 30 na redação.

 

Há um ponto em comum entre esses três grupos editoriais. Todos, no último ano, adotaram o discurso de que o Brasil rumava para o caos.

Engajados na campanha do senador Aécio Neves (PSDB-MG) à presidência da República, o que foi feito de forma explícita por Zeca Teixeira da Costa, diretor do Estado de Minas, esses veículos venderam a ideia de que a economia brasileira, mesmo com pleno emprego e inflação na meta (ainda que no topo), mais cedo ou mais tarde afundaria.

Tal discurso contaminou as expectativas empresariais, reduzindo investimentos. E os primeiros a sofrer foram os grupos de comunicação. Os patrões venderam o caos, mas os jornalistas e profissionais de outras áreas é que pagam o pato.

O jornal O Globo realizou mais de uma centena de demissões nesta quinta-feira, 8. Conforme informações extraoficiais repassadas à reportagem do Comunique-se, ao todo, o veículo de comunicação dispensou cerca de 160 profissionais, atingindo vários departamentos da empresa, como administrativo e comercial.

Na redação, os cortes alcançaram aproximadamente 30 pessoas, entre repórteres e diagramadores.

Na lista de jornalistas que se despediram do dia a dia do impresso mantido pela Infoglobo estão profissionais premiados e com longo tempo de casa, caso da editora-assistente de ‘Rio’, Angelina Nunes, que estava na empresa de comunicação desde 1991.

Ela usou o perfil que mantém no Facebook para confirmar a sua saída. “A partir de hoje não estou mais no Globo. Vou concluir o mestrado e me preparar para quando o Carnaval chegar”, publicou.

Durante os 23 anos de trabalhos dedicados ao Globo, somou conquistas como Prêmio Esso, Prêmio Embratel e Prêmio Vladimir Herzog.

Integrante da galeria ‘Mestres do Jornalismo’ do Prêmio Comunique-se desde 2013, o colunista de cultura Artur Xexéo também foi dispensado pela direção do jornal.

No Globo desde 2000, o articulista parece ter pressentido que iria deixar de colaborar com a publicação. No blog que leva o nome do jornalista, o último texto (publicado no domingo, 4) recebeu o título de “Despedidas”.

No artigo, ressalta-se que a despedida era de 2014, mas o autor chega a citar a sua situação profissional em determinado trecho.

“Se o assunto não for minha aposentadoria, o leitor sempre pode imaginar que fui demitido. Que demoraram 22 anos, mas, enfim, descobriram que sou uma farsa”, escreveu Xexéo.

Após cortes de gastos e reestruturações em seus produtos editoriais, a editora Abril tem esvaziado andares de sua sede em São Paulo (SP). Uma parte do prédio teria sido entregue a um fundo investidor do Banco do Brasil, dono do imóvel.

O principal motivo para as mudanças teria sido a diminuição de operações na editora desde 2013 – envolvendo desde a transferência de dez publicações para a Editora Caras até o fim da versão impressa da revista Info.

Em 2014, a editoria já havia divido parte de suas atividades com o prédio localizado na Marginal Tietê, que pertence à Abril e não é alugado.

 

IMPRENSA teve acesso ao comunicado interno divulgado pela empresa, que explica aos funcionários os detalhes das mudanças.

Nele, a editora diz que decidiu não renovar o contrato de locação do primeiros andares da chamada Torre Alta. Assim, as atividades da Abril ficarão concentradas do 13º ao 26º andar do prédio, além do 8º piso.

Com a reorganização do espaço comum do condomínio, o busto de Victor Civita, fundador da Abril, que ficava na recepção, foi transferido para o mezanino do prédio.

O terraço e o auditório seguem sendo de uso exclusivo da editora. O corte de custos seria uma estratégia natural do grupo e não indicaria uma suposta “crise financeira”. Com redações cada vez menores, a empresa decidiu “compactar” suas instalações.

Procurada, a Abril ainda não se posicionou oficialmente sobre o assunto.

O jornal O Estado de Minas, um dos principais veículos de comunicação de Minas Gerais, promoveu nesta quarta-feira (7/1) um corte em seu quadro de funcionários. De acordo com o sindicato dos jornalistas do Estado, 11 jornalistas foram demitidos.

Segundo a entidade, os profissionais desligados tinham grande experiência profissional, sendo que alguns trabalhavam no jornal há décadas.

Os cortes atingiram cinco editoriais, que perderam repórteres, editores, fotógrafos e um ilustrador. Uma secretária também foi demitida.

Em nota, o sindicato solidarizou-se com os demitidos e suas famílias e manifestou grande preocupação com os cortes, que “enfraquecem” o jornalismo mineiro.

A preocupação do Sindicato não se limita à perda do emprego desses jornalistas e fechamento de postos de trabalho, mas também pelas circunstâncias recentes que cercam a decisão da empresa.

No final de 2014, num ato que teve grande repercussão, o mesmo jornal dispensou o então editor de Cultura João Paulo Cunha, que se recusou a ter seus artigos censurados.

A entidade diz entender que o fortalecimento da profissão e da liberdade de imprensa passa pela produção de um jornalismo vigoroso, informativo e democrático, masa, ainda de acordo com ela, o jornal tem realizado “exatamente o oposto”.

“A renovação urgente do jornalismo mineiro não pode prescindir de profissionais experientes como estes que acabam de ser dispensados. O Sindicato informa ainda aos dispensados que transmitirá orientações jurídicas a serem tomadas e em relação ao plano de saúde, que também foi motivo de litígio recente dos jornalistas com a empresa”.

À IMPRENSA, Kerison Lopes, presidente do sindicato, afirma que as demissões ocorrem em decorrência da crise financeira enfrentada pela publicação, que vai além dos problemas enfrentados pelos veículos impressos em todo o mundo.

“O jornal passa por uma crise financeira, e uma crise de gestão e credibilidade. Nos últimos tempos, O Estado de Minas adotou uma linha editorial atrelada a um grupo político e acabou perdendo assinantes e, consequenemente, diminuindo sua venda em bancas”, disse ele.

Procurado por IMPRENSA, o jornal não retornou as ligações para comentar os cortes.

Fonte: Lucas Carvalho, Vanessa Gonçalves, Jéssica Oliveira

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