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Bolsonaro nega mortes na mesma semana em que surgem novas provas de sua negligência

Mortes se somam e o mentiro lustra a cara pau

Na mesma semana em que o Brasil viu o número de mortes por covid-19 se acelerar a ultrapassar 480 mil óbitos, o governo federal tentou dar tons oficiais aos questionamentos de Jair Bolsonaro sobre a veracidade dos dados sobre casos fatais.

Na segunda-feira (7), o presidente mentiu ao afirmar a apoiadores que um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) colocava em dúvida as informações apresentadas pelos estados brasileiros.

Desmentido pelo próprio TCU no mesmo dia, o suposto relatório citado por Bolsonaro apontaria que metade das mortes relatadas não teria ocorrido por covid-19.

No dia seguinte às afirmações do presidente, o Brasil voltava a registrar mais de 2,3 mil mortes por dia, resultado que não era observado há mais de um mês.

Ao longo da semana, o ritmo de crescimento continuou subindo. Na quinta-feira (10), chegou a ultrapassar 2,5 mil em 24 horas.

Enquanto isso, Bolsonaro procurava maneiras de sustentar o negacionismo sobre os óbitos. Na terça (8), na quarta (9) e na quinta-feira (10), ele voltou a falar do assunto.

Novamente, citou o tribunal e, novamente, colocou em dúvida os dados sobre as mortes do Brasil.

No podcast A Covid-19 na Semana, o médico de família Aristóteles Cardona, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, lembra que não é a primeira vez que o governo tenta maquiar os dados.

“Parece que o governo Bolsonaro está recheado de verdade alternativas, tentativas de esconder a realidade. Escondendo a realidade, fica mais fácil trazer essa realidade alternativa. Não à toa, em determinado momento da pandemia no ano passado, o governo tentou modificar a contagem de casos e mortes por covid-19. A realidade não iria mudar, era uma forma de esconder o que estava acontecendo”, alerta o médico.

O TCU identificou que o documento mencionado por Bolsonaro não é oficial.

Foi produzido independentemente por um servidor da corte, cujo pai é amigo de presidente e teria repassado o enredo a ele.

Apuração do jornal “Correio Braziliense” aponta que o auditor teria enviado a análise aos filhos de Jair Bolsonaro e ao presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano.

O jornal mostrou também que o servidor fora alertado por colegas sobre os riscos da tese infundada de que as mortes são superdimensionadas.

Segundo o veículo, no começo da pandemia, o autor do relatório paralelo teria requisitado pessoalmente ficar responsável pelo acompanhamento de compras com recursos públicos de equipamentos para o enfrentamento da covid-19.

Segundo a hipótese levantada pelo servidor, os governos estaduais estariam inflando os números para receber mais verbas. No entanto, os valores destinados a políticas para conter a pandemia não estão relacionados ao número de mortes.

Portanto, a tese não se sustenta nos fatos. Resultado: o auditor foi afastado de suas funções, e o TCU abriu procedimento interno para investigar a atuação dele, que foi impedido até de entrar na sede do órgão de contas..

Aristóteles Cardona afirma que a punição não diminui o estrago causado pelas mentiras,

“O fato foi jogado, as manchetes foram criadas. Isso fica circulando nos grupos de mensagem e nas redes sociais, alimentando o discurso. Por mais que seja absurdo, por mais que a verdade seja colocada, está comprovado que esse tipo de notícia falsa corre muito mais e nem sempre acompanhada da informação correta”, atenta o médico.

Foco em 2022

Coincidentemente, a insistência do governo no assunto e em outras polêmicas vazias ocorreu na mesma semana em que notícias importantes e negativas para a gestão de Bolsonaro ocuparam manchetes e debates.

A pandemia avança, a economia encolhe e as evidências de negligência no controle da covid aumentam.

Para Aristóteles, o governo tenta esconder e maquiar informações para “enfrentar a eleição sem dados oficiais”.

