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Como seria um eventual governo Bolsonaro?

Cadê o bigodinho, só falta isso

Uma parcela significativa do eleitorado, decepcionado com o volume crescente de denúncias de corrupção no País, passou a ver na candidatura do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ)uma solução, porque seria alguém com disposição para enfrentar, com firmeza, essa suposta degradação moral.

Isso é extremamente preocupante, porque essas pessoas podem estar comprando gato por lebre ao tomar tal decisão sem antes examinar as causas da sensação de degradação moral e sem refletir sobre o que representa a candidatura de Bolsonaro.

Um cidadão nunca deve eleger ninguém, muito menos um Presidente da República, apenas pela retórica de combate à corrupção nem pela postura de linha dura do candidato.

É preciso que o eleitor, além de saber se o postulante será realmente capaz de resolver os graves problemas do País, esteja de posse de informações seguras para tomar uma decisão consciente e que expresse sua real manifestação de vontade.

É preciso, por exemplo, ter clareza de que a corrupção no Brasil sempre existiu, e num volume que antes não era possível de ser mensurada, e continuará existindo. Somente nos últimos 20 anos é que a relação do Estado com a sociedade e com o mercado passou a ser mais transparente.

Resultado, de um lado, de um conjunto de leis que jogou luzes sobre os agentes públicos e suas relações com o setor privado (lei de compra de votos, Lei de Acesso à Informação, lei de transparência, lei de responsabilização da pessoa jurídica, atualização da lei de lavagem de dinheiro, lei de combate ao crime organizado e da delação premiada, entre outras), e, de outro, do empoderamento dos órgãos de fiscalização e controle, que passaram a atuar como instituição de Estado e não mais de governo, inclusive transferindo a eles prerrogativas que antes eram exclusivas de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

É preciso, ainda, ter presente que o Poder Executivo, cujo titular é o presidente da República, dispõe de muito poder e é o principal operador dos monopólios do Estado, entre os quais: a) de impor conduta e punir seu descumprimento – o poder coercitivo; b) de legislar, ou seja, elaborar leis obrigatórias para todos e para cada um; e c) de tributar, mediante a cobrança compulsória de taxas, contribuições e impostos de toda a sociedade.

Não é razoável, portanto, eleger um presidente da República, com os poderes de Chefe de Governo e Chefe de Estado que tem no Brasil, pensando apenas no combate à corrupção, que aliás é mais função dos órgãos de controle – dos Ministério Público, do Tribunal de Contas e do Poder Judiciário do que do presidente da República.

É preciso analisar vários outros aspectos, principalmente o que pensa e o que representa o candidato, como empregará os monopólios do Estado, quais suas propostas e quais as consequências de sua implementação, qual será sua equipe e o que ela pensa em relação aos graves problemas do País para tomar uma decisão consciente e responsável.

Senão, o voto vira apenas um instrumento de desopilação, de protesto, de ressentimento ou até de ódio, que em lugar de resolver vai criar mais e novos problemas e dificuldades.

Quem é, então, Jair Bolsonaro? Qual é sua visão de mundo? Que solução apresenta para os principais problemas do País? Quem é e o que pensa sua equipe econômica?

São perguntas que passamos a responder e que dão pistas sobre um eventual governo Bolsonaro.

Jair Bolsonaro é um ex-capitão do Exército brasileiro, que foi para a reserva precocemente para virar político profissional, inicialmente como vereador e depois como deputado federal, estando atualmente no seu sétimo mandato, e que, juntamente com três de seus filhos (Eduardo/dep. federal, Flávio/dep. estadual e Carlos/vereador), vive exclusivamente da política.

O deputado Jair Bolsonaro – defensor da ditadura militar – tem uma visão de mundo associada ao Estado penal, que advoga a prevalência da penalização, da disciplina, da repressão e da criminalização da pobreza sobre as políticas sociais, sobre a tolerância, sobre a paz, sobre a dignidade da pessoal humana.

É defensor do Estado policial em detrimento do Estado social.

Para ele, antes do Estado provedor; prestador de serviços públicos, que combata desigualdades regionais e de renda e garanta oportunidades e acesso a bens e serviços gratuitamente a todos, especialmente aos mais pobres e necessitados; vem o Estado repressor, voltado para o aumento do encarceramento e da repressão criminal, para o preconceito e para a intolerância.

Sabedor de que a sociedade não tolera a violência urbana e rural nem os pequenos roubos e furtos, utiliza, por exemplo, a retórica de que “bandido bom é bandido morto” e que eventual invasão de propriedade privada – independentemente de ela ser improdutiva ou de não cumprir sua função social – por movimentos como o dos trabalhadores rurais sem terra ou o dos sem teto deve ser combatida com lança-chamas (labaredas de fogo), como forma de alimentar seu exército de fundamentalistas.

Sem o menor respeito pela diversidade, diz preferir ter um filho morto a um filho gay, declarou que uma deputada não merecia ser estuprada por ser feia, afirmou ter ido a uma comunidade quilombola na qual só viu obesos que não servem nem para procriação, além de ter votado a favor do impeachment de uma ex-presidente em homenagem a um torturador.

Na marcha dos prefeitos de 2018 demonstrou seu total despreparo para ser Presidente.

Indagado sobre sua proposta para o saneamento básico, respondeu que a solução desse problema passa pelo controle da natalidade. E perguntado sobre seu modelo de educação, citou como exemplo um colégio militar em Goiânia.

Não bastasse seu despreparo para governar o Brasil e sua visão ditatorial, ainda escolheu como coordenador de seu programa de governo o economista e banqueiro Paulo Guedes, um fundamentalista liberal e fiscal, que defende o Estado mínimo.

“Cabeça de planilha”, o responsável pelo programa é daqueles neoliberais capazes de considerar a mortalidade infantil como benéfica ao controle das contas públicas.

O discurso do deputado se vale da ignorância, do ódio e da sede de vingança das pessoas para apontar culpados e sugerir soluções, numa narrativa rasa e infantil, mas que denota uma relação de causa e efeito, como forma de disparar o gatilho mental dos revoltados.

A fórmula consiste sempre em identificar culpados e promover o julgamento moral, supostamente usando um “problema” e uma “solução”. É o raciocínio pronto, que atende aos descontentes, sem requerer nenhum esforço adicional.

Até mesmo sob o prisma da probidade, é questionável a sinceridade do deputado Jair Bolsonaro.

Em 19 de janeiro de 2018, a Folha de S. Paulo publicou extensa matéria, apontando 32 perguntas não respondidas sobre o patrimônio do deputado e seus familiares, com fortes indícios de enriquecimento ilícito, como recebimento indevido de auxílio moradia e a propriedade de imóveis com valor de mais de R$ 16,5 milhões.

O eleitor pode votar em quem quiser, mas seu ato deve expressar sua real manifestação de vontade, o que pressupõe ter conhecimento sobre o candidato e o que ele representa. Se tiver essas informações e mesmo assim resolver votar, não há problema.

O sujeito está, conscientemente, disposto a chancelar na urna seu potencial algoz. Entretanto, votar sem conhecimento sobre quem é o candidato e o que pensa, pode levar à frustração e ao desencanto. Não existe ética sem verdade.

*Celso Napolitano é professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP),

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