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Morador da Rocinha é morto por uma bala perdida

Fabio Gonçalves

Aos 70 anos, Antônio Ferreira era bastante conhecido na comunidade da Rocinha, na Zona Sul do Rio.

Cria da comunidade, há décadas trabalhava realizando reparos em eletrodomésticos, como ferros de passar roupas e ventiladores. Dava jeito até em bicicletas, contam os moradores. Apelidado de “Marechal”, poucos sabiam do seu nome de batismo.

Era figura bastante querida na região. Como fazia diariamente, estava em seu ponto de trabalho, o mesmo há cerca de 50 anos, na noite desta quarta-feira — “terminaria de jantar, arrumaria as coisas para, depois, voltar para casa”, segundo parentes. Não voltou. Durante um confronto entre policiais militares e bandidos, Antônio foi atingido no rosto por uma bala perdida e não resistiu.

A julgar pela quentinha de papel alumínio caída ao lado de seu corpo, o idoso estava no meio da refeição quando foi baleado.

Testemunhas contaram que, após a vítima ser atingida, moradores levaram o seu corpo para debaixo da passarela, na entrada da Rocinha, antes de encobri-lo com um lençol branco.

 Quando a notícia da morte dele chegou, meu irmão se surpreendeu, disse que havia acabado de passar no local e falado com ele. Mas ele era assim, com manias: iria terminar de jantar, arrumar as coisinhas dele e só depois voltaria para casa.

Mas dessa vez não foi assim. Aconteceu isso (o tiroteio) e ele não voltou — disse uma parente da vítima, que pediu para não ser identificada.

Familiares de Antônio estavam abalados com a perda repentina do idoso. Outros moradores, muitos que o “conheciam desde pequenos”, lamentaram o episódio trágico:

 Ele tratava todo mundo como se fossem filhos dele. É uma dor que não tem explicação a que família deve estar sentido nesse momento, só quem perde sabe o que é. Tinha ele como um avô. Marechal tinha muita experiência de vida — lamentou uma moradora.

O idoso não foi o único morto durante o confronto na Rocinha.

O policial militar Felipe Santos de Mesquita também foi baleado no tiroteio. Ferido no Abdômen, ele chegou a ser socorrido e levado por colegas de farda para o Hospital municipal Miguel Couto, na Gávea, também na Zona Sul, mas morreu na unidade.

De acordo com a PM, o confronto começou quando policiais militares da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade foram atacados por criminosos armados, no momento em que realizavam um patrulhamento no Largo do Boiadeiro.

Houve confronto. Depois, ainda conforme informações da corporação, PMs do Batalhão de Choque foram deslocados para o local onde ocorreu o fogo cruzado. O Batalhão de Operações Especiais (Bope) também chegou a ser acionado.

Moradores relataram que bandidos estariam disparando contra policiais de uma parte mais alta da comunidade na direção dos PMs.

 Antes não era assim. Atualmente, os bandidos estão muito abusados. Eles enfrentam os policiais militares, parece até que chamam para a briga.

Eles têm umas armas grandes que eu nunca vi. Já vi grupos andando por aqui com muitos fuzis. Subir a rua do valão e ir para a Vila Verde é pedir para morrer — disse uma mulher que mora há dez anos na comunidade, que, com medo de represálias, pediu para não ser identificada.

Para outra testemunha, o embate entre bandidos e policiais na comunidade deixa ainda mais vulnerável a situação dos moradores:

 Todo mundo sabe que existe tráfico nas favelas do Rio de Janeiro. O problema é que quando há confronto entre eles e os policiais, os moradores é que ficam no meio e acabam morrendo ou se ferindo, como aconteceu com o Marechal — opinou outra moradora.

O caso na Rocinha está sob os cuidados da Delegacia de Homicídios da Capital (DH). Agentes da especializada estiveram no local do crime e deixaram a comunidade já na madrugada desta quinta-feira, por volta da 0h30m.

Policiais militares acompanharam o trabalho dos peritos. O corpo de Antônio Ferreira foi retirado do local cerca de uma hora depois. O procedimento foi acompanhado por parentes.

Ainda no fim da noite desta quarta-feira, moradores contaram que houve um tumulto no acesso à comunidade. Neste momento, teria sido lançado no local uma bomba de efeito moral, contam as testemunhas. Um dos estilhaços feriu levemente um menino de 11 anos, no braço esquerdo. Ele não precisou de atendimento médico.

Fomos comprar um açaí, quando teve uma confusão. Atiraram uma bomba (de efeito moral), mas não tinha bandido por perto. Eu empurrei ele para tirá-lo de perto, mas mesmo assim um estilhaço atingiu o braço dele.

Por causa do tiroteio que tinha ocorrido mais cedo, ele ficou comigo aqui, porque não dava para voltar para casa. Muita covardia isso tudo — contou o padastro do garoto, Pedro Henrique, de 25 anos, que trabalha comercializando lanches nos acessos à Rocinha.

Rafael Nascimento

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