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Como Aécio e aliados abafaram a investigação da Lista de Furnas.

Pacto de sangue

Na semana em que o DCM começou a contar a história sobre a Lista de Furnas, uma cena chamou a atenção de quem passava pela rua Goytacazes, em Belo Horizonte, altura do número 50, no final da manhã de quinta-feira, 15 de outubro.

Um senhor de mais de 70 anos, vestindo camisa amarela e calça social, se aproximou de um homem de quase 60, mais baixo do que ele, tocou no seu ombro e este, ao virar, ouviu “filho da puta” e levou o soco no rosto. O mais baixo revidou com a pasta e começou a gritar: “mensaleiro”, “pega ladrão”, e o mais velho deixou o local.

O mais velho é Cláudio Roberto Mourão Silveira, quadro com extensa folha de serviços prestados às gestões do PSDB no Estado, e o mais baixo, Nílton Antônio Monteiro, o delator da Lista de Furnas.

Nílton entrou em contato com o advogado Willian Santos, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB no Estado, e foi orientado a fazer um boletim de ocorrência, e a buscar testemunhas e registros em vídeo da agressão. “Até hoje, tudo o que o Nílton falou acabou se comprovando”, disse Willian.

Eu liguei para Cláudio Mourão e deixei recado na caixa postal, sem obter retorno até agora. Também enviei um e-mail para o advogado de Mourão, também sem resposta até o momento. Mourão e Nílton se tornaram desafetos quando este divulgou documentos que mostravam a utilização de caixa 2 na campanha do PSDB em 1998, num episódio conhecido como mensalão mineiro.

Cláudio Mourão foi chefe de gabinete na Secretaria de Administração no governo de Tancredo Neves, onde Eduardo Azeredo era presidente da Empresa de Processamento de Dados.

Mais tarde, quando Azeredo assumiu a prefeitura de Belo Horizonte, Mourão foi nomeado secretário da Administração. Em 1994, Azeredo se elegeu governador e levou Mourão para a Secretaria de Administração do Estado. Em 1998, quando Azeredo tentou a reeleição, Mourão se tornou o tesoureiro da campanha.

Azeredo não se elegeu e deixou dívida de campanha, que foi assumida pelo aliado Mourão. Este, alegando prejuízo, se movimentou para entrar com uma ação de indenização na justiça contra Azeredo e o candidato a vice, Clésio Andrade.

Tudo de maneira bem discreta. Ao mesmo tempo, assinou uma procuração para que Nílton Monteiro buscasse fazer um acordo extrajudicial com Azeredo e Clésio.

Como Nílton não é advogado e até então sua atividade conhecida era a de laranja e homem da mala do empresário e ex-deputado Ségio Naya, é claro que não se tratava de serviços jurídicos o que Mourão buscava.

E Nílton preparou uma lista, exatamente como no caso de Furnas, com o nome dos políticos que receberam doações na campanha de 1998. Lá está o nome de Aécio Neves, na época candidato a deputado federal, com o respetivo valor da doação: 110 mil reais.

Mais tarde, Mourão desistiu da ação na Justiça contra seus antigos aliados – Azeredo e Clésio – e Nílton entregou a lista e documentos para políticos do PT, quando em Brasília o PSDB atacava o governo Lula por causa da denúncia do mensalão.

Não é difícil concluir que o problema de Mourão estava resolvido. Mas e Nílton, que não esconde que busca dinheiro nos subterrâneos da política?

Com a divulgação da lista do Mourão, acompanhada de recibo de depósitos bancários, se tornou público que Marcos Valério trabalhava para o PSDB de Minas Gerais muito antes de começar a servir ao PT.

A Procuradoria Geral da República determinou a abertura de inquérito e a Polícia Federal descobriu que, no mensalão mineiro, o dinheiro saía das estatais de Minas Gerais, via contratos de mentirinha, e ia para o caixa dos políticos, com a mediação de Marcos Valério.

Nesse tempo, Aécio já era governador de Minas e, logo depois de explodir o escândalo do mensalão mineiro, teve seu nome relacionado também na outra lista famosa, a de Furnas.

Os dois casos – a Lista do Mourão e a Lista de Furnas — foram divulgados quase simultaneamente, e demonstraram que o PSDB, ao atacar o PT, era o que, nas palavras ditas mais tarde, o mesmo que o sujo falar do mal lavado.

As listas de Nílton tiveram uma repercussão estranha. Se, nos bastidores, foi fundamental para esvaziar as CPIs do Correio e do Mensalão, publicamente o alvo se tornou Nílton Monteiro.

“Achacador”, diziam uns. “Falsário”, afirmavam outros. “Estelionatário”, denunciava a Polícia Civil de Minas Gerais.

A reação dos envolvidos atende a um padrão. No caso do mensalão mineiro, Mourão negou que tivesse assinado procuração em favor de Nílton, e até juntou parecer de perito contratado para dizer que a assinatura era falsa. Já os peritos oficiais, da Polícia Federal, não tiveram dúvida: a assinatura era autêntica.

No caso de Furnas, a mesma coisa. Peritos contratados, agindo fora do horário de trabalho ou já aposentados do serviço público, atestaram a falsidade, sob contrato remunerado. Os peritos da Polícia Federal chegaram à conclusão oposta.

Entre uns e outros, entraram em ação a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Ministério Público de Minas Gerais, para investigar não Furnas ou Cláudio Mourão, mas o único jornal mineiro que dava notícia sobre as listas.

Batizada de Anonymous, uma operação que uniu promotores, delegados e PMs, com o amparo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, resultou na busca e apreensão de documentos e computadores da sede do Novo Jornal e na retirada do site do ar.

Quando o advogado do Novo Jornal tentou reverter a decisão, a Polícia Civil se manifestou contrária e juntou um artigo do Observatório da Imprensa, publicado no dia 26 de agosto de 2008, sob título “Jornalismo ou achaque?”, em que o autor, José Luiz Ferreira Fernandes, fazia insinuações de que o dono do Novo Jornal publicava as denúncias para extorquir dinheiro de políticos e empresários.

Joaquim de Carvalho

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