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A farsa por trás do chamado “Ranking dos Políticos”

Há seis anos, tem circulado na internet um conto do vigário chamado Ranking dos Políticos. É um site que ranqueia os congressistas eleitos para a Câmara e o Senado e virou referência em avaliação da atuação parlamentar de candidatos em períodos eleitorais. A página é bonita, as ferramentas são excelentes, fáceis de usar, e tem uma boa base de dados sobre a atuação dos políticos. É possível, por exemplo, consultar os processos judiciais de todos os parlamentares e filtrar por partido ou estado. O site passa a impressão de credibilidade e independência, mas a sua principal função, o ranking que classifica os parlamentares do melhor para o pior, não passa de uma armadilha liberal para a massa incauta de eleitores que busca informações na internetpara escolher seu candidato.

Logo na entrada do site, uma mensagem anuncia a independência do grupo: “O Ranking existe para fornecer informações sobre quem é quem no Congresso Nacional. Não temos rabo preso com ninguém. Não somos filiados a nenhum movimento, grupo ou partido. Não temos relação com o Governo. Temos apenas três bandeiras: Anti-Corrupção, Anti-Privilégios, Voto Consciente.” No Twitter, o caráter isentão é reforçado: “Nosso objetivo é oferecer informação para ajudar de forma objetiva as pessoas a votarem melhor”.

Mas isso não é verdade.

Há outras bandeiras que movem os criadores do ranking. E o empunhamento ou não dessa bandeiras influi diretamente no posicionamento dos políticos dentro do ranking. A ideologia do site só fica clara para os visitantes que se dispuseram a perder tempo vasculhando-o em busca de informações que deveriam estar claras para quem acessa apenas o ranking. Em letras miúdas no fim da página “Sobre”, o ranking afirma que tem “firmes valores e princípios a respeito de temas econômicos” e que levanta bandeiras (perceba que já não são mais apenas aquelas três bandeiras em destaque na página inicial) que foram “conquistadas pela civilização nos últimos séculos” como a “livre iniciativa, na propriedade privada, no regime de mercado”. Não fica claro para quem não se aprofunda no site que há um viés liberal impregnado nos critérios adotados pelos seus criadores e aplicado por conselheiros ligados ao mercado e ao grande empresariado.

O ranking diz se basear nos “gastos, na assiduidade, na fidelidade partidária nos processos judiciais e na qualidade legislativa”. É nesse último quesito que está engodo. Quem define os critérios de qualidade é um conselho “totalmente independente, e composto por profissionais com reconhecida capacidade analítica e boa reputação no mercado”. Agora, vamos conferir alguns integrantes desse conselho “totalmente independente”:

Gustavo Franco – ex-presidente do Banco Central de FHC. Saiu recentemente do PSDB para se filiar ao partido Novo e irá presidir a Fundação Novo, ligada ao partido.

Dalton Luis Gardiman – economista-chefe do Bradesco, cargo que exerceu também nos bancos Credit Agricole, Credit Lyonnais, CLSA (Asia) e Deutsche Bank

Flavio Amary – diretor da Fiesp e presidente do Secovi-SP. É empresário do ramo imobiliário e filho de Renato Amary, que já foi deputado estadual, federal e prefeito de Sorocaba (SP) pelo PSDB (hoje está no PMDB).

Diogo Costa – cientista político que já trabalhou em Washington para a Atlas Network, uma organização financiada pelos irmãos Koch e cujas “fundações associadas realizaram centenas de doações para think tanks conservadores e defensores do livre mercado na América Latina, inclusive a rede que apoiou o MBL.”

Carlos Alberto Borges – CEO da construtora Tarjab.

Daniel Minerbo – administrador que trabalhou para o Morgan Stanley em São Paulo “prospectando clientes de alta renda para investir na plataforma do banco em Nova York ou em Genebra

Bernardo Wjuniski – diretor da Medley Global Advisors, uma consultoria que pertence ao Financial Times.

Há outros 13 conselheiros, todos com o mesmo perfil pró-mercado. São eles os responsáveis por definir a “qualidade legislativa”, que é disparado o critério mais importante para determinar o posicionamento dos parlamentares no ranking. A lista dos 20 melhores políticos eleitos do Brasil é hilária e não resiste a uma googlada.