A pedido da CPI da Covid, um relatório que aponta ações deliberadas para propagação do coronavírus pelo governo ao longo da pandemia foi atualizado.

O documento é de autoria da Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), em parceria com a ONG Conectas Direitos Humanos.

A análise das leis e decisões da gestão de Bolsonaro aponta que elas causaram impacto proposital no crescimento da doença.

Em vetos, medidas e atos, a percepção explícita é de que havia uma intenção formal de aumentar a circulação do vírus, com a falsa ideia de que isso imunizaria a população naturalmente e traria controle da pandemia.

“O governo federal passou a promover a ‘imunidade de rebanho’ por contágio como meio de resposta à pandemia”, diz o estudo.

A estratégia criou o espaço ideal para o descontrole do vírus e as novas cepas, muitas vezes mais infecciosas e mortais.

Impulsionada pela crise sanitária e pela falta de medidas concretas para manutenção do consumo e contenção dos preços, a inflação em maio foi a pior para o mês dos últimos 25 anos.

Uma parte considerável da força da crise econômica está diretamente ligada à inação do governo federal frente à pandemia.

Segundo a Fundação Getúlio Vargas, a renda das famílias caiu 10% apenas nos primeiros três meses desta ano e está em declínio há quatro trimestres.

Pesquisa da consultoria Kantar, indica que a escalada no preço está levando os brasileiros a aumentar o consumo de alimentos ultraprocessados mais baratos.

O tradicional arroz, feijão, carne e salada foi substituído por presuntos, salsichas, hambúrgueres e pães industrializados, apenas mais uma das consequências do caos que vive o Brasil.

Na sexta-feira (11), a Petrobras anunciou aumento de 5,9% no preço do gás de cozinha, décima quarta alta consecutiva dos últimos meses.

Para completar o combo de informações que deveriam levar o governo a agir e tentar conter a crise, na quinta-feira (11), o jornal “O Globo” divulgou denúncias de que Bolsonaro teria favorecido empresários fabricantes de hidroxicloroquina.

O presidente tentou agilizar a importação de substâncias para a produção do medicamento em conversa direta com o governo indiano.

Uma das companhias desses empresários assinou contrato com o BNDES no valor de 153 milhões de reais em 2019.

“É mais um crime que se configura. Qualquer que fosse o presidente, se aparecesse a denúncia de que interferiu com um governo estrangeiro para beneficiar um grupo de empresários, é um claro absurdo.

Não estamos falando de medicamento comprovado, não estamos falando de medicamento de ação eficaz, não estamos falando de vacina”, enfatiza Cardona.

Em meio às notícias desvantajosas, na quinta-feira (10), o presidente ainda encontrou tempo para afirmar que o ministério da Saúde preparava um parecer para desobrigar o uso de máscara a pessoas já vacinadas.

O equipamento de proteção é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) enquanto a porcentagem de imunizados ainda for baixa. Com o ritmo da vacina no Brasil, ainda não é seguro abrir mão do uso, segundo cientistas do mundo todo.

No dia seguinte, Bolsonaro resolver fazer uma visita a um avião comercial, durante o retorno de uma viagem que fez ao Espírito Santo, para tirar fotos com membros da tripulação.

Ao entrar na aeronave, ele foi hostilizado por passageiros aos gritos de “genocida” e “Fora Bolsonaro”.

O vídeo viralizou e entrou em destaque nas redes sociais e na imprensa. Horas depois, o Brasil completava seis dias seguidos de alta na média diária de mortes por covid-19.

“Parece que o Bolsonaro quer isso mesmo, quer  instituições desacreditadas.

Quanto mais desacreditadas as instituições, fica mais fácil para ele vencer a eleição em 2022 e, se perder, dizer que o processo foi fraudado.

A política é essa, criar confusão, enfraquecer as instituições. Isso precisa ficar registrado.

Que a gente cobre para que isso tudo tenha consequências e não seja simplesmente uma constatação”, finaliza Aristóteles Cardona.

Nara Lacerda

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