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Sem indignação não se tem alma

Não se lê, nos jornais de hoje, quase nenhuma reação diante da ameaça absurda feita ontem por Jair Bolsonaro de que o jornalista Glenn Greenwald pode “pegar uma cana” e que não será expulso porque foi “malando” e (curioso, “malandro” 14 anos atrás) casou-se com um brasileiro, adotando duas crianças.

Isso não é uma questão política, nem mesmo apenas uma questão de liberdade de opinião de um jornalista.

É, de uma parte, o direito do público à informação e, de outra, da obrigação do detentor do mais alto cargo da República de conter-se, pelo que sua palavra representa em meio a um processo investigativo da Policia Federal.

Pouca coisa houve, entre elas a nota da Associação de Jornalistas Investigativos, a Abraji, e da ABI repudiando a fala presidencial.

É pouco, pouquíssimo.

É verdade que era um sábado, depois do meio-dia, quando as edições estão praticamente fechadas. É verdade que muitos se encontravam, como é normal para a maioria e deveria ser para todos, em suas atividades privadas, com amigos ou família.

Mas, convenhamos, com a Internet, nem é preciso mais o dramático “parem as máquinas”. E sobre estarmos disponíveis, considerar que possamos ser diferentes dos médicos, que não importa onde estejam, devem acorrer aos casos graves?

Será que somos tontos suficiente para não perceber que a batalha da informação e do jornalismo, não se trava mais esperando a folha de amanhã?

“Morreu o papa!” era gozação comum nas redações, nos anos 70, quando algum colega ia saindo, a significar : “volta, vem trabalhar que o mundo não parou por sua causa”. Eu estava na redação de O Globo, em 1978, e não me recordo se com Paulo VI ou João Paulo I, a história tornou-se real.

Ontem – e parece que não nos demos conta – aconteceu uma torpeza ( e não apenas uma, pois chamou-se de idiota uma profissional que realizava seu trabalho) contra o exercício do jornalismo e do direito constitucional deste ser feito com a proteção do sigilo de fonte.

Temos um Presidente e um Ministro da Justiça que se posicionam claramente pela prisão de um jornalista por exercer seu ofício, como esperar que meros policiais não se associem a isso, se os chefes são explícitos assim?

O jornalismo brasileiro, tão arrogante, no qual os figurões não hesitam em apontar a outros como “blogueiros sujos”, não pode seguir se omitindo.

Não pode dizer que “foi passar o final de semana fora” e que “segunda-feira entra no assunto”.

Honra e dignidade profissional não são coisas para deixar para o dia seguinte.

Fernando Brito

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