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Sabe quem faz parte do Conselho Estratégico do Ranking dos Políticos?

O “independente” Flávio Rocha, que até pouco tempo atrás era o candidato à presidência da República pelo partido da Igreja Universal. Outro conselheiro estratégico é Eduardo Mufarej, fundador do movimento RenovaBR que, junto com Nizan Guanaes, Armínio Fraga e Luciano Huck, pretende preparar e financiar o surgimento de novas lideranças políticas.

Os donos do site, Alexandre Ostrowiecki e Renato Feder, são empresários que comandam a Multilaser, uma empresa de eletrônicos que fatura na casa do bilhão e que já teve seu nome envolvido com política algumas vezes. A empresa foi uma das que compraram a briga entre Doria e Amazon e fez uma doação de tablets para a prefeitura, numa jogada de marketing perfeita para ambas as partes. Renato Feder foi também o responsável pela maior doação recebida pela campanha do então candidato a prefeito de São Paulo.

Multilaser, vejam só que coincidência, é filiada ao Lide — a empresa de lobby da família Doria — e possui contratos com o governo federal e o paulista. No jogo de abertura da Copa no Brasil, quando Dilma foi vaiada, a Multilaser distribuiu 20 mil cartazes para os torcedores que vinham com um recado: “Na hora do Hino Nacional abra este cartaz e mostre para todos que está na hora do Brasil vencer de verdade.” Os cartazes exibiam a estrela do PT e as mensagens: “Fora incomPTtentes” ou “Fora corruPTos”.

meritocracia do ranking é muito peculiar. Para se estar bem posicionado, basta seguir a cartilha do mercado e do alto empresariado. Os parlamentares que votaram contra o impeachment da Dilma, a PEC do teto dos gastos, a intervenção militar no Rio e a redução da maioridade penal, por exemplo, perderam muitos pontos no ranking. Já a corrupção, que o site informa ser uma de suas principais bandeiras, tem peso mínimo no ranqueamento. Uma condenação por roubo de dinheiro público não influencia tanto para a posição no ranking desde que a atuação parlamentar esteja alinhada ao que pensa os donos e os conselheiros que comandam o site.

deputada Luiza Erundina (PSOL), que não responde a nenhum processo, aparece em 505° lugar no ranking geral. O senador José Medeiros (Pode), que teve seu mandato cassado por fraude essa semana, aparece em 80° e é considerado o 3° melhor congressista do seu estado.

Ranking dos Políticos diz em suas diretrizes que acredita “na defesa dos direitos humanos”, mas considera o deputado Luis Carlos Heinze (PP) o 5° melhor congressista do Brasil. Além do próprio ranking informar que ele foi condenado por improbidade administrativa por desviar verba do orçamento, o pepista já foi processado por afirmar publicamente que índios, gays e quilombolas “não prestam.

Diferente do site, a página do Facebook do Ranking dos Políticos escancara bem mais a ideologia que o norteia e coloca em xeque a sua declarada independência política-partidária. Além de ter um importante filiado do partido Novo entre seus conselheiros, o grupo tem feito uma série de entrevistas com candidatos, sendo que os últimos 3 entrevistados são do partido … Novo. Talvez seja apenas uma dessas coincidências do destino.

No site há a possibilidade de se criar o seu próprio ranking, utilizando seus próprios critérios de avaliação, o que é bastante interessante para o eleitor. Mas isso não compensa o impacto do ranking oficial, que se tornou uma importante ferramenta eleitoral para dourar as candidaturas de direita e centro-direita.

PSDB comemorou em seu site oficial o bom desempenho no ranking de Shéridan, que ficou entre os 100 melhores do país e a melhor de Roraima. “É uma ferramenta eficiente e transparente para que a população possa acompanhar o nosso trabalho. Na política brasileira temos, sim, bons políticos que agem com ética e responsabilidade”, afirmou a tucana meses depois de ter seus bens bloqueados pela justiça por ter usado um avião do estado de Roraima para transportar o Mc Sapão, que animou sua festa de aniversário.

João Filho, The Intercept, na íntegra.

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