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A FORÇA QUE CARREGA DILMA

A liderança de Dilma Rousseff na eleição presidencial está longe de expressar uma guinada repentina do eleitorado e muito menos uma sucessão de jogadas – algumas efetivamente geniais – do marketing de João Santana. A vantagem de Dilma expressa o esforço da maioria dos brasileiros em recuperar seus direitos para governar o país.

 

É sempre prudente aguardar por surpresas de última hora, mas o avanço de Dilma tem a consistência das conquistas obtidas a frente de todos. Dilma cresceu nos debates pela TV, a frente de milhões de telespectadores. Seu avanço foi reforçado por Lula e seu prestígio imenso de mais popular político da história. Também cresceu pela força social profunda que há três décadas se organizou na militância do Partido dos Trabalhadores e de milhares de entidades que gravitam a sua volta em bairros, nas empresas, nas escolas, e também na máquina do Estado.

 

A unidade entre o partido e a candidata, que jamais foi consolidada no primeiro turno, constitui a força imensa que caminha em direção as urnas de domingo.

 

O último levantamento do DataFolha mostra que os eleitores não apenas preferem Dilma por uma ou outra razão, mas também concordam com suas teses, o que torna difícil saber o que veio primeiro, o ovo ou a galinha, a ideia ou o fato.

 

Ignorando o massacre ideológico promovido pelos meios de comunicação para manter a candidata do PT na defensiva desde o início do ano, 56% dos brasileiros acreditam que ou a inflação deve permanecer como está (35%) ou até pode cair (21%). Para uma minoria de 31%, irá aumentar. Para 44%, a economia vai melhorar, enquanto 15% (15%!) acham que vai piorar. Para uma maioria de dois terços de eleitores, o desemprego deve ficar como está (35%), o menor nível da história, ou pode até diminuir (31%).

 

Quatro meses antes, em junho, antes do horário político, antes dos debates, quando o ponto de vista dos adversário do governo era oferecido sem contestação nem debate, a convicção dos brasileiros era outra.

 

A rigor, nada mudou na economia de lá para cá. O crescimento até piorou um pouquinhos. Mas, há quatro meses, 59%, achavam que a inflação iria subir. Para 48%o, o emprego iria cair.

 

O que mudou foi a política. Na medida em que teve a oportunidade de ouvir o debate sobre assuntos da vida cotidiana, libertando-se do pensamento único, o eleitor avaliou propostas, examinou projetos – e mudou de ideia.

 

O crescimento recente de Dilma é explicado pelos coordenadores da campanha como a conquista de eleitores que votaram em Marina Silva no primeiro turno, deixaram-se seduzir por Aécio Neves no segundo – quando ele passou à frente – e mudaram mais uma vez de candidato, preferindo mudar-se para o PT. Não é um apoio instável mas tem sua lógica.

 

Ao lembrar os escândalos escondidos pelo PSDB, Dilma questionou o caráter politico-eleitoral das denúncias de Aécio. Ao debater política econômica, lembrou as experiências dos brasileiros com recessão e desemprego – temores que o adversário não soube responder. A visão, no comitê de Dilma, é que os eleitores que apostavam na “nova política ” de Marina não tinham razão para sustentar Aécio. Novidade por novidade, Dilma falou em plebiscito para sustentar uma reforma política ambiciosa, ao contrário de teses triviais, feijão-com-arroz da velha política, como debater reeleição e voto distrital.

 

O desempenho de Dilma no debate da Band foi impecável. No segundo debate, no SBT, quando Aécio Neves assumiu uma postura particularmente agressiva contra uma presidente de 67 anos, Dilma permitiu que se destruísse sozinho. No terceiro debate, Dilma enquadrou as discussões em torno de questões políticas, terreno que lhe é favorável. Não ganhou todos os conflitos mas manteve uma postura de responsabilidade, segurança. Nenhuma questão importante ficou sem resposta.

 

Na base do partido, um dirigente do PT no bairro de Vila Mariana, em São Paulo, avalia que “a postura da Dilma nos debates fez toda a diferença. Os militantes ficaram valentes.” Já nos dias seguintes ao primeiro debate, desembarcaram meio milhão de estrelinhas vermelhas no Diretório Estadual do PT, em São Paulo. Menos de 12 horas depois, 80% desse material, o mais duradouro símbolo petista, já havia sido levado para comícios, festas e outras atividades, e era preciso encomendar mais. Nas bancas do centro do Rio de Janeiro, os panfletos e os bottons colantes – que precisam de reposição diária – também escasseavam mais depressa do que se previa. Em vários locais, faltavam bandeiras – num sinal de que a mobilização já atingira um patamar superior ao que os próprios organizadores esperavam. Na internet, os sites do partido disparavam. Os dias seguintes foram de uma avalanche, que multiplicou votos e adesões.

 

Na segunda-feira, ato no Teatro da Universidade Católica, edifício histórico da resistência democrática contra a ditadura, foi uma demonstração de crescimento de Dilma numa cidade onde seu nome enfrentou uma hostilidade surpreendente para uma legenda que fez três prefeitos depois da transição democrática.

 

Na USP, dias antes, um dos centros das organizações de ultraesquerda que pregam o voto nulo, voto branco, abstenção ou Dilma, como se fossem alternativas descartáveis e equivalentes, dirigentes da CUT se apresentaram para lembrar que está em jogo “a unidade contra a política de retrocesso social e concessões ao imperialismo,” como falou um antigo líder estudantil, Julio Turra, que há 40 anos discursava no mesmo ambiente.

 

Depois de fazer, nos últimos anos, campanhas terceirizadas, apoiadas no prestígio universal de Luiz Inácio Lula da Silva, numa boa publicidade, no desempenho favorável da economia e na ausência absoluta de adversários capazes de representar sequer uma ameaça crível a seus candidatos, em 2014 a máquina petista foi colocada diante de uma disputa em que é preciso bater na porta do eleitor, disputar voto a voto, argumentar, ouvir e convencer – sabendo que em nenhuma hipótese o triunfo estará garantida com antecedência. Altos funcionários de Ministério pediram férias de seus cargos, em Brasília, para percorrer férias, bares e locais de trabalho, num esforço para encontrar argumentos a altura do momento.

 

Depois de passar três décadas com o compreensível currículo de partido da mudança, palavra naturalmente mágica num país com as necessidades do nosso, o PT se viu na posição de partido da ordem, senha de ingresso no poço sem fundo do cemitério político nacional. O ano de 2014 foi um curso da aprendizado, interno e externo. Para dentro, serviu para avaliar com mais frieza o que se fez, com mais veracidade e menos triunfalismo. Para fora, foi a hora de enfrentar um embate contra um candidato que tentava crescer no próprio terreno da mudança. Foi preciso voltar ao início de tudo, num debate que nunca se fizera: mudar para que? Com quem? Para chegar onde? “Ganhamos quando mostramos quem é sincero quando fala em mudança,” afirma um assessor de ministério em campanha – de férias – pelo Rio de Janeiro.      

Fonte: Paulo Moreira Leite

